Repasse da inflação ampliou faturamento, acima do esperado pelos analistas
Por Ana Luiza de Carvalho e Felipe Laurence — De São Paulo
22/08/2022 05h02 Atualizado há uma hora
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A pressão nos custos e as despesas financeiras maiores reduziram os lucros das companhias brasileiras no segundo trimestre, apesar do crescimento significativo de receita, refletindo maior repasse da inflação. Mesmo com o tombo na última linha dos resultados, os analistas consideraram positivo o desempenho geral, com boa parte dos números acima das expectativas.
Levantamento elaborado pelo Valor Data, a partir de dados de 386 empresas não financeiras de capital aberto, mostra que as receitas subiram 18,2%, na comparação com o segundo trimestre de 2021, a R$ 780,2 bilhões, enquanto o lucro líquido caiu 64,4% em igual período, a R$ 29,1 bilhões.
A lista não inclui Petrobras e Vale que, pelo tamanho, acabam distorcendo os dados. Incluindo as duas companhias, as receitas subiram 17,3%, e o lucro recuou 29,9%.
A diferença acontece devido a acelerada alta dos juros no Brasil ao longo do último ano, tendo impacto direto nos números financeiros, fora das operações de dia a dia, como dívida, investimentos e outras aplicações. Se ao fim de junho do ano passado a taxa básica de juros estava em 4,25% ao ano, ela passou a 13,25% ao ano no fim do segundo trimestre de 2022.
“É um ponto de atenção e de preocupação porque essas despesas financeiras não vão arrefecer, podem crescer com tomada de novas dívidas”, afirma Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP.
Em relatório, a Ativa Investimentos tem opinião semelhante, destacando que a alavancagem vem em tendência de alta, com juros afetando a “rolagem” das dívidas.
No levantamento consolidado, o resultado financeiro das 386 empresas passou de receita de R$ 7,2 bilhões para despesa líquida de R$ 67,1 bilhões.
A perspectiva de cenário elevado dos juros faz com que as empresas repensem estratégias de investimento. A CSN, ativa no mercado nos últimos tempos, como na compra das operações brasileiras da cimenteira LafargeHolcim, vai “passar um pente fino” nos projetos previstos para o restante de 2022, para controlar alavancagem.
Se os juros assustam, por outro lado, a atividade econômica mais forte que o esperado no ano vem ajudando as empresas a repassarem de forma bem sucedida a inflação de custos aos seus preços. Ante o primeiro trimestre, o faturamento das empresas subiu 7,9%. David Beker, chefe de economia no Brasil e de estratégia para América Latina do Bank of America (BofA), diz que houve combinação de alta nos volumes e nos preços.
“Ficou claro que a inflação ajudou muito o crescimento das receitas, mas as empresas não conseguiram repassar toda a alta nos custos e por isso, no geral, teve contração de margem”, diz Aline Cardoso, estrategista institucional de ações para Brasil no Santander.
No levantamento do Valor Data, a margem bruta recuou 2,2 pontos percentuais em um ano, a 26,5%, com o avanço dos custos. Já a margem líquida, que inclui também o resultado financeiro, caiu ainda mais, 8,7 pontos, para 3,7%.
Um dos destaques positivos do segundo trimestre, de acordo com os analistas, foi o setor de petróleo e gás. A manutenção dos altos preços no mercado internacional, em meio a restrições na oferta, além da valorização do dólar ante o real, acabou impulsionando margens do setor. Ferreira, da XP, destaca o “pagamento de dividendos expressivos” da Petrobras como exemplo da força do setor.
O custo dos produtos vendidos da Petrobras no segundo trimestre cresceu 40% na comparação anual e 12% em relação ao primeiro trimestre deste ano, mas a empresa destacou em comentário no balanço que o crescimento de 54% nas receitas mais que compensou tal efeito, impulsionando a margem bruta e gerando lucro operacional recorde.
Os setores de mineração e siderurgia apresentaram resultados mais fracos que o esperado. A Vale sentiu impacto da queda da cotação do minério de ferro, além de ter apresentado entraves operacionais que reduziram volume de produção, elevando a proporção dos custos no balanço. Siderúrgicas viram a influência da alta dos custos na produção, com empresas dolarizadas, como a Gerdau, conseguindo mitigar impactos.
A atividade econômica maior que o esperado, assim como a redução da inflação e o provável fim do ciclo de alta nos juros, dá esperança aos analistas que os próximos trimestres sejam positivos para as empresas, apesar das comparações anuais ainda desfavoráveis. “O setor de consumo deve impulsionar, com o Auxílio Brasil”, diz Cardoso, do Santander.
Um dos exemplos de repasse dos custos, a M. Dias Branco se recuperou no segundo trimestre e tem boas perspectivas para o restante do ano. “Cenário é positivo para recuperação de margem, isso porque ainda não enxergamos reflexos do auxílio. Continuamos realistas, mas otimistas com o que tem acontecido”, disse Gustavo Theodozio, vice-presidente de investimentos, em teleconferência.
Na outra ponta, algumas companhias do setor de saúde não conseguiram repassar completamente o aumento nos custos. A Rede D’Or, por exemplo, ainda tem patamar de gastos com materiais e medicamentos de mais de 20% da receita, nível acima do período pré-pandemia, mas inferior a 2021. “Eu particularmente estou insatisfeito com esse patamar, a gente pode ser mais eficiente que em 2019 e a gente vai perseguir isso”, disse Paulo Moll, presidente da companhia, em teleconferência.
David Beker, do BofA, diz que entre o primeiro e segundo trimestres havia expectativa um pouco mais negativa que no final não se materializou, por conta da melhora na atividade econômica, o que deve evitar revisões do mercado sobre o desempenho das empresas, mesmo com a permanência dos juros em patamares elevados.
Para Aline Cardoso, a queda de lucro na comparação anual deve levar a uma revisão no consenso de lucro do Ibovespa. Já as receitas devem considerar estimativas mais otimistas. Em relatório, o BTG Pactual aponta que as receitas e o Ebitda no segundo trimestre superaram as estimativas em apenas 3,5% e 2,1%, respectivamente. Já os lucros do período ficaram 5,4% abaixo das projeções.
“As empresas que vendem para o consumidor de baixa renda têm uma preocupação maior, mas o que vemos e escutamos é que as empresas vão continuar subindo preços, ainda tem uma inflação represada, tem espaço de repasse de preços”, comenta Fernando Ferreira, da XP. Uma maior despesa com salários, em meio a temporada de dissídios, também é um ponto levantado pelos analistas como tendência para o terceiro trimestre.
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Fonte: Valor Econômico