Cinco crises e desafios globais estão conectados e impactam um ao outro em efeito dominó: mudança climática, biodiversidade, água, alimentos e saúde. Custos não contabilizados de atividades econômicas atuais que impactam as cinco dimensões, inclusive a produção de alimentos, foram estimados em algo entre US$ 10 trilhões e US$ 25 trilhões ao ano.
Um relatório inédito que levou três anos para ser elaborado e reuniu 165 pesquisadores de 57 países foi lançado esta semana, estimulando maior sinergia para que o mundo enfrente cinco crises globais.
O estudo “Assesment Report on the Interlinkages Among Biodiversity, Water, Food, Health and Climate Change” (ou simplesmente Nexus Report) foi lançado pelo Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (Ipbes, em inglês), um painel similar ao IPCC, de Clima, mas para biodiversidade.
“O relatório oferece a avaliação científica mais ambiciosa já realizada dessas interconexões complexas e explora mais de cinco dúzias de opções de resposta específicar para maximizar os cobenefícios em cinco elementos de nexo: biodiversidade, água, alimentos, saúde e mudança do clima”, diz a nota à imprensa.
O relatório diz que as ações que existem hoje para enfrentar esses desafios não conseguem lidar com a complexidade dos problemas interligados. A governança também é inadequada, dizem os pesquisadores.
O estudo traz vários exemplos. Um caso, por exemplo, é o de enfrentar a esquistossomose, doença que afeta a saúde de mais de 200 milhões de pessoas no mundo. Tratado como apenas um problema de saúde – com medicamentos – o cenário se repete e se agrava. Em uma zona rural do Senegal, contudo, adotou-se outra abordagem. A iniciativa buscou reduzir poluição da água e a remoção de plantas aquáticas invasoras que abrigam os caracóis dos parasitas que transmitem a doença. O resultado foi uma redução de 32% nas infecções em crianças e melhor acesso à água.
“Uma decisão integrada é a melhor no caso de problemas confluentes”, diz Pamela McElwee, uma das coautoras do relatório.
Paula Harrison, outra coautora do Relatório Nexus, diz que o estudo utilizou 6.500 fontes de literatura científica acadêmica e também conhecimentos locais e tradicionais de povos indígenas e outras comunidades.
“Tivemos várias COPs este ano sem decisões”, observou David Obura, presidente da Ipbes. “Os desafios são muito grandes e, interconectados. Nosso desafio é trazer este conhecimento dentro do espaço das negociações internacionais”, disse em entrevista à imprensa internacional.
A Rio 92 produziu três Convenções separadas – a do Clima, a de Biodiversidade e a de Desertificação – e “desenhá-las hoje de outra forma poderia ser um desvio e levar 10 anos para refazer tudo”, observa Anne Larigauderie, secretária-executiva da Ipbes. Alguns pesquisadores sugerem que uma integração na ação de diversos ministérios, nos países, ajudaria a abordar o nexo entre os desafios.
A fragmentação na abordagem, com instituições olhando isoladamente para problemas conectados, prioriza retornos financeiros de curto prazo, ignora custos para a natureza e não responsabiliza atores por pressões econômicas negativas, diz o estudo. A isso se somam subsídios com impactos negativos na biodiversidade (cerca de US$ 1,7 trilhão ao ano) e atividades econômicas que causam danos diretos à natureza (cerca de US$ 5,3 trilhões ao ano).
Outro ponto de destaque é que os efeitos negativos das crises entrelaçadas têm impactos desiguais no mundo. Sofrem mais os países em desenvolvimento e nações-ilhas, assim como povos indígenas e comunidades locais.
O relatório examina 186 cenários futuros de 52 estudos separados nos períodos 2050 a 2100. Se as atuais tendências continuarem, os impactos serão ruins, alerta a análise. “Um foco exclusivo na mudança do clima pode resultar em prejuízos para biodiversidade e os alimentos, refletindo a competição pela terra”, exemplifica.
Fonte: Valor Econômico