Por Amy Kazmin — Financial Times, de Roma
15/07/2022 05h01 Atualizado há 5 horas
A Itália mergulhou ontem na turbulência política, depois de o premiê Mario Draghi ter apresentou sua renúncia por causa de uma profunda divisão em seu governo de unidade nacional.
Draghi, que foi presidente do Banco Central Europeu (BCE), disse que não tinha mais condições de continuar no cargo após e o partido populista Movimento Cinco Estrelas ter se recusado a apoiar seu governo em uma votação crucial no Parlamento.
O presidente da Itália, Sergio Mattarella, porém, não aceitou a renúncia e pediu a Draghi que negocie com Parlamento na semana que vem, e avalie quanto apoio seu governo teria. A recusa de Mattarella dá mais tempo aos políticos italianos para que tentem chegar a um acordo de forma a evitar que o país precise antecipar as eleições.
Mas os acontecimentos do dia levantam dúvidas cada vez maiores sobre a longevidade da ampla coalizão liderada por Draghi desde o início de 2021.
“A maioria de unidade nacional que apoiou este governo desde sua criação não existe mais”, disse Draghi em um comunicado, ao apresentar a renúncia.
“Desde meu discurso de posse, sempre disse que este Executivo só iria adiante se houvesse uma perspectiva clara de poder levar a cabo o programa de governo para o qual as forças políticas deram seu voto de confiança”, afirmou. “Essas condições não existem mais.”
Com a crise, as ações italianas sofreram uma onda de vendas ontem, e o índice FTSE de ações no país caiu 3,4%. A taxa de retorno dos bônus de 10 anos do governo italiano subiu 0,11 ponto percentual, para 3,24%, o que ampliou a diferença com as taxas de retorno dos bônus alemães de 10 anos, já que os investidores querem um prêmio maior para manter a dívida italiana.
O estopim da crise foi o boicote do Movimento Cinco Estrelas – o segundo maior partido no Parlamento – a uma votação ontem sobre um pacote de € 26 bilhões destinado a proteger os italianos do impacto da alta da inflação.
O líder do Cinco Estrelas, Giuseppe Conte, disse que não podia mais apoiar o governo Draghi, que acusou de não fazer o suficiente para ajudar as famílias que enfrentam os custos cada vez maiores de alimentos e energia.
“Tenho muito medo de que setembro seja o momento em que as famílias precisarão escolher entre pagar sua conta de luz ou comprar comida”, disse Conte depois de uma reunião do partido na quarta-feira.
Apesar do boicote dos parlamentares do Cinco Estrelas, o pacote de ajuda foi aprovado no Senado italiano por maioria confortável. Mas Draghi já dissera em outras ocasiões que só estaria à frente de um governo de unidade nacional e não continuaria no cargo sem o Cinco Estrelas, que era o maior partido no Parlamento até rachar no mês passado.
A crise ocorre em um momento delicado para o país, que deve ser o maior beneficiário individual do fundo de € 750 bilhões da União Europeia (UE) destinado à recuperação das consequências da covid-19.
A antecipação das eleições levantaria dúvidas sobre a capacidade da Itália de aprovar seu orçamento no quarto trimestre e realizar reformas cruciais para ajudar a acelerar a trajetória de crescimento de longo prazo do país – de que a distribuição dos recursos da UE depende.
O comissário de Economia da UE, Paolo Gentiloni, afirmou ontem a meios de comunicação italianos que Bruxelas acompanhava a crise política “com espanto e apreensão”.
Enrico Letta, líder do Partido Democrata, de centro-esquerda, disse que agora os parlamentares precisam se unir para tentar impedir que Draghi deixe o cargo em um momento de dificuldades econômicas crescentes.
“Agora temos cinco dias para trabalhar para que o Parlamento confirme sua lealdade ao governo Draghi e para que Draghi e a Itália saiam o mais rápido possível dessa confusão dramática”, escreveu ele no Twitter.
Draghi, a quem, como presidente do BCE, se atribui ter salvado o euro durante a crise financeira da zona do euro, há uma década, foi convidado no ano passado por Mattarella para ser primeiro-ministro da Itália e comandar o país ainda abalado pela pandemia de covid-19.
Fonte: FT / Valor Econômico