Por Eleanor Olcott — Financial Times, de Hong Kong
06/10/2022 05h02 · Atualizado
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O presidente da China, Xi Jinping, deverá garantir um inédito terceiro mandato ainda neste mês no Congresso de seu Partido Comunista (PC), mas por trás do teatro político há uma grande mudança se desenrolando.
Demógrafos preveem que o país mais populoso do mundo começará a encolher em 2022, uma inflexão que terá ramificações profundas para o futuro da nação.
“O fato do declínio populacional da China coincidir com o início do terceiro mandato de Xi é significativo em termos simbólicos e práticos”, disse Wang Feng, especialista em mudanças demográficas chinesas da Universidade da Califórnia, em Irvine.
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Embora Xi esteja claramente em ascensão política, as ferramentas econômicas à sua disposição são cada vez mais limitadas pela crise do setor imobiliário, pelos impactos na confiança do consumidor causados pelos sucessivos lockdowns contra a covid-19 e pelos déficits fiscais dos governos locais.
O rápido envelhecimento da população da China – processo que se acelerará durante o terceiro mandato de Xi – enfraquecerá ainda mais os poderes de Pequim para fomentar o crescimento e administrar crises econômicas.
Nos próximos cinco anos, o primeiro grupo de pessoas que viraram pais durante a era da “política do filho único”, iniciada em 1980, avançarão da faixa dos 60 anos para os 70 anos – que os sociólogos descrevem como “jovens-velhos” – e para a casa dos 80 anos.
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Wang disse que esse crescente grupo de “velhos-velhos”, que tem mais chances de contrair custosas doenças crônicas, demandaria mais cuidados tanto por parte dos filhos quanto por parte do Estado.
Os governos locais já encontram dificuldade para lidar com o aumento dos custos com saúde e assistência social. Seus gastos com a extensa infraestrutura requerida pela política chinesa de tolerância zero à covid-19 chegaram às alturas, enquanto a arrecadação de impostos provenientes do assolado setor imobiliário despencou.
“Se isso continuar, de que forma a China poderá sustentar os pagamentos de aposentadoria para essa população idosa cada vez maior?”, disse Wang.
Nem todos os especialistas estão pessimistas quanto ao impacto econômico do envelhecimento da população. Para Jane Golley, economista especializada em China na Universidade Nacional Australiana, o encolhimento do número de pessoas em idade economicamente ativa é uma consequência natural do desenvolvimento econômico do país.
“Uma força de trabalho menor significa uma oferta de mão de obra menor, o que significa que os trabalhadores podem exigir salários mais altos”, disse Golley. À medida que a população da China encolhe o ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita superará o do PIB geral, disse.
Outros especialistas, contudo, alertam para o risco de que a China perca sua vantagem de custo na produção industrial sem ainda ter feito a transição para o modelo econômico das economias desenvolvidas, baseado no consumo.
A taxa de natalidade da China está em declínio há muitos anos. Entre o início do governo de Xi, em 2012, e 2021, o número de bebês nascidos a cada ano caiu mais de 45%, para 10,6 milhões.
Em 2016, Pequim abrandou os controles sobre a natalidade no país, conhecidos como a política do filho único, em referência ao limite usual imposto aos membros urbanos do grupo étnico predominante han. Desde então, os governos locais estenderam a licença-maternidade e criaram subsídios para novos pais.
Em 2021, a China, que tem a maior taxa de aborto entre as grandes economias, tomou medidas para reforçar os controles contra abortos feitos sem motivos médicos. Especialistas advertem que as autoridades podem tomar medidas mais drásticas para limitar o acesso das mulheres ao aborto.
Mas as medidas de Pequim para estimular a fertilidade vêm tendo pouco impacto, principalmente após a pandemia e a rigorosa política de covid-zero, que desencoraja os jovens a se casar e a ter filhos.
Yi Fuxian, especialista em obstetrícia da Universidade de Wisconsin-Madison e crítico de longa data da política do filho único, disse que o aumento do desemprego e o medo dos lockdowns persistentes têm levado os jovens casais a adiar o casamento e a gravidez. Ele estima que isso reduzirá o número de nascimentos na China em 1 milhão em 2021 e em 2022.
“A política de covid zero reduziu enormemente a vontade das pessoas de ter filhos”, disse Yi.
Para que a população de um país permaneça estável, cada casal precisa ter 2,1 filhos, em média. Li, uma mãe de 34 anos da província de Jilin, no nordeste, é uma das dezenas de milhões de pais chineses que decidiram ter só um filho.
Li, que não quis dar seu primeiro nome, tem um filho de três anos e recentemente voltou a trabalhar meio período, vendendo entradas para atrações turísticas locais. “A despesa de criar um filho é como um poço sem fundo”, disse.
Os altos preços dos imóveis e os altos gastos com educação são grandes fatores. Na China, o custo total médio para criar uma criança é quase sete vezes o PIB per capita, em comparação ao custo de quatro vezes nos EUA, de acordo com o YuWa Population Research, um centro de estudos chinês.
As preocupações com o alto custo para criar filhos têm sido exacerbadas pela insegurança econômica trazida pelos lockdowns. O salário do marido de Li, cabeleireiro, foi reduzido quando seu salão foi forçado a fechar durante o longo lockdown na primavera em Jilin.
“Um filho é suficiente. Não temos dinheiro ou energia para criar um segundo”, disse Li. (Colaboraram Xinning Liu em Pequim e Andy Lin em Hong Kong)
Fonte: FT / Valor Econômico

