Os mercados deram mais demonstrações de preocupação e pessimismo com a condução da política fiscal e, a partir de novas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre aumento de arrecadação e ceticismo com contenção de despesas, o dólar furou os R$ 5,50 e saltou ao maior nível desde janeiro de 2022. A sensação de que não há limite para o mau humor dos agentes de mercado se intensificou na sessão de ontem, em um dia amplamente negativo para os ativos financeiros da América Latina, afetados em cheio por uma crise de confiança na região.
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Diante da piora relevante do comportamento dos ativos locais nas últimas semanas, alguns participantes do mercado até viram oportunidade para ampliar a exposição ao Brasil, ainda que de forma tática. O desempenho ruim dos ativos domésticos, porém, tem agravado o pessimismo de agentes, que se mostram impacientes com os rumos da política econômica brasileira, especialmente em um ambiente externo cada vez mais negativo para emergentes.
Nesse sentido, declarações de Lula na manhã de ontem afetaram em cheio os ativos brasileiros. Em entrevista ao portal “UOL”, Lula disse não ser verdade que a dívida pública do Brasil cresce muito rápido; descartou mudanças na política de salário mínimo e desvincular benefícios sociais e os pisos de saúde e educação do salário mínimo; e afirmou que o problema “não é ter que cortar”, mas sim saber “se precisa efetivamente cortar ou se precisa aumentar a arrecadação” — declarações que deram aval a um aumento do prêmio de risco nos mercados.
O câmbio mostrou forte depreciação, com o dólar em R$ 5,5188 no fim da sessão, em alta de 1,20%, em um dia marcado pela alta generalizada da divisa e pressão dos rendimentos dos Treasuries. No acumulado de junho, a moeda americana avança 5,14% e caminha para ter a maior valorização mensal em dois anos. No ano, o dólar sobe 13,73%.
No mercado de juros, as taxas de longo prazo voltaram a ser pressionadas: a do DI para janeiro de 2029 passou de 11,915% para 12,055%. Já o Ibovespa foi ajudado pelas ações de exportadoras e destoou do mau humor dos outros mercados ao fechar em alta de 0,25%, aos 122.641 pontos.
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“O ambiente é mais ou menos o mesmo desde o começo do ano, mas a realidade está chegando”, diz o estrategista-chefe para mercados emergentes do Deutsche Bank, Drausio Giacomelli. “O fato é que uma política insustentável uma hora colapsa. E é insustentável um modelo de crescimento baseado na demanda, com aumento de gastos, elevação de tributos e expansão de crédito, em um mundo em que os juros são mais altos e a tolerância com problemas fiscais é menor”, afirma.
Para Giacomelli, as discussões em abril sobre juros neutros mais altos em economias desenvolvidas alimentaram uma mudança na perspectiva dos mercados em abril sobre a questão fiscal brasileira. “Foi o começo do fim da complacência com gastos. Só que no Brasil, logo após o ‘sell-off’ de abril, os três Poderes demonstraram intenção de ter mais gastos, ou seja, tivemos a sinalização errada na hora errada”, complementa.
Giacomelli avalia que o Brasil tem dado uma resposta inadequada ao problema. “Queremos fazer uma dieta fiscal sem cortar o chocolate, a gordura, o queijo e o vinho, tudo na base do Ozempic? Tudo bem, só que podemos ver o dólar a R$ 6”, diz. Nesse sentido, o estrategista diz que, com a piora, o mercado passa a olhar as referências históricas. “É tudo especulação, mas basta olhar o passado… Chegamos a ver R$ 5,90 [em 2020]. Se corrigirmos o valor do câmbio de 2002, teríamos algo em torno de R$ 6,50 ou R$ 7 por dólar. As referências dão indicações, e o teto não é o dólar a R$ 5,50.”
Na visão do trader de renda fixa de um grande banco local, “somente uma medida concreta reverterá a má narrativa que estamos enfrentando e, neste momento, essa medida seria um contingenciamento de algo em torno de R$ 20 bilhões” para o cumprimento da meta fiscal deste ano. “Até que tenhamos isso, o clima continuará muito negativo.”
“Em termos de posicionamento, é melhor ficar leve e sobreviver à volatilidade do mercado. Estamos em modo de sobrevivência”, afirma o profissional, ao destacar a desvalorização recente do real e a alta firme dos juros futuros.
A avaliação guarda semelhança com a dos estrategistas do Goldman Sachs, para quem é preciso que a questão fiscal seja ancorada com credibilidade, de forma semelhante ao observado na decisão de semana passada do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, para que haja uma melhora mais sustentada do câmbio brasileiro. “É preciso uma articulação clara e um compromisso com uma estratégia fiscal e monetária de médio prazo para desbloquear a verdadeira extensão do valor do real [retirar prêmios de risco].”
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Com apoio de uma visão de que o dólar deve seguir valorizado globalmente, a Adam Capital segue comprada em dólar contra o real e avalia que uma moeda americana com maior fôlego continua no foco do mercado. “Temos, ainda, uma visão de que a economia dos EUA deve seguir forte, o que deixará o dólar em alta em relação a quase todas as geografias”, avalia Fabio Landi, sócio e gestor da casa, para quem o movimento recente do câmbio doméstico é majoritariamente explicado pelo vetor global.
“Vemos a Europa com uma inflação ainda alta cortando os juros; as eleições no México trazendo questionamentos sobre o futuro que afetam a moeda; e um diferencial de juros baixo, já que as taxas americanas seguem altas. Por todos esses vetores, o movimento global de dólar forte deve continuar”, diz o gestor da Adam.
“Se formos reparar, o movimento do real de hoje [ontem] foi semelhante ao peso mexicano e ao peso colombiano… E, como acreditamos nesse ambiente externo de dólar forte e economia americana robusta, ainda que seja possível cortar os juros nos EUA, fica muito difícil argumentar que há um ambiente melhor para o Brasil, seja por ‘carry-trade’ ou pela balança comercial, até porque os termos de troca no Brasil não estão nos melhores níveis”, afirma Landi.
Ontem, no fim da tarde, o dólar operava em alta de 1,07% contra o peso mexicano e de 1,37% em relação ao peso colombiano, em sinais renovados de uma crise de confiança com a América Latina. O movimento se intensificou desde as eleições presidenciais mexicanas e tem se agravado com o fim das estratégias de “carry-trade” que beneficiaram essas moedas no ano passado.
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Na avaliação do gestor de renda fixa Denis Ferrari, da Kinea Investimentos, inclusive, o exterior respondeu pela maior parcela da reação negativa do mercado na sessão de ontem. “O que fez preço foi um sentimento generalizado de desespero do investidor estrangeiro com emergentes. México, Colômbia, Brasil…”, avalia.
Na visão de Ferrari, a disposição do investidor global para tomar risco em mercados emergentes, ao mesmo tempo em que os juros nos Estados Unidos superam os 5%, se mostra cada vez menor. A Kinea, nesse contexto, encerrou posições compradas em real.
“O humor é bem ruim. Estamos acabando de assistir a uma tentativa de golpe de Estado na Bolívia, depois de um cenário eleitoral no México que não era o esperado pelo mercado. No Brasil, o fiscal é meio descontrolado e o governo é vacilante para cortar gastos e aumentar receitas. Na cabeça do estrangeiro, é muita volatilidade para pouco retorno”, diz Ferrari.
“Antes, o estrangeiro ganhava dinheiro com México e perdia no Brasil. Hoje está perdendo de todo lado, o que leva a uma ‘zeragem’ [encerramento] mais forte de posições. E isso deu para perceber no mercado hoje [ontem]”, diz o gestor da Kinea.
Fonte: Valor Econômico

