As disputas trabalhistas nos setores industrial e imobiliário da China têm se intensificado diante da desaceleração do crescimento econômico e colocado em evidência as preocupações de trabalhadores de colarinho azul com a rede de segurança social do país.
Raramente os problemas trabalhistas são noticiados pelos meios de comunicação do país em razão do controle rigoroso exercido pelo governo, mas ainda assim alguns sinais das dificuldades e do descontentamento público vêm à tona.
Entre os recentes incidentes, houve o protesto de um ex-soldado que se sentou no topo de um prédio na famosa rua comercial de Wangfujing, em Pequim, na noite de 1º de agosto. Em um vídeo publicado na plataforma de relacionamento social on-line, o homem, de uniforme militar completo, mostra uma faixa branca na qual acusa uma repartição pública na cidade de Kumming, província de Yunnan, de “sufocar um soldado que serviu por 12 anos”.
Dois dias antes, outro manifestante exibiu uma faixa em um viaduto no condado de Xinhua, província de Hunan, na qual pedia liberdade e eleições. Em um vídeo que se disseminou pelo X, a pessoa se identificou como Fang Yirong e disse ser alvo das autoridades desde o verão chinês passado por apoiar a democracia. Disse ter participado dos protestos dos “papéis brancos” em 2022 contra a rigorosa política de combate à covid-19 na China, nos quais mostrar uma folha de papel sem nada escrito se tornou uma forma de criticar a censura no país.
No primeiro semestre de 2024, o número de greves trabalhistas na China aumentou 3% na comparação anual, para 719 incidentes, de acordo com o China Labor Bulletin (CLB), uma organização não governamental de defesa dos trabalhadores com sede em Hong Kong. Incidentes envolvendo os setores industrial e imobiliário aumentaram 12% e representaram 80% do total.
“O aumento das greves é um reflexo da crescente pressão social, uma vez que a economia enfrenta dificuldades para melhorar”, disse Max J. Zenglein, economista-chefe do centro de estudos Mercator Institute for China Studies, na Alemanha.
O crescimento econômico da China encolheu para 4,7% no segundo trimestre, em comparação aos 5,3% do primeiro, afetado pela continuidade do declínio do setor imobiliário e pela fraca demanda interna. O baixo crescimento interno levou alguns setores, como o de painéis solares e o automotivo, a intensificar as exportações, enquanto os afetados pelas tensões comerciais com os EUA tentaram transferir a produção para o exterior.
A inquietação trabalhista parece ser reflexo dessas crescentes pressões. Entre os incidentes destacados no relatório do CLB está o caso da fabricante de painéis solares Akcome Technology, relacionado a cortes salariais e à retirada das contribuições para a seguridade social. A Akcome, que tem ações negociadas em Shenzhen, entrou com pedido de recuperação judicial para uma de suas subsidiárias em 29 de julho, argumentando não ter condições para pagar dívidas.
Não foi indicado o número de manifestantes na Akcome, mas em relatório sobre outra greve, a CLB destacou que houve a participação de mais de 1 mil trabalhadores em uma fábrica de calçados na província de Jiangsu, que conta com clientes como Nike, Adidas, Asics, New Balance, Timberland e Salomon. O motivo dos problemas da Yangzhou Baoyi Shoe Manufacturing, em novembro, esteve ligado à remuneração de trabalhadores demitidos após a empresa transferir sua produção para a Indonésia.
“Até agora, em 2024, não houve uma melhora notável na economia, com um mercado de trabalho fraco sendo uma importante fonte de insegurança para o consumidor, o que está pesando sobre o consumo”, disse Zenglein.
A maior parte de protestos (344 incidentes) foi de trabalhadores da construção civil exigindo melhores salários, de acordo com o CLB. Isso não é surpresa, segundo Zenglein, tendo em vista o crescente número de incorporadoras imobiliárias que enfrentam problemas financeiros e reverberam na situação da economia.
Em geral, as greves na China são realizadas por trabalhadores insatisfeitos com longas jornadas de trabalho e baixos salários, de acordo com o CLB. Os problemas também colocam em evidência a disparidade entre a cobertura da seguridade social dos trabalhadores urbanos e a dos migrantes que chegam às cidades. Ao contrário dos que contam com registro domiciliar em uma cidade, muitas pessoas vindas de áreas rurais trabalham sem contratos formais, embora formem a espinha dorsal econômica das cidades que adotaram.
“É difícil para os trabalhadores migrantes encontrarem empregos que paguem a seguridade social por 15 anos, um pré-requisito para se receber a aposentadoria”, destaca o relatório do CLB.
Como os trabalhadores migrantes estão em grande medida excluídos dessa cobertura de bem-estar social, “trabalhar se torna uma proteção contra uma rede de segurança social extremamente porosa”, disse Yun Zhou, demógrafa social e socióloga especializada em famílias na Universidade de Michigan. Esses trabalhadores “deparam-se com um cenário de trabalho duro e discriminatório, no qual a disponibilidade de trabalho é altamente suscetível à desaceleração e à reestruturação econômica da China, as condições de trabalho costumam estar à mercê dos caprichos dos gerentes e a produtividade e o valor dos trabalhadores são definidos rigidamente por algoritmos e pela tecnologia.”
Em um importante encontro governamental de planejamento socioeconômico concluído em julho, o governo prometeu abordar as restrições enfrentadas pelos trabalhadores migrantes para melhorar o sistema de seguridade social. Em resposta ao envelhecimento médio da população do país, também destacou que a idade de aposentadoria obrigatória — atualmente de 60 anos para os homens e de 50 a 55 para as mulheres — seria elevada de forma gradual e voluntária.
“Para os trabalhadores urbanos da China, as conversas sobre aumentar a idade de aposentadoria são vistas como uma promessa atrasada, ou mesmo quebrada, de cobertura de bem-estar social”, disse Zhou.
12/08/2024 12:50:36
Fonte: Valor Econômico

