Por Sun Yu e Josephine Cumbo, Financial Times, Valor — Nova York e Londres
29/02/2024 12h00 Atualizado há um dia
Fundos de pensão e outros grandes investidores vêm reduzindo os recursos alocados ao mercado de crédito privado nos Estados Unidos, em meio à preocupação cada vez maior com os riscos que as altas taxas de juros representam para esse segmento de US$ 1,7 trilhão.
Os fundos de crédito privado com sede nos EUA levantaram US$ 123,1 bilhões em 2023, segundo a firma provedora de dados Preqin, com base nas captações já concluídas, abaixo dos US$ 150,8 bilhões em 2022. Nos dois primeiros meses de 2024, foram levantados um total de US$ 11,7 bilhões, abaixo dos US$ 30,4 bilhões dos mesmos meses de 2023.
Os fundos também estão levando mais tempo para atingir suas metas de captação de dinheiro. Segundo dados da Preqin, o tempo médio para que os fundos sejam fechados a novos investidores aumentou para 39 meses no primeiro bimestre de 2024, em comparação aos 25 meses do mesmo período do ano anterior.
A piora no ambiente de captação de recursos se dá após sete fundos de pensão públicos terem manifestado em recentes entrevistas ou reuniões de conselho de administração que eles ou seus pares vêm comprometendo menos dinheiro nesse mercado ou levando mais tempo para buscar gestores nos quais investir, apesar do histórico de altos retornos do segmento, de um dígito ou até dois dígitos porcentuais, e dos baixos índices de inadimplência.
Alguns grandes gestores de crédito privado devem estar “preocupados” com o ambiente altos juros, segundo Jess Larsen, executivo-chefe da Briarcliffe Credit Partners, uma firma de consultoria de captação de recursos. “Uma coisa é certa […] veremos mais defaults.”
O segmento de crédito privado ocupou o vazio deixado pelos bancos depois que a regulamentação pós-crise financeira mundial de 2008 os forçou a reduzir a concessão de empréstimos a pequenas empresas. Quando os juros estavam em patamares baixíssimos, bilhões de dólares de investidores ávidos por rendimentos mais altos fluíram para os fundos de crédito privado.
Com a forte alta dos juros nos últimos dois anos, os investidores passaram a se preocupar mais com o risco de que um número maior de empresas possa ter dificuldades para pagar os juros de suas dívidas, em especial diante da desaceleração da economia.
“Ainda não houve casos generalizados de inadimplência”, destacou a pauta de uma reunião em janeiro do conselho de administração do Sistema de Aposentadoria dos Funcionários Públicos de Ohio (Opers, na sigla em inglês), de US$ 105 bilhões. “No entanto, os indícios apontam para problemas futuros”.
O Opers, que começou a investir em crédito privado apenas recentemente, planeja passar a dar “cheques menores nesse cenário”. As despesas cada vez maiores com juros incorridas pelas empresas e seus lucros “potencialmente deprimidos” poderiam enfraquecer a capacidade dos devedores de pagar suas dívidas, acrescentou.
Os fundos de pensão são o maior grupo de investidores no mercado de crédito privado de altos retornos, guiados pelo desejo de diversificar-se em outras áreas além dos títulos de dívida do governo, que foram afetados nos últimos anos pela perspectiva de alta nos juros e pelo mercado acionário.
Greg Samorajski, executivo-chefe do Sistema de Aposentadoria dos Funcionários Públicos de Iowa (Ipers), de US$ 40 bilhões, disse que, em 2020, o fundo de pensão decidiu aumentar sua alocação para crédito privado de 3% para 8% dos ativos, enquanto reduzia sua exposição à renda fixa tradicional de 28% para 20%.
A mudança ocorreu depois de o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) ter reduzido os custos de empréstimos a quase zero durante as fases iniciais da pandemia da covid-19, o que, segundo Samorajski, dificultou a tarefa do Ipers de atingir sua meta de retorno anual de 7%.
O cálculo se tornou mais complicado em 2022, quando o Fed optou por fortes elevações nos juros para combater a inflação em alta. A maior parte do crédito privado tem taxas pós-fixadas, vinculadas às taxas referenciais de juros. Isso oferece proteção contra a inflação, ao contrário dos títulos de renda fixa americanos.
Por sua vez, a alta dos juros também pesou no número de transações feitas por firmas de private equity. Isso reduziu o número de oportunidades para os fundos de crédito privado emprestarem a empresas financiadas por firmas de private equity.
Como resultado, o índice médio de cobertura de juros – a relação entre o lucro e as despesas com juros – nos empréstimos de crédito privado caiu de 3,1, no segundo trimestre de 2022, para 2,0, no terceiro trimestre de 2023, “indicando um enfraquecimento da capacidade de serviço da dívida”, segundo cálculos do Fed.
Agora, os fundos de pensão têm adotado uma abordagem mais cautelosa em relação ao crédito privado.
“É correto dizer que o número de nomes [de empresas] na lista de vigilância [por riscos de calotes] de todos os gestores [de crédito privado] aumentou”, disse Samorajski, do Ipers, prevendo que os investimentos ocorrerão “pouco a pouco”.
A captação de recursos para crédito privado se tornou “menos apressada”, diante das condições de mercado “mais desafiadoras”, segundo um porta-voz dos Fundos Truste e Planos de Aposentadoria de Connecticut (CRPTF), de US$ 50 bilhões. Sua alocação para o segmento estava em 4,4% em janeiro, bem abaixo da meta de longo prazo de 10%.
Apesar da expectativa de que o Fed comece a reduzir os juros em junho ou julho deste ano, os fundos de pensão estão divididos quanto ao que isso significa para as perspectivas do segmento.
Samorajski disse que o afrouxamento da política monetária poderia beneficiar o crédito privado, já que isso diminuiria a chance de que os devedores deixem de pagar os juros da dívida. “Vemos isso como um sinal positivo, se os juros caírem um pouco para o mercado [de crédito] privado, porque, embora ganhemos um pouco menos, o risco de inadimplência provavelmente é menor”, disse.
Por outro lado, Chris Ailman, diretor de investimentos do Sistema de Aposentadoria dos Professores do Estado da Califórnia (CalSTRS), de US$ 327 bilhões, que está de saída do cargo, acredita que os juros altos são atraentes para os que investem no mercado de crédito privado, em razão do retorno maior. Caso os juros sejam cortados, ele prevê uma queda na captação para créditos privados.
“Se você acredita que [o Fed] vai voltar a reduzir os juros, você não vai se apressar muito para entrar neles – na verdade, você fica mais interessado em ter retornos na renda fixa [pré-fixada]”, disse.
Apesar dos receios, alguns fundos de pensão continuam a apostar alto no crédito privado.
Steven Meier, diretor de investimentos dos Sistemas de Aposentadoria dos Funcionários da Cidade de Nova York (Nycers), de US$ 264 bilhões, disse que seu fundo tem se expandido no crédito privado quando “todos os outros têm recuado”.
Meier disse que os retornos de dois dígitos porcentuais oferecidos pelo mercado de crédito privado o tornam um “ativo barato”, apesar dos “deslocamentos” decorrentes da queda na atividade de fusões e aquisições.
“É o momento certo para colocar mais dinheiro para trabalhar”, segundo Meier. O Nycers estuda acelerar seus investimentos para atingir em três anos sua mais recente meta de alocação para o segmento de crédito privado, em vez dos cinco previstos inicialmente, quando ela foi definida em 2023, acrescentou Meier.
Fonte: Valor Econômico

