Desvalorização em bolsa e novas casas que financiam ações judiciais alimentam tendência
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Os litígios envolvendo companhias abertas brasileiras têm crescido à medida que mais empresas enfrentam dificuldade financeira diante do longo período de juros altos no país e com o surgimento de mais casas especializadas em investimentos alternativos financiando ações judiciais. O pano de fundo ainda se dá pela desvalorização em massa do preço das ações negociadas em bolsa, resultado direto da alta aversão ao risco e do ambiente de juros altos.
Para se ter uma dimensão, no ano passado foram ajuizados 1,76 mil novos casos na 1ª Vara de Direito Empresarial e Conflitos Relacionados a Arbitragem do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), aumento de 8,4% em relação ao ano anterior. Em comparação com 2021, o crescimento foi de 104%, segundo levantamento feito pelo escritório Yazbek Advogados ao Valor. Já na 2ª Vara foram 1.782 novos casos, alta de 11,6% no comparativo anual e de 124% em três anos. Nas câmaras arbitrais, a estimativa é que 90% dos casos se tratem de litígios societários.
O ex-diretor da CVM e sócio do Yazbek Advogados, Otavio Yazbek, aponta que a litigiosidade é consequência do fato de a economia brasileira ser cíclica. Assim, nos momentos em que as empresas não estão crescendo, observa-se aumento das brigas societárias. “Está muito correlacionado. Em um momento ruim de mercado, as relações econômicas que começaram bem vão se deteriorando”, explica.
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Segundo Yazbek, esse aumento nos litígios, no entanto, tem sido mais notado nos últimos anos, especialmente após a Operação Lava-Jato, momento em que esse movimento se tornou mais evidente, com o próprio mercado advocatício se especializando em contenciosos envolvendo companhias de capital aberto. Foi nesse período, recorda, que também surgiram associações que encabeçam, atualmente, diversas brigas.
Segundo ele, hoje se observa que as ações são “multifacetadas”, ou seja, vão também para a esfera criminal e dão origem ainda a reclamações junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado de capitais no Brasil.
Além de casos bilionários como o da Americanas, os exemplos crescem a cada dia. Na TokyCotação de Toky (ex-Mobly), a briga é com os fundadores da Tok&Stok, que tentaram executar uma oferta pública de aquisição (OPA) para comprar o controle da empresa. O caso não foi apenas para Justiça, mas também para a própria CVM.
Na OncoclínicasCotação de Oncoclínicas, a Latache, gestora de “special situation”, foi ao regulador para pedir que seja disparada uma OPA obrigatória por troca de controle. Outros minoritários, segundo fontes, não descartam ações na Justiça.
No Grupo AzzasCotação de Azzas, o problema envolve seus dois principais acionistas, Alexandre Birman, da Arezzo, e Roberto Jatahy, do Grupo Soma, que colocaram na mesa a possibilidade de um divórcio por conta de divergências no negócio. Ambos já contrataram assessores jurídicos, mas não existe uma briga no Judiciário.
A disputa entre acionistas também se fez valer na atual temporada de assembleias, em especial na eleição de conselhos. Um dos casos envolveu a HyperaCotação de Hypera, com o dono da EMS, Carlos Sanchez, seu concorrente, tentando emplacar representantes, com o acionista de referência da farmacêutica, João Alves de Queiroz Filho, lutando contra, questionando o movimento do concorrente junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
“O mercado de ações está ruim, as empresas estão sofrendo, distribuindo menos dividendos e, naturalmente, são iniciados mais litígios”, diz o sócio especializado em contencioso do escritório Monteiro Castro & Setoguti, Guilherme Setoguti. Segundo o especialista, o mercado brasileiro também amadureceu, tendo como consequência direta o maior ativismo dos acionistas minoritários.
“De cinco anos para cá, estamos vendo fundos especializados defendendo suas posições”, comenta. Por fim, o especialista destaca o amadurecimento do mercado de financiamento de litígios, feito por casas de “special sits”. “O ‘litigation finance’ amadureceu no Brasil, o que criou condições financeiras para as partes litigarem”, afirma.
Entre os casos que correm em arbitragem e que têm financiamento de fundos há disputas envolvendo BraskemCotação de Braskem, ValeCotação de Vale e PetrobrasCotação de Petrobras, por exemplo. Pelas regras, esses processos arbitrais correm em sigilo.
O fato de haver mais empresas em recuperação judicial também ajuda a explicar parte dos imbróglios societários. Hoje são mais de 20 empresas listadas em recuperação judicial, como já mostrou reportagem do Valor. Na Agrogalaxy, por exemplo, credores chegaram a apresentar objeções ao plano de recuperação apresentado pela empresa. Na indústria têxtil TekaCotação de Teka, credores tentam evitar na Justiça que a falência da companhia seja decretada.
Sócio da área de direito societário do escritório BMA, Luís Flaks diz que, em momentos de estresse financeiro, o número de casos aumenta no escritório. Entre as ações que sobem nesses momentos, segundo ele, estão as de acionistas que se posicionam contra aumentos de capital que irão provocar diluição. Outros casos que aumentam são de responsabilização do administrador e ainda discussões de existência de conflitos em momentos de votação em assembleias de acionistas.
Flaks observa também o aumento dos litígios administrativos, que são aqueles feitos via denúncias à CVM. Ele nota, ainda, que na atual conjuntura, cresce o número de acionistas buscando mitigar perdas sofridas por meio de ações judiciais.
Diogo Rezende de Almeida, sócio do Galdino, Pimenta, Takemi, Ayoub, Salgueiro e Rezende de Almeida, corrobora a percepção de que, em momento de crise financeira, as brigas na Justiça tendem a crescer. “Nesse ambiente de RJs ou pré-RJs, com as empresas reestruturando seus passivos, revisitando contratos e revendo condições, credores vão à Justiça buscar seus direitos”, diz. Ao mesmo tempo, segundo, ele, as companhias procuram formas de evitar as execuções.
Outra característica recente do mercado de capitais, segundo Almeida, tem vindo com seu próprio amadurecimento, com mais empresas de capital pulverizado, levando acionistas minoritários a buscar seus direitos.
Otavio Yazbek pondera que a legislação brasileira limita o número de ações na Justiça, sendo um dos pontos a leitura de que o acionista não pode ser indenizado, apenas a empresa. “A interpretação conservadora da lei afasta a ação direta do acionista”, comenta. Por outro lado, na indústria de fundos, por não haver esse tipo de leitura, o número de ações vem escalando.
Procurada, a Toky informou que seu conselho de administração “tem como objetivo a geração de valor para acionistas e demais stakeholders”.
A Azzas, por sua vez, disse “que os acionistas de referência, Alexandre Birman e Roberto Jatahy, dialogam constantemente sobre o aprimoramento na governança”. Em nota, destacou que, “apesar das interlocuções, não há qualquer negócio celebrado entre eles e que a cisão ou segregação de negócios da companhia não está em discussão” e voltou a afirmar que “não comenta rumores de mercado e segue focada na execução das suas diretrizes estratégicas, o que tem trazido resultados excelentes como o apresentado no balanço consolidado“ do primeiro trimestre de 2025.
A Teka disse, também por meio de nota, que “com um passivo estimado em R$ 4 bilhões e o descumprimento do plano de recuperação judicial, a situação da empresa evidencia um quadro de profunda insolvência”. “A administração judicial tem atuado com isenção e responsabilidade, assegurando a legalidade do processo, a transparência na condução dos atos e a preservação da atividade produtiva, com especial atenção aos direitos dos trabalhadores, em estrito cumprimento de seu dever legal de auxiliar do juízo”, destacou.
As demais empresas citadas na reportagem não comentaram.
Fonte: Valor Econômico