Por Liane Thedim — Do Rio
06/06/2023 05h02 Atualizado há 25 minutos
A perspectiva cada vez mais próxima de início do ciclo de corte de juros e a tramitação do arcabouço fiscal levaram o crédito privado a uma recuperação em maio que surpreendeu até mesmo os gestores do setor. A melhora fica evidente nos números. O Idex-CDI, índice criado pela JGP para acompanhar o segmento, identificou no mês forte aumento da liquidez, que se aproximou do nível de dezembro, pré-caso Americanas. Também houve redução nas taxas exigidas dos papéis e na média diária de resgates dos fundos, que despencou 49% em relação a abril – considerando apenas os últimos dez dias do mês, o recuo foi de 65%.
“A gente já vinha percebendo a melhora, mas estava com dificuldade de quantificar. Agora o Idex-CDI representa a evolução. Há um movimento de arrefecimento dos saques e, se a tendência continuar, podemos ter fluxo equilibrado em junho”, diz Alexandre Muller, gestor de crédito privado da JGP.
Criado em 2017 para ser usado internamente, o Idex-CDI se tornou público em 2019 e virou referência porque capta rapidamente movimentos do mercado. Ele é baseado nas ofertas de compra e venda entre bancos, corretoras e investidores de debêntures com volume mínimo de R$ 100 milhões que estiveram ao menos em 70% das negociações nos últimos dois meses.
Depois que o rombo no balanço da Americanas foi descoberto, em janeiro, e que os problemas da Light começaram a se agravar, o momento mais agudo captado pelo índice foi em março, quando o número de títulos negociados caiu 38% em relação a dezembro. No fim do ano passado, a amostra do índice reunia 322 debêntures. Em março, o número caiu para 201 papéis com liquidez para integrar o índice, mostrando como o mercado parou. Agora, junho começa com uma amostra de 299 títulos, patamar próximo ao do pré-crise.
Não só o volume de negociações surpreendeu, mas também o recuo do spread, a taxa acima do CDI cobrada nas negociações. Quanto mais alta, maior a percepção dos investidores de que há risco naquele papel. “Acreditávamos que os spreads sairiam da
fase de elevação para a de estabilização. Mas, olhando pelo Idex, tivemos retração de 2,93 pontos percentuais, em média, para 2,76, uma queda expressiva”, diz Muller. As taxas, no entanto, ainda estão muito acima do nível pré-crise, quando a média era de 1,9 ponto (dezembro de 2022) e 1,6 (maio de 2022).
Outro dado que mostra uma mudança são os saques, que assombraram os fundos de crédito privado de fevereiro a abril, com média diária de resgates acima de R$ 400 milhões. Na média de maio, o volume diário caiu para R$ 219 milhões e, nos últimos dez dias do mês, para R$ 150 milhões, em 180 fundos de gestoras independentes acompanhadas pelo índice.
Também no mês passado o retorno das debêntures foi o maior desde agosto de 2020, com 0,67 ponto percentual acima do CDI em média. “É um número muito positivo porque a liquidez do mercado poderia ter subido com rendimentos negativos”, explica Muller. “O arcabouço fiscal e o início dos cortes da Selic são o fundamento desta recuperação. Na trajetória futura das taxas, as previsões são de juros abaixo de 10% no fim de 2024, o que alivia muito a capacidade de endividamento das empresas. Tudo isso ajuda na percepção de menor risco de crédito”, acrescenta.
Mas o cenário ainda é difícil. Há empresas com spreads altos, em setores diversos, e grande dispersão no resultado dos fundos. Levantamento da Legacy Capital mostra que aumentou o número de debêntures que pagam acima de CDI mais 4%, considerado um patamar alto. Até o fim do ano passado, apenas sete estavam nessa faixa, ou 0,8% do universo de títulos. “Hoje, temos 48 debêntures de 24 emissores acima dessa marcação, uma fatia de 9,4% do total. São papéis nos quais o mercado está vendo um risco não desprezível de crédito no futuro”, Leonardo Ono, gestor de crédito privado da asset, que tem R$ 29 bilhões sob gestão.
Entre essas debêntures estão CVC, C&A, Guararapes, Light, Magazine Luiza, Movida, Tenda e Via. Apesar da melhora do mercado, algumas empresas, sobretudo do varejo, ainda enfrentam desconfiança de investidores. “Passados cinco meses, ficou mais claro que não é uma crise sistêmica. O mercado acalmou, mas não quer dizer que nos próximos meses não possa aparecer uma empresa em situação difícil”, diz Ono.
E ter em carteira os papéis dessas companhias é o que vai separar fundos que podem render bem ou mal. “Os juros caem lentamente, a partir de agosto ou setembro, de um patamar muito alto. Para as empresas, se a Selic cair de 13,75% hoje para 12%, ajuda, mas não resolve. Tem um árduo caminho até o fim do ano que vem com os juros a 10%. Isso asfixia as empresas, que vão ter que orientar grande parte da geração de caixa para pagar juros”, alerta o gestor da Legacy.
Muller, da JGP, lembra que, no mesmo setor, há empresas em diferentes situações. “É caso a caso. A preocupação maior é com empresas que estão reduzindo dinheiro em caixa. Mas, mesmo aí, encontramos surpresas. A BRF por exemplo estava com uma
dinâmica preocupante até o primeiro trimestre e, no fim de maio, anunciou aumento de capital, numa operação positiva para seu perfil de crédito”, ressalta.
Outras empresas se capitalizaram vendendo ativos ou recebendo aportes, como Orizon, Equatorial Distribuição e Localiza, lembra Muller, o que, para ele, elimina o temor de quebradeira. Já Ono, da Legacy, pondera que os bancos estão com dinheiro em caixa: “A crise sempre fica mais grave quando os bancos estão mal e não têm condição de rolar dívidas”, diz.
No mercado primário, as emissões vêm voltando aos poucos: Cemig, Autoban (CCR), LM Frotas, Ecorodovias, Iguá, Copel e Celg são exemplos de empresas tomando dinheiro por meio de debêntures. “Não acho que vai ser uma enxurrada de emissões, é uma recuperação ainda tímida porque quem pode está esperando o mercado melhorar mais”, afirma Ono.
Em meio à escalada dos spreads, que atingiu primeiro os papéis de alta qualidade por serem mais líquidos, os fundos com menos resgates aproveitaram e melhoraram o perfil das carteiras. Isso porque, na onda pós-Americanas e Light, os fundos que permitem saques no mesmo dia ou no dia seguinte tiveram que se desfazer muito rapidamente dos títulos para honrar os pedidos. “Foi um movimento mais tático do mercado do que de fundamento”, afirma Luiz Felipe Novaes, sócio da Polo Capital.
Ele lembra que, de fevereiro a abril, os fundos mantiveram caixa acima do normal por causa dos resgates. A Polo tem dois produtos de crédito oferecidos em plataformas digitais, um com resgate em 30 dias e outro em 90. Já na Legacy, o fundo de crédito tem prazo de 45 dias para resgate. E na JGP, o prazo é de no mínimo 30 dias.
“Essa venda com pressa, a qualquer custo, acabou amplificando as oscilações das taxas dos títulos, mas também transferiu riqueza para outros fundos que tinham passivo mais resiliente”, avalia Muller. “O investidor precisa entender que não terá seu dinheiro em mãos imediatamente sem custo. Um fundo que permite resgate em um dia já atrai um investidor de comportamento mais volátil.”
Fonte: Valor Econômico

