Por Joe Wallace e Kim Mackrael, Dow Jones
05/09/2022 08h49 Atualizado há 13 horas
Os preços da energia dispararam, as moedas europeias caíram para os níveis mais baixos das últimas décadas e os governos correm para conter o impacto econômico depois que a Rússia cortou o fornecimento do seu principal gasoduto de gás natural para a Europa.
O corte, que o Kremlin atribuiu na segunda-feira (05) às sanções ocidentais e avisou que será prolongado, tornou real o pior cenário para o qual a Europa se preparava desde a invasão da Ucrânia, em fevereiro.
A Europa está na linha de frente da guerra econômica entre a Rússia e o Ocidente, que corre paralela à guerra na Ucrânia. A disparada dos preços da energia elétrica e a falta de gás castigam a economia europeia e suscitaram temores de apagões e escassez neste inverno.
Na segunda-feira (05) os preços do gás natural e da eletricidade chegaram a subir mais de 30% antes de se estabilizarem em uma alta de mais de 10%, em reação ao corte de gás para a Alemanha pelo gasoduto Nord Stream, anunciado pela estatal Gazprom depois do fechamento dos mercados na sexta-feira. Além disso, as expectativas de que a zona do euro passará por uma recessão, mesmo que por um breve período, fez o euro despencar para seu nível mais baixo em 20 anos. As bolsas caíram na Alemanha, na Itália, na França e em outros mercados.
Governos europeus e executivos do setor de energia dizem que o estrangulamento da oferta de gás visa prejudicar as economias e minar o apoio à Ucrânia. Moscou afirma que as sanções ocidentais tornaram impossível a manutenção de equipamentos fundamentais do Nord Stream. A Gazprom se recusou a redirecionar o fluxo de gás para outros gasodutos.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse na segunda-feira (05) que os problemas de bombeamento de gás “surgiram por causa das sanções impostas contra nosso país e várias empresas pelos países ocidentais, como Alemanha e Reino Unido”.
“Insistimos em que cabe ao Ocidente como coletivo — neste caso União Europeia, Canadá, Reino Unido — a responsabilidade pela situação ter chegado ao ponto em que está hoje”, acrescentou Peskov.
A agência reguladora de energia da Alemanha avaliou ontem que “os defeitos alegados pelo lado russo não são um motivo técnico para cessar as operações”.
Os preços do gás e da eletricidade continuam abaixo das altas recordes registradas no fim de agosto. Mas a alta para níveis historicamente altos pode estimular a inflação, empurrar consumidores para a pobreza e elevar a pressão sobre os setores que fazem uso intensivo de energia e já passam por uma onda de fechamento de fábricas.
As concessionárias europeias de energia, muitas delas respaldadas por governos, trabalham intensamente para substituir o gás vindo da Rússia por fontes alternativas, entre elas o gás natural liquefeito (GNL) enviado por navios dos EUA e do Oriente Médio. Ontem, a Alemanha anunciou que manterá em funcionamento duas usinas nucleares que estavam programadas para serem fechadas.
Os níveis de armazenamento de gás aumentaram mais rápido do que previam as autoridades europeias e analistas acreditam que a região sobreviverá ao inverno sem que os governos precisem impor um racionamento, ainda que com custos exorbitantes para a economia por causa dos preços recordes.
Em uma medida que ajuda a Rússia e tem o potencial de prejudicar ainda mais a Europa, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e seus aliados — liderados por Moscou — concordaram em reduzir a oferta de petróleo pela primeira vez em mais de um ano. A decisão fez os preços do petróleo subirem — hoje estão mais de 30% acima do que há um ano, mesmo após uma queda recente —, e mantém uma firme receita para o Kremlin.
Os governos europeus já desembolsaram dezenas de bilhões de dólares para proteger famílias e empresas vulneráveis. A Alemanha anunciou um plano de auxílio de US$ 65 bilhões no domingo. Para complicar o cenário ainda mais, o Banco Central Europeu (BCE) deve elevar as taxas de juro nesta semana para controlar a inflação alimentada pelos preços da energia.
O fechamento por tempo indeterminado do Nord Stream aumentou a urgência dos esforços da Europa para garantir estoques suficientes de gás para atravessar o inverno. Os ministros da Energia da UE deverão se reunir nesta sexta-feira para articular um plano para limitar a gravidade de uma provável recessão no bloco.
Entre as medidas, a França disse que vai desfazer um gargalo fundamental dos fluxos de gás europeus, medida que lhe permitirá exportar gás para a Alemanha. “A Alemanha precisa do nosso gás e nós precisamos da energia elétrica produzida no restante da Europa, notadamente na Alemanha”, disse o presidente francês, Emmanuel Macron, após conversar com o premiê alemão, Olaf Scholz.
Um objetivo essencial é controlar oscilações violentas nos mercados de energia elétrica que já levaram ao fechamento de algumas fábricas na Europa por causa da alta do custo de energia. As opções aventadas pela República Tcheca, que detém a presidência rotativa da UE, incluem medidas que limitam temporariamente os preços do gás importado e do gás usado para geração de energia elétrica, e medidas que limitam os ganhos das empresas de energia renovável, nuclear e hidrelétrica que têm baixos custos operacionais. As receitas que ultrapassarem determinado ponto serão expurgadas e redistribuídas aos consumidores.
De maneira mais imediata, os governos estão tomando medidas para garantir que os mercados de energia elétrica não entrem em colapso. Variações desordenadas nos preços da eletricidade sobrecarregaram centrais de abastecimento com os enormes pagamentos em dinheiro que são obrigadas a fazer para negociar em bolsas de energia. Autoridades de alguns países temem que os pagamentos não realizados possam erodir a estabilidade financeira e que a falta de liquidez esteja criando um círculo vicioso de volatilidade.
Entre as opções apresentadas estão uma linha de crédito pan-europeia, potencialmente operada pelo BCE. As propostas também levantam a possibilidade de uma suspensão temporária das transações nos mercados europeus de derivativos de energia elétrica. Essas ideias deverão ser discutidas durante esta semana.
O Nord Stream era, até recentemente, a principal rota de tráfego de gás russo, que atendia cerca de 40% da demanda da UE no ano anterior ao da invasão da Ucrânia promovida pelo presidente Vladimir Putin. Um outro canal, o duto Yamal-Europa que passa pela Polônia e pela Bielo-Rússia, foi fechado por sanções russas.
Com isso, o gás russo flui para a Europa por duas rotas — os gasodutos que atravessam a Ucrânia e o TurkStream — e em quantidades extremamente reduzidas. A queda nas exportações da Rússia acontece em um momento ruim para a região, que também enfrenta a redução da geração de energia hidrelétrica na Noruega e uma forte queda na geração de energia das usinas nucleares francesas.
Cortar o fornecimento de gás para a Europa traz riscos para Moscou, uma vez que a infraestrutura de gasodutos para a China e outros mercados levará anos para ser construída. O boicote russo tem obrigado a Gazprom a cortar a produção. Na semana passada, a empresa informou que aceleraria planos para conectar mais cidades russas à rede para dar outra saída ao gás que antes ia para a Europa.
Fonte: Valor Econômico

