Em decisão unânime e após críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Comitê de Política Monetária (Copom) interrompeu o ciclo de cortes na taxa básica de juros e manteve a Selic em 10,5% ao ano nesta quarta-feira, diante de um cenário de piora nas projeções de inflação e de desancoragem das expectativas de mercado. As reduções foram iniciadas em agosto de 2023, quando a taxa estava em 13,75% ao ano.
A decisão aconteceu um dia depois de Lula voltar a criticar o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. O presidente disse que Campos Neto “tem lado político” e que a única “coisa desajustada” no país seria o comportamento da autoridade monetária.
No comunicado, o colegiado destacou que um cenário global incerto e o cenário doméstico “marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas” demandariam maior cautela.
O comitê não assumiu compromissos explícitos para a Selic nas próximas reuniões e ressaltou que se manterá vigilante e que “eventuais ajustes futuros” devem ser ditados “pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”. Também ressaltou que a política monetária deve se manter contracionista “por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”.
O relatório Focus tem mostrado uma elevação nas expectativas de inflação para 2024 e 2025. Para este ano chegou a 3,96% com seis elevações seguidas e para 2025 em 3,80% com sete semanas de elevação consecutivas. Em falas públicas desde a última reunião do Copom, Campos Neto e o diretor de política monetária, Gabriel Galípolo, se mostraram preocupados com a piora nas expectativas de inflação.
O Copom apontou que a conjuntura atual “demanda serenidade e moderação na condução da política monetária”. De acordo com o colegiado, essa conjuntura é caracterizada por um estágio na desinflação que “tende a ser mais lento”, uma “ampliação” da desancoragem de expectativas da inflação” e um “cenário global desafiador”.
A decisão de manter o patamar da Selic era esperada pelo mercado. Pesquisa do Valor com 132 instituições financeiras mostrou que apenas nove viam espaço para corte de 0,25 ponto percentual. O restante projetava a manutenção da taxa Selic.
Agentes financeiros também tinham um olhar para como os membros do colegiado iriam votar, após uma decisão dividida em maio. Na oportunidade, Campos Neto, Carolina de Assis Barros, Diogo Guillen, Otávio Damaso e Renato Gomes votaram pelo corte de 0,25 ponto percentual. Já os diretores indicados pelo atual governo, Ailton Santos, Gabriel Galípolo, Paulo Picchetti e Rodrigo Teixeira votaram pela redução de 0,50 ponto.
Outro foco de atenção foi a manutenção de fatores para ambas as direções no balanço de riscos para a inflação. Na ata da reunião de maio, constava que alguns membros do colegiado consideravam que havia “mérito” no debate de um balanço de riscos assimétrico para cima. Esses membros avaliavam que os fatores de alta tinham peso superior aos baixistas.
No comunicado desta quarta-feira, o balanço foi mantido como simétrico, com destaque para uma maior persistência de pressões inflacionárias globais e uma maior resiliência na inflação de serviços devido a um hiato de produto (medida de ociosidade da economia) mais apertado como fatores de alta. Entre os riscos de baixa, o Copom apontou uma desaceleração da atividade global mais acentuada e um impacto mais forte do aperto monetário sincronizado sobre a inflação global.
O Copom publicou dois cenários para suas projeções de inflação. No referência, que considera a trajetória de juros do Focus e a taxa de câmbio que parte de US$ 5,30 seguindo a paridade de poder de compra, a projeção foi de 4% de inflação para 2024 e 3,4% para 2025. Em maio, a projeção era de 3,8% para este ano e 3,3% para 2025. Para preços administrados, a projeção passou de 4,8% para 4,4% em 2024 e se manteve em 4% para o ano seguinte.
No cenário alternativo, em que a taxa Selic é constante ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2025, as projeções foram de 4% em 2024 e 3,1% para 2025. A meta para ambos os anos é de 3%.
O ambiente externo mantém-se adverso, em função da incerteza elevada e persistente sobre a flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e quanto à velocidade com que se observará a queda da inflação de forma sustentada em diversos países. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário segue exigindo cautela por parte de países emergentes.
Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho segue apresentando dinamismo maior do que o esperado. A inflação cheia ao consumidor tem apresentado trajetória de desinflação, enquanto medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.
As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,0% e 3,8%, respectivamente.
As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência* situam-se em 4,0% em 2024 e 3,4% em 2025. As projeções para a inflação de preços administrados são de 4,4% em 2024 e 4,0% em 2025. Em cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo do horizonte relevante, as projeções de inflação situam-se em 4,0% para 2024 e 3,1% para 2025.
O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; e (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado. O Comitê avalia que as conjunturas doméstica e internacional seguem mais incertas, exigindo maior cautela na condução da política monetária.
O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.
Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 10,50% a.a. e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2025. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.
A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária.
O Comitê, unanimemente, optou por interromper o ciclo de queda de juros, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê se manterá vigilante e relembra, como usual, que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.
Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Ailton de Aquino Santos, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Gabriel Muricca Galípolo, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Picchetti, Renato Dias de Brito Gomes e Rodrigo Alves Teixeira.
* No cenário de referência, a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de R$5,30/US$, evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC). O preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura pelos próximos seis meses e passa a aumentar 2% ao ano posteriormente. Além disso, adota-se a hipótese de bandeira tarifária “verde” em dezembro de 2024 e de 2025. O valor para o câmbio foi obtido pelo procedimento, que passou a ser adotado na 258ª reunião, de arredondar a cotação média da taxa de câmbio observada nos dez dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.
Fonte: Valor Econômico

