Por Estevão Taiar — De Brasília
11/05/2022 05h03 Atualizado há 6 horas
Em uma conjuntura mais incerta do que o habitual e com impactos nem sempre claros sobre a inflação, o Comitê de Política Monetária (Copom) optou em ata divulgada ontem por descrever com detalhes como enxerga esse quadro, em vez de dar mais sinais sobre quais podem ser seus próximos passos. Ainda que o colegiado do Banco Central (BC) mire um horizonte longo e adote uma postura cautelosa, a piora do quadro inflacionário deve continuar no curto prazo. Hoje, será divulgado o IPCA de abril.
Na semana passada, o Copom elevou a Selic de 11,75% para 12,75% ao ano. Na ata em que detalhou os motivos da decisão, o BC investiu em uma seção, muito mais ampla que a da ata anterior, em que discorre sobre riscos que vão desde a guerra na Ucrânia até a “política chinesa de combate à covid-19”, passando pela “demanda por bens persistentemente elevada” nos Estados Unidos. Também admite que debateu “algumas das possíveis razões para a diferença entre as projeções no cenário de referência [do próprio BC] e as projeções de analistas” – ponto que chama a atenção do mercado há tempos. Mais indicativo ainda talvez seja o fato de ter incluído o próprio cenário básico de inflação na seção sobre riscos. Em março, o cenário era apresentado na seção sobre conjuntura econômica. Ou seja: o principal pilar em que o Copom se baseia para tomar decisões perdeu alguma confiabilidade.
“O comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual”, disse ontem sobre o cenário básico.
Já a seção sobre a condução da política monetária foi muito mais enxuta ontem. O colegiado reforçou que optou “por sinalizar, como provável, uma extensão do ciclo, com um ajuste de menor magnitude [do que 1 ponto percentual] na próxima reunião”. Mas escolheu tal sinalização, entre outros fatores, já que ela “reforça a postura de cautela da política monetária e ressalta a incerteza do cenário”.
Isso não significa que o quadro inflacionário não deva piorar no curto prazo. No Relatório Trimestral de inflação (RTI), o BC projetava que o IPCA seria 1,02% em março – que acabou ficando em 1,62%. Por sua vez, o IPCA-15 de abril, prévia da inflação oficial, continuou mostrando deterioração, com alta de 1,73%. Foi a maior variação para abril desde 1995 e a maior alta mensal desde fevereiro de 2003. Com isso, o indicador acumulado em 12 meses subiu de 10,79% em março para 12,03%. Além dos números elevados, analistas destacam aspectos qualitativos, como o índice de difusão, que mede a quantidade de itens cujos preços tiveram alta no mês. Nos cálculos da Apex Capital, o indicador atingiu 76% em abril, o maior em quase 20 anos.
Na condução da Selic, o BC mira 2023, para o qual a meta de inflação é 3,25%, com intervalo de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Mas uma inflação tão alta e disseminada dificulta o cumprimento desse objetivo. Como mostrou o Valor ontem, as expectativas de inflação vêm se deteriorando, tanto nos títulos públicos quanto nas estimativas de instituições financeiras, consultorias e gestoras. Há casas que projetam inflação em torno de 10% para este ano. As projeções do cenário básico do BC são 7,3% e 3,4% para 2022 e 2023, respectivamente. Vale destacar o reajuste de 8,87% no preço do diesel realizado na segunda-feira pela Petrobras, com amplo impacto na cadeira produtiva.
Na ata, o Copom reconhece a gravidade da situação, afirmando que “a inflação ao consumidor segue elevada, com alta disseminada entre vários componentes, se mostrando mais persistente que o antecipado”.
“A inflação de serviços e de bens industriais se mantém alta, e os recentes choques levaram a um forte aumento nos componentes ligados a alimentos e combustíveis. As leituras recentes vieram acima do esperado e a surpresa ocorreu tanto nos componentes mais voláteis como nos mais associados à inflação subjacente [ligada a taxa de juros e atividade]”, diz. “Nos itens mais voláteis, continua se destacando o aumento do preço da gasolina, com impacto maior e mais rápido do que era previsto. Os componentes mais sensíveis ao ciclo econômico e à política monetária seguem com inflação elevada e as diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta.”
O formato da ata pode ter mudado, em parte, por causa da presença do novo diretor de política econômica do BC, Diogo Guillen, nomeado em abril. Mas é difícil negar que, diante de tamanhas incertezas, o Copom vem optando por uma postura mais cautelosa. Também fica claro que a conjuntura inflacionária continua piorando no curto prazo.
Fonte: Valor Econômico

