A supervisão dos resultados das empresas, para garantir a transparência, não é mais a única preocupação dos conselhos de administração. Os membros do colegiado precisam ter também um olhar voltado para o futuro, pensar no planejamento estratégico da organização. “A governança chegou com papel de supervisão nos anos 70. Era essa a visão, garantir o alinhamento do executivo com o acionista”, explica Adriane de Almeida, diretora de ensino e inovação do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). “Hoje, o conceito se ampliou. O papel do conselho é garantir a longevidade da organização, e isso inclui supervisão e estratégia.”
No entanto, uma nova pesquisa da Exec, especializada na seleção e desenvolvimento de altos executivos e conselheiros, mostra que nem todos os conselhos estão alinhados com essa diretriz.
Ao longo de 2023 e 2024, o estudo avaliou o perfil dos conselhos de cerca de cem empresas de grande porte no país e descobriu que 17% dos boards são considerados eficientes ou eficazes, 34% são maduros e 49% são imaturos. O levantamento analisou as seguintes dimensões nos colegiados: dinâmica, alinhamento com a estratégia, a cultura e a gestão, e olhar voltado para o digital e para as tendências. “A imaturidade dos conselhos está relacionada à dinâmica, ao desalinhamento do planejamento estratégico, tempo de mandato, papéis e responsabilidades, além de déficits claros nos princípios básicos da transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa”, aponta Sérgio Simões, sócio da Exec.
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Na sua opinião, isso se deve ao fato de que os conselhos foram constituídos para garantir transparência financeira e credibilidade às organizações. Mas, segundo o especialista, é preciso mudar o foco. “Estamos vivendo uma era de mudanças importantes, o que demanda que o colegiado olhe para a frente, entendendo o que acontece no presente para, a partir desse ponto, tentar prever o futuro”, defende. “Com o amadurecimento da governança, o alinhamento com o planejamento estratégico tornou-se uma necessidade, que é reprimida por fatores como resistência à mudança dos conselheiros mais tradicionais, composição, diversidade e pluralidade requeridas, pressões de curto prazo e papel do presidente do conselho.”
Almeida, do IBGC, diz que, na prática, se fala menos de estratégia nos conselhos do que se deveria. “Estamos vendo essa mudança no mundo [não só no Brasil]. Há um incentivo aos conselhos para trabalharem com farol baixo [curto prazo] e farol alto [longo prazo]”, afirma. Ela observa, ainda, que vê, sim, uma preocupação genuína maior de muitos colegiados com a estratégia da organização.
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Marcelo de Lucca, sócio da Maio Executive Search, também nota que os conselhos têm evoluído para que cada vez mais apoiem as estratégias de negócio, numa visão de futuro. “Não é raro encontrar composições que ainda dedicam a maior parte do tempo para a agenda de controles ou regulatória, que também é importante, mas que se for única, deixa de gerar valor para as estratégias futuras, cada vez mais importantes num cenário de transformações aceleradas”, diz.
Simões afirma que a mentalidade voltada exclusivamente para os resultados financeiros fazia sentido antes, mas não cabe mais em uma realidade pautada pela tecnologia e a inovação, que modificam a forma de fazer negócios, o relacionamento com os clientes e o modo com o qual as operações são conduzidas. “Nesse cenário, o conselho de administração precisa ter uma mentalidade empreendedora, no sentido de trazer para si não apenas a elaboração da estratégia, mas sua implementação e manutenção, tomando decisões baseadas em dados e levando em conta os novos comportamentos dos consumidores”, explica.
No entanto, o especialista relata que muitos colegiados não têm o costume de discutir assuntos como novas tendências, transformação digital e comportamentos que transformam modelos de negócios. “[Esses são] tópicos praticamente ausentes nos conselhos atuais”, observa.
O estudo também apontou que somente 7% das empresas no Brasil têm as “rédeas da estratégia” alinhadas com o momento da empresa e com os papéis, responsabilidade e personalidade dos conselheiros. “Se você perguntar para 14 conselheiros quais são os projetos em prática, metade deles vai trazer um tipo de resposta e a outra, informações divergentes. Isso mostra que eles não têm conhecimento sobre o atual momento da companhia, algo que é determinante para uma atuação eficaz”, observa.
O sócio da Exec diz que isso ocorre quando falta clareza por parte da empresa sobre seus direcionamentos estratégicos. “Assim, é fundamental que o conselho saiba para onde a organização vai e quais caminhos adotará para alcançar seus objetivos. Não ter essas informações tira o controle da gestão do planejamento estratégico, comprometendo o futuro da companhia”, reforça.
Na busca por um conselho mais ativo na estratégia e no dia a dia da operação, Pelerson Penido Dalla Vecchia, presidente da Fazenda Rocador, aproveitou a reestruturação da companhia para trocar todos os membros do colegiado. Ingressaram no board o consultor Luiz Bouabci, que desenvolve metodologias de inteligência que ajudam organizações a entenderem padrões de cultura internos ou externos que afetam seu ambiente de negócios; a professora Wilma Bolsoni, especialista em desenvolvimento humano e saúde mental no ambiente de trabalho; e o zootecnista Antônio Chaker.
Sobre o colegiado anterior, Vecchia explica que “era uma postura imposta pelos acionistas, de alguma forma”. “Os acionistas estão longe da operação e colocam os conselheiros para fiscalizar, geralmente [com foco] no financeiro”, diz. Ele queria um conselho com mais “fluidez, com pessoas capacitadas para atuar ativamente”.
Assim, Bouabci e Bolsoni atuam com um olhar para a área de pessoas e o zootecnista Chaker, para operações. “Pessoas são o principal ativo [de uma empresa], sem demagogia. Por isso é importante ter no conselho [integrantes com essa expertise].
Ter membros no conselho com especialidade em recursos humanos, aliás, é uma tendência. Atualmente, o comitê mais frequente nas empresas, depois do de auditoria, é o de pessoas, diz Almeida, do IBGC. “É uma mudança que vem acontecendo”, afirma. “O IBGC fala da importância de pessoas desde antes da pandemia, em 2017 trouxe esse tema, mas ficou mais evidente [depois da covid].”
Em 2024, o GPA também mexeu em seu conselho de administração, trazendo três novos integrantes: José Luiz Gutierrez, Márcia Nogueira de Mello e Rachel Maia.
Gutierrez tem ampla experiência no varejo, com passagens pelo Carrefour em diferentes países; Mello tem experiência no setor financeiro; e Maia constituiu sólida carreira no mercado de luxo. “Esses conselheiros aportam conhecimentos diversos, abrangendo áreas como varejo, finanças, tecnologia e ESG, refletindo o novo momento da companhia e reforçando a nossa governança”, explica Erika Petri, diretora executiva de recursos humanos, sustentabilidade e comunicação do GPA.
De Lucca pontua que a composição do conselho deve ser consequência da visão e da estratégia da empresa para os anos seguintes. “O natural é que os conselheiros independentes tragam experiência e conhecimento sobre os assuntos mais relevantes para a evolução da empresa.”
Além da diversidade de históricos profissionais, o GPA trouxe duas mulheres para tornar o colegiado mais diverso, comenta Petri. “Ponto fundamental na estratégia da empresa”. Na visão da executiva, o papel do conselho de administração é “validar as diretrizes gerais do negócio e acompanhar a evolução da estratégia proposta, além de ter um olhar consultivo em temas relevantes definidos como prioridades pela companhia”.
Almeida, do IBGC, pontua que a diversidade de competências é importante nos colegiados, “porque cada um tem ponto de vista que agrega e ajuda a olhar a complexidade da organização”. “A inovação acontece quando o elemento distante vê o que os demais não estão vendo. [E isso se conquista com] pessoas que têm históricos diferentes.”
Simões, da Exec, alerta para a importância da autonomia dos colegiados. “Encontramos muitos conselhos de administração cujo controle é feito pelo CEO da companhia e não pelo presidente do board, que acaba ocupando uma função puramente figurativa e não consegue atuar de forma independente. Esse é um problema que precisa ser ajustado, pois aqui há uma inversão de papéis” alerta.
No contexto das empresas familiares, a situação pode ser ainda mais complexa. “Nesse tipo de empresa há representantes das famílias ocupando cadeiras no conselho. Já presenciei situações em que os integrantes da família demonstram mais preocupação com o patrimônio, colocando a gestão da companhia em segundo plano, o que gera conflitos com o restante da organização”, comenta.
Ao comparar os conselhos brasileiros com os estrangeiros, Simões afirma que o nível médio de maturidade é praticamente o mesmo, embora os desafios sejam outros. “A governança está em um processo global de amadurecimento, aprendendo a lidar com temas mais sensíveis, com um mundo de negócio mais volátil e com as incertezas”, comenta. “[Porém], há economias mais maduras do ponto de vista da quantidade de empresas de capital aberto em bolsa que, consequentemente, degustam mais oportunidades, assim como empresas de controle familiar que priorizam o legado em situações de mercado completamente diferentes”, pondera.
Fonte: Valor Econômico