O crescente conflito entre Israel e grupos extremistas no Oriente Médio – Hamas e Hezbollah, além do próprio Irã – agrava ainda mais os problemas econômicos dos países da região, enquanto arrisca jogar Israel em uma crise que não é vista no país desde a década de 80.
Em um cenário global, os conflitos no Oriente Médio ameaçam afetar o comércio mundial, seja por ofensivas contra infraestruturas de energia ou por ataques a importantes vias de comércio marítimo, como o Mar Vermelho. A rota se tornou fonte de insegurança desde que os houthis do Iêmen começaram a atacar embarcações comerciais de aliados de Israel.
“Observando a economia global, os principais canais de impacto até agora têm sido os custos de transporte e os preços das commodities”, disse Julia Kozack, diretora do Departamento de Comunicações do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Os países do Oriente Médio são particularmente vulneráveis às crises e choques econômicos, o que pode exacerbar os efeitos da guerra. Um ano após o início de um conflito severo, os países da região perderam em média 2% do PIB per capita em comparação com o período anterior ao conflito, uma queda que pode chegar a 10% após dez anos, estima o FMI. Já países de outras regiões costumam ter uma queda semelhante após o primeiro ano, mas se recuperam após o quinto ano de conflito.
“O potencial para uma escalada maior do conflito aumenta os riscos e a incerteza, podendo ter ramificações econômicas significativas para a região e além”, aponta Kozack. Ela ressaltou que as economias da região já sofreram um golpe muito duro com os conflitos, especialmente a Faixa de Gaza, onde a população civil “enfrenta condições socioeconômicas terríveis, uma crise humanitária e entregas insuficientes de ajuda”.
O FMI estima que o PIB da Faixa de Gaza colapsou 86% no primeiro semestre de 2024, enquanto o PIB da Cisjordânia caiu cerca de 25% no mesmo período, com perspectivas de piora até o final do ano.
Já no Líbano, que começou na última semana a ser bombardeado de maneira mais ampla por Israel sob a justificativa de acabar com o Hezbollah e garantir a segurança da população do norte do país, deverá ter uma queda de 5% na economia neste ano devido aos embates entre o exército de Israel e o Hezbollah, segundo relatório da firma de pesquisa econômico BMI.
“Para o Líbano, está se tornando cada vez mais claro que o cenário que todos esperavam evitar está se materializando”, disse Maya Senussi, economista-chefe para Oriente Médio da consultoria Oxford Economics. “Além das perdas humanas e do deslocamento em massa, a onda de ataques representa mais um golpe para a economia libanesa, com o declínio da produção se estendendo pelo sétimo ano consecutivo.”
A Oxford Economics estima que uma guerra total – com ataques mais amplos à infraestrutura energética em todo o Oriente Médio e nas regiões do Golfo, além de mais interrupções nas rotas comerciais pelo Mar Vermelho – pode elevar os preços do petróleo para até US$ 130 o barril – atualmente em torno de US$ 75 – e reduzir em 0,4 ponto porcentual o crescimento do PIB global em 2025.
Se no restante do Oriente Médio os receios econômicos são de destruição da infraestrutura e continuidade de crises existentes, em Israel os temores para a economia são movidos pela fuga de investimentos estrangeiros e aumento no déficit das contas públicas.
“As coisas estão muito complicadas e as perspectivas não são animadoras”, disse Esteban Klor, professor de economia da Universidade Hebraica de Jerusalém e pesquisador principal do Instituto Nacional de Estudos de Segurança. “Provavelmente teremos, pelo segundo ano consecutivo, uma queda do PIB per capita. Também temos grandes problemas fiscais, pois será o segundo ano consecutivo com um déficit fiscal muito alto, provavelmente próximo de 10%”.
O PIB de Israel contraiu cerca de 20% no quarto trimestre de 2023, após o início do conflito, e o país teve apenas uma recuperação parcial no primeiro semestre deste ano, segundo o FMI.
A situação negativa de Israel começou antes mesmo do dia 7 de outubro, com o avanço da impopular reforma do Judiciário apoiada pelo premiê Benjamin Netanyahu, que resultou em meses de enormes protestos de rua, com impacto negativo no ambiente para os negócios. A guerra na Faixa de Gaza e posteriormente os conflitos com outros grupos apoiados pelo Irã exacerbaram essa tendência.
A insegurança local provocou uma enorme debandada do investimento estrangeiro no país, que caiu 29% em 2023 na comparação com o mesmo período do ano anterior, segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). A situação é ainda mais preocupante por afetar diretamente o setor de tecnologia de Israel, outrora o grande trunfo do país para projeção internacional e grande captador de profissionais qualificados.
“O país, em geral, depende dessas tecnologias e dessas empresas para arrecadar impostos e exportações. Se não tivermos uma recuperação do setor de alta tecnologia em breve, isso pode ter implicações muito importantes a longo prazo em toda a economia do país”, explica Klor.
O impacto econômico da guerra já começou a ser sentido pela população geral. Levantamento da Coface BDi, uma empresa de análise de negócios de Israel, aponta que cerca de 60 mil empresas no país deverão fechar este ano, bem acima da média anual de cerca de 40 mil. A maioria dessas empresas é de pequeno porte, com até cinco funcionários.
A inflação também começa a bater no bolso dos israelenses, com o índice de preços ao consumidor subindo para 3,6% em agosto, o nível mais alto em 10 meses, em comparação com 3,2% no mês anterior e acima da meta do governo, entre 1% e 3%. O temor é que esses resultados, acompanhados de baixo crescimento, coloque Israel em cenário de estagflação.
“As maiores preocupações que temos são que a economia entre em um ciclo de inflação relativamente alta acompanhada por uma recessão econômica. Isso obriga o Banco Central a manter o juro relativamente alto”, disse Klor. “Só que isso não permite a retomada econômica. Este é um ciclo muito perigoso para a economia e é uma das questões que mais preocupam os economistas em Israel no momento, junto com o déficit fiscal”.
Mas as implicações econômicas das tensões no Oriente Médio vão além dos países diretamente envolvidos no conflito e têm gerado consequências globais, especialmente devido às obstruções na rede de comércio mundial causadas pelos houthis no Mar Vermelho. Segundo Jan Hoffmann, especialista em comércio da Unctad, algumas das nações que mais têm sofrido indiretamente com a guerra são pequenas ilhas que dependem do transporte marítimo.
“Países como Fiji (Oceania), Barbados (Caribe) e Comores (África) estão enfrentando dificuldades significativas, pois dependem mais do transporte marítimo e já pagam mais por ele, sem alternativas viáveis”, afirmou Hoffman. “Na pandemia, quando o comércio global também foi paralisado, esses pequenos Estados insulares viram os preços de seus produtos subirem 8 pontos porcentuais. Agora, a situação se repete. Mesmo que seu comércio não transite pelo Canal de Suez, eles também estão pagando mais pelas importações”.
Fonte: Valor Econômico

