Por Victor Rezende e Gabriel Roca — De São Paulo
21/10/2022 05h04 Atualizado há uma hora
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O processo de aperto monetário nas economias desenvolvidas, que tem gerado desconforto nos mercados financeiros globais, ofusca o sentimento positivo visto recentemente nos ativos brasileiros e torna o ambiente ainda mais contracionista no país. Esse cenário é atestado pela deterioração das condições financeiras, que, neste mês, chegaram ao nível mais apertado desde dezembro de 2008, em um movimento que aponta para uma desaceleração da atividade econômica brasileira à frente.
Nos cálculos dos economistas Lucas Maynard e Rodolfo Pavan, do Santander, o índice de condições financeiras (ICF) chegou a 1,52 ponto em outubro, uma alta forte na comparação com o nível observado em setembro (1,19).
O indicador agrega componentes de preços (índices de commodities, cotações do petróleo e taxa de câmbio) e variáveis de mercado, como índices de ações nacionais e internacionais, além do comportamento das taxas de juros no país e no exterior e de métricas de risco, como a oscilação dos contratos de Credit Default Swap (CDS) e índices de volatilidade. Quando o ICF está no campo negativo, significa que as condições financeiras se mostram expansionistas, ou seja, favoráveis à atividade econômica. Já quando o indicador está acima de zero, como agora, aponta para condições apertadas, ou seja, um cenário de contração da economia.
O movimento aponta para uma desaceleração da atividade econômica brasileira à frente
Ao observar a dinâmica do ICF entre setembro e outubro, Maynard nota que houve uma “piora generalizada” entre os componentes. “Apenas os juros domésticos contribuíram para um pequeno arrefecimento do índice”, diz.
O economista do Santander, inclusive, avalia que não é possível garantir que, após um pico, as condições financeiras voltarão a se afrouxar rapidamente. “Durante a recessão de 2015 e 2016, houve um aperto nas condições locais, mas acabou sendo rápido, já que essa era uma crise doméstica. No entanto, se observamos o que ocorreu na última grande crise global, em 2008, as condições financeiras se mantiveram apertadas por quase dois anos”, afirma Maynard.
Os movimentos externos recentes não foram desprezíveis. A discussão sobre os rumos da política monetária nos Estados Unidos mostra sinais de que o Federal Reserve (Fed) pode levar os juros para a casa dos 5%. Além disso, o estresse nos mercados britânicos com o plano fiscal revelado pelo novo governo do Reino Unido obrigou o Banco da Inglaterra (BoE) a intervir no mercado. Os desafios do cenário internacional, assim, pesaram sobre os mercados globais, o que, nas métricas do ICF, ajudou a reduzir potenciais efeitos positivos do desempenho dos ativos locais.
O processo de ajuste da curva de juros reais americana chama a atenção do estrategista-chefe da BTG Pactual Asset Management, Tiago Berriel, ao notar que, agora, as taxas estão acima de 1,5%, sendo que, no início do ano, toda a curva operava no território negativo. “E isso tem que gerar um ajuste e um período mais volátil na bolsa. Não tem muito jeito. Esse processo de ajuste tem acontecido, em parte, pelo lado macro, pela taxa de desconto. Os múltiplos da bolsa estão se ajustando, mas, em algum momento, essa economia vai ter que desacelerar e aí, provavelmente, vamos ver revisões nos lucros”, disse Berriel, durante “live” na quarta.
As declarações do ex-diretor do Banco Central, assim, vão ao encontro de uma visão que aponta para a possibilidade de pressões adicionais sobre as condições financeiras. “Talvez o ajuste de múltiplos ainda não seja condizente com o processo de recessão que nós, provavelmente, vamos ver no ano que vem”, disse. Além disso, durante a “live”, Berriel apontou que a tendência de dólar global mais forte deve continuar, especialmente contra moedas fortes.
“Lá fora, o ambiente é muito incerto”, ressaltou o estrategista, ao enfatizar, ainda, que o processo de desinflação nos países centrais precificado pelo mercado no momento é “muito substancial”, o que pode requerer ajustes adicionais mais à frente. “Por mais que nós estejamos vendo essa inflação alta, quando observamos a trajetória da inflação ‘implícita’ ela ainda mostra um cenário muito benigno. É como se nós estivéssemos caminhando muito rápido de volta à normalidade no fim do ano que vem e no início de 2024. É um cenário que, provavelmente, vai passar ainda por alguns ajustes.”
Visão semelhante é defendida pelo economista-chefe da Truxt Investimentos, Arthur Carvalho, para quem as condições financeiras devem continuar apertadas “por um bom tempo, até termos sinais mais claros nos dados, e não nas projeções, de que os bancos centrais estão conseguindo vencer a batalha contra a inflação”.
Ao citar reuniões no âmbito do encontro do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, Carvalho diz que os banqueiros centrais estão mais cautelosos em confiar somente nos modelos e, agora, têm dado mais peso aos dados correntes. “Apesar das projeções de que a inflação vai ceder, o comportamento dos banqueiros centrais parece estar sendo liderado pelos dados”, diz. Esse cenário, assim, indica uma postura mais cautelosa antes de um alívio nos juros globais, o que aponta para condições financeiras apertadas.
O desempenho da atividade econômica no Brasil, porém, tem chamado atenção no curto prazo, o que tem se espalhado para horizontes um pouco mais longos.
A Truxt, por exemplo, elevou sua projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2023 de 0,5% para 0,8%. “Isso não significa que as condições financeiras não estejam apertadas, mas há uma sinalização de mais gastos no próximo governo. De certa forma, o aperto das condições financeiras se contrapõe à política fiscal, que está mudando. Apesar das condições restritivas, o PIB acaba sendo revisado para cima”, diz Carvalho.
Da mesma forma, o economista-chefe da Occam, Paulo Val, afirma que, por mais que o Banco Central não deva alterar a taxa básica de juros nos próximos meses, o ambiente externo ajuda a apertar as condições financeiras. “Esses fatores causam uma desaceleração da atividade econômica, até por isso vamos ver o PIB saindo, nas nossas projeções, de um crescimento de 2,9% para algo em torno de 1% em 2023”, afirma. “Mas estamos vendo uma dinâmica fiscal que atua na outra direção.”
Val afirma que os candidatos ao Planalto têm indicado uma série de medidas que apontam para mais gastos à frente, o que, consequentemente, atua na direção oposta à indicada pelo ICF. “A política fiscal está se contrapondo ao lado monetário e ela tem um efeito muito mais rápido na economia”, enfatiza o economista.
De acordo com Lucas Maynard, do Santander, as condições financeiras domésticas estão no campo contracionista desde maio. “Em contraste com o desempenho encorajador da atividade visto no primeiro semestre de 2022, esperamos que os efeitos defasados de contração do recente aperto comecem no segundo semestre, provavelmente a partir do último trimestre do ano”, diz o economista.
Assim, a projeção de crescimento de 0,7% do PIB do Santander para 2023, segundo Maynard, é justificada pelo maior carrego estatístico provocado pela surpresa positiva com a atividade em 2022 e pela perspectiva de crescimento mais forte do PIB agropecuário no próximo ano. “Se há uma safra boa, acaba puxando o PIB de qualquer maneira, já que são vetores não cíclicos”, conclui o economista.
Para a economista-chefe do J.P. Morgan no Brasil, Cassiana Fernandez, o elevado nível de aperto das condições financeiras é um fator determinante para a perspectiva de desaceleração da atividade econômica, que deve começar a ser sentida de modo mais intenso a partir do quarto trimestre do ano.
“O aperto deve se tornar ainda mais relevante já que, no nosso cenário, o início da flexibilização da taxa de juros deve ocorrer apenas a partir de junho. Com a Selic constante nesse patamar de 13,75% até lá, e olhando para a trajetória de expectativas de inflação, apesar da desinflação lenta que esperamos, a taxa de juros real sobre a economia deve subir nos próximos meses”, afirma a economista. Nas projeções do J.P. Morgan, a Selic deve encerrar 2023 em 11,5% e a inflação deve ficar em 5,2% no próximo ano. Já o PIB deve ficar negativo em 0,1% em 2023, nas contas da instituição.
Fonte: Valor Econômico

