Cenários externos menos adversos somados a um ambiente de inflação controlada, juros em queda e maior institucionalidade política no Brasil contribuíram para a melhora das condições financeiras para pessoas físicas e jurídicas na virada de 2023 para 2024, cenário que, na visão dos economistas, deve se manter ao longo deste ano. Essa melhora tende a ajudar a sustentar o crescimento do PIB. Em compensação, pode colocar limite para o ciclo de corte de juros do Banco Central, alertam analistas.
Condições financeiras dizem respeito a uma série de variáveis de preços (commodities, petróleo e câmbio) e de mercado (índices de bolsas, medidas de risco-país e taxas de juros aqui e no exterior) que refletem a facilidade de acesso a crédito, intenção de empresas para investir e a disposição das famílias de consumir. “Condições financeiras menos apertadas significam que, para empresas e pessoas físicas, o custo de pegar dinheiro emprestado diminui”, explica Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Pine.
Pela primeira vez desde o segundo trimestre de 2022, o índice de condições financeiras do Pine mostra cenário não restritivo. O índice aparece em -0,07 ponto em janeiro de 2024. Quando está negativo, o índice mostra condições financeiras frouxas, ou seja, que dão apoio à atividade; no terreno positivo, aponta condições apertadas, desfavoráveis ao crescimento econômico.
“O índice foi para terreno restritivo em meados de 2022, por fatores locais e internacionais, e ficou boa parte de 2023 acelerando no terreno contracionista”, diz Oliveira. Em janeiro de 2023, estava em 0,3 ponto; em outubro, chegou a quase 2 pontos, mas fechou dezembro em 0,01 ponto.”
“O que fomos percebendo ao longo do último trimestre de 2023 foi, ao mesmo tempos em que ocorre redução de juros no Brasil, um alívio aos poucos em determinantes internacionais, com redução dos yields [rendimentos dos títulos da dívida pública dos EUA], menor preço do barril de petróleo, comportamento positivo de preços de ativos”, diz.
BC vai ter de parar de cortar juro antes do que o mercado espera”
Gabriel Couto, economista do Santander, reforça que a trajetória das condições financeiras ao longo do ano passado não foi linear. “Ela foi bastante conturbada”, afirma.
O índice do Santander, que busca replicar a metodologia do indicador equivalente do BC, fechou 2023 em 0,48 ponto, ainda levemente contracionista, mas bem melhor do que o 1,08 ponto com que entrou no ano, tendo chegado a 1,49 ponto em outubro, reacelerando após ter recuado para 0,58 ponto em junho.
“Ao longo do primeiro semestre, vimos um processo contínuo de afrouxamento das condições, esse movimento parecia claro. Mas, em dado momento de meados do ano, elas apertaram bastante, principalmente levando em conta o que aconteceu com o preço dos ativos aqui e lá fora, voltando para níveis bem próximos das máximas que observamos em 2022”, diz Couto.
“Ao longo dos últimos meses, principalmente em dezembro de 2023, houve devolução parcial disso e fechamos o ano no patamar menos restritivo em bastante tempo.”
O índice de condições financeiras da MCM Consultores, que considera números positivos como estimulativos, oscilou em terreno mais ou menos expansionista ao longo de 2023 e fechou o ano na máxima do período, de 1,1 ponto. Além dos fatores econômicos, o economista Alexandre Teixeira cita questões políticas.
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“Teve um efeito de alívio institucional, de mudança em relação ao diálogo entre Executivo, Legislativo e Judiciário e isso também tem um papel sobre o preço dos ativos e as condições financeiras de maneira geral”, diz. “Atrelado a isso, a pauta econômica do governo andou na direção correta; ainda que o mercado tenha dúvidas, um novo arcabouço fiscal foi sancionado, o governo tomou medidas para reforçar a arrecadação e a reforma tributária foi aprovada.”
Olhando à frente, Teixeira diz que as condições financeiras devem se manter no terreno expansionista ao longo de 2024, ainda que, talvez, um pouco abaixo do índice atual.
Para Couto, as condições financeiras devem se aproximar mais da neutralidade, em linha com a visão do Santander de Selic em 9,5% ao fim do ciclo de cortes em meados do ano, o que, segundo ele, estaria mais ou menos perto da taxa de juros neutra (aquela que não estimula nem contrai a economia).
Na avaliação do Santander, o começo de 2024 ainda tende a ser impactado pelos efeitos defasados das condições financeiras mais apertadas. “Exemplo claro disso é que, mesmo com a Selic já caindo, os indicadores relacionados a investimento em capital fixo têm sofrido bastante”, diz Couto.
A recuperação da atividade deve ficar mais para o segundo semestre. “Mas isso não é suficiente para um resultando brilhante do PIB em 2024. Se estivermos certo sobre essa recuperação, os benefícios do afrouxamento das condições financeiras tendem a ficar mais para 2025”, diz.
Oliveira calcula que há desafagem de quatro a seis meses para o impacto pleno da melhora do índice de condições financeiras chegar à economia real, na demanda agregada (ou absorção doméstica, soma do consumo das famílias, do governo e da Formação Bruta de Capital Fixo, medida para investimentos no PIB).
Ainda assim, para ele, o comportamendo do índice de condições financeiras já dá mais conforto à avaliação de que a demanda agregada ganhará impulso nos próximos trimestres. E o número de recuperações judiciais requeridas pelas empresas, aponta, também pode ser menor que em 2023, quando chegou a 1.303, atrás, ao menos nos últimos dez anos, apenas dos 1.718 pedidos de 2016, em meio à recessão.
O cenário-base do Pine contempla crescimento da demanda agregada de 2,2% em 2024, após alta estimada de 1,8% em 2023, e de 3% em 2025. Seriam ritmos de crescimento da absorção doméstica acima dos esperados para o PIB, de 2% em 2024 e 2,5% em 2025. Nesse cenário, diz Oliveira, não haveria urgência para o BC acelerar o ritmo de corte de juros ao longo de 2024. Para 2023, o Pine estima que a absorção doméstica cresceu abaixo do PIB (projetado em 2,8%).
Oliveira reconhece que um crescimento mais forte da demanda agregada poderia levar a pressões sobre preços livres, gerando inflação. “Mas temos um cenário em que o mundo continua desinflacionário até os próximos dois anos e em que o real também continua bem comportado, apreciando em termos reais.”
Leonardo Porto, economista-chefe do Citi Brasil, chama a atenção para a visão de que, na frequência trimestral, o PIB já desacelerou e vai, na verdade, ganhar ímpeto ao longo de 2024, justamente porque as condições financeiras dão sinais de que o pior momento ficou para trás.
“Nas nossas projeções, que estão em linha com o consenso de mercado, o PIB deve ter crescido 3% no ano passado e vai crescer 1,5% neste ano. É uma economia desacelerando. Mas isso também é um pouco equivocado, porque o crescimento de 2023 foi concentrado no primeiro e no segundo trimestres, mas no terceiro foi quase zero e para o quarto esperamos apenas 0,1%. Já para o primeiro trimestre de 2024, projetamos 0,3%, depois 0,5%, 0,5% e 0,6%”, diz Porto.
Ele diz preferir olhar os elementos das condições financeiras de forma desagregada e a partir dos fundamentos econômicos. Além de destacar taxas melhores em ativos no Brasil e no exterior, Porto chama a atenção para o mercado de crédito local.
“Os dados continuam mostrando que o pior momento ficou para trás já tem um tempo. A taxa de juros do empréstimo livre está em 42% ao ano, 300 pontos-base [0,03 ponto percentual] a menos do que estava em meados do ano passado, quando o BC ainda não tinha começado a cortar a Selic. De lá para cá, a Selic caiu até menos, 200 pontos-base. A política monetária está fazendo efeito nas condições financeiras”, diz.
A taxa de juros de 42% ao ano também é similar ao visto em 2017, quando o estoque da carteira de crédito se contraía 3%, segundo Porto. Agora, observa, esse estoque cresce na casa de 5%. Ou seja, a demanda por crédito hoje está bem mais forte.
Isso pode ser explicado por uma propensão maior das famílias a consumir depois da pandemia, sobretudo, serviços. “Acaba aquecendo o mercado de trabalho. Ou seja, a economia não só não está desacelerando como se imaginava, como parte da pujança vem de setores intensivos em mão de obra”, diz Porto. Por isso, no seu cenário, a economia vai acelerar não só porque as condições financeiras estarão menos contracionistas, mas também pela resiliência do emprego, o que também encurta o espaço para cortes da Selic.
“Tem três meses que o emprego não cresce, mas há três meses o salário real cresce 4%, acima da inflação. Isso é insustentável. Podemos estar chegando em níveis de preocupação de pressões salariais contaminando a inflação de serviços, que, daqui para frente, deve ficar bem mais resistente”, diz. “Não estou dizendo que o ciclo está perto do fim, mas o BC vai ter de parar de cortar juro antes do que o mercado espera.” Porto prevê Selic de 10% neste ano. A mediana do boletim Focus é de 9%.
Fonte: Valor Econômico