Estrangeiros dominavam pedidos de patentes na área; pesquisadores brasileiros abandonam mais as iniciativas
Por Martha Funke — De São Paulo
23/05/2022 05h02 Atualizado há 6 horas
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Vasconcellos, do INPI: pequi exemplifica o interesse mundial em patentes relacionadas à biodiversidade brasileira — Foto: Divulgação
O pequi, fruto famoso pelo sabor e espinhos sob a polpa, é alvo de solicitações de patentes por universidades e empresas brasileiras e estrangeiras. A Unicamp criou um processo de obtenção de bioquerosene a partir do óleo da fruta, a partir do qual a Xerox depositou três patentes relacionadas a toner e resina. Henkel, Clarins e Natura também estão de olho no fruto.
O pequi exemplifica o interesse mundial em patentes relacionadas à biodiversidade brasileira. Estudo de 2017 identificou 34 pedidos, 20 do Brasil, nove dos Estados Unidos, três da França e dois da Alemanha. Um dos coautores do estudo, Alexandre Guimarães Vasconcellos, é professor da Academia do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e assinou a análise dos pedidos de fitoterápicos no país entre 1995 e 2017.
O segmento de bioprodutos era o segundo com maior número de solicitações registradas, perdendo para materiais impressos em formato ou estilo especial. Eram 1.977 pedidos depositados no Brasil, 54% de estrangeiros, sendo 432 norte-americanos. Dos 876 de inventores brasileiros, 59% tinham deferimento ou arquivamento por motivos como falta de pagamento e acompanhamento e só 12 patentes haviam sido concedidas.
De acordo com Vasconcellos, o Brasil tem a maior biodiversidade do mundo, mas apesar de pesquisas nacionais na área, a concessão de patentes a bioprodutos de valor agregado ainda é baixa, com média anual entre 200 e 250 depósitos em fitoterápicos. Como exemplo, o INPI realizou para o Valor identificação de pedidos relacionados ao jambu no globo. Encontrou 316, mas com três espécies além do jambu brasileiro (Acmella oleracea). No próprio INPI são 45, 19 de depositantes nacionais, a maioria na área de alimentos e uma dezena feitos depois de 2017, apontando tendência de alta.
O INPI aponta cenário de queda de patentes em geral. Depois de alcançar 34 mil solicitações em 2014, o número cai desde 2019 e em 2021 ficou em 26.921. O acumulado dos dois primeiros meses deste ano, 3.833 pedidos, é 0,6% menor que em igual período do ano passado. Já o número de concessões subiu com plano de combate ao atraso, de 13,7 mil em 2019 para 27,6 mil em 2021. Em 2022, já foram concedidas 3.494 patentes de invenções, 31% delas para norte-americanos; brasileiros ocupam o segundo lugar, com 17%.
Priscila Kashiwabara, sócia do Kasznar Leonardos Advogados, aponta casos de invenções vindas da biodiversidade brasileira que levantam discussões sobre biopirataria e apropriação indevida de conhecimentos tradicionais. Um deles é o do veneno de jararaca, usado por indígenas em flechas. O princípio ativo isolado pelo brasileiro Sérgio Henrique Ferreira gerou produto comercial patenteado pela Bristol Myers-Squibb (anti-hipertensivo Captopril).
Outro é o uso medicinal da espinheira-santa, tradicional em comunidades autóctones da América do Sul, cuja atividade antiulcerogênica foi comprovada nos anos 90. A japonesa Nippon Mektron depositou dois pedidos em 1997, abandonados. Em 1999, Aché, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) fizeram depósito na mesma linha, arquivado por falta de pagamento.
O terceiro caso é o da stevia, usada por guaranis na fronteira entre Brasil e Uruguai. A legislação brasileira sobre biodiversidade considera o conhecimento tradicional associado, mas eles alegam ainda não terem consentido o uso do conhecimento tradicional do potencial adoçante do vegetal, apesar da média de 70 a 100 pedidos anuais de patente na década de 2010.
As universidades são as principais solicitantes no INPI. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) liderou a lista entre 2014 e 2019 e tem 1.270 depósitos. São 683 no recorte biodiversidade a partir de 2015, que geraram 81 patentes. A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) tem 153 patentes, incluindo concessão referente à formulação fitoterápica cicatrizante com extrato de embaúba, informa Ana Carolina Antunes Vidon, gerente de inovação do Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia da UFJF. A Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) tem 122, 11 concedidas, uma delas relacionada à transformação da casca de coco em etanol, detalha José Carlos Farias, da diretoria de Inovação Tecnológica.
Entre empresas privadas, a Petrobras é líder no INPI. Já a Granbio, com soluções de conversão de biomassa em biocombustíveis, bioquímicos e materiais renováveis a partir do carbono de celulose, tem cerca de 400 patentes requeridas ou concedidas ao redor do globo. Para o fundador Bernardo Gradin, o relacionamento entre genômica e biodiversidade é uma das principais corridas tecnológicas atuais e o país deveria ser mais ágil na área. “O potencial da nossa biodiversidade deveria ser matéria de segurança nacional”, diz.
Fonte: Valor Econômico