O laboratório farmacêutico suíço Roche desprezou a oportunidade de comprar o direito a um comprimido para perda de peso capaz de gerar US$ 14 bilhões ao ano que poderia tê-la colocado entre as líderes desse segmento de alto crescimento, mas que agora está em desenvolvimento pela rival Eli Lilly, segundo documentos públicos da empresa e fontes a par das discussões.
Em 2018, três anos antes da aprovação do primeiro medicamento semanal contra a obesidade, o Wegovy, da Novo Nordisk, a Roche optou por não aproveitar seu “direito de primeira recusa” para adquirir um comprimido para tratar diabete do tipo 2 do laboratório farmacêutico japonês Chugai, com a qual mantém uma parceria há 20 anos.
O medicamento — então conhecido como Owl-833 — estava pronto para entrar na primeira fase de ensaios clínicos, avaliado em apenas dezenas de milhões de dólares, segundo duas fontes a par do assunto. Em vez disso, foi comprado pela Eli Lilly naquele ano por um pagamento inicial de US$ 50 milhões e se tornou o orforglipron.
O comprimido diário para perda de peso ainda está em ensaios clínicos e pode ser aprovado até 2026. Projeta-se que vai gerar US$ 50 bilhões em receitas mundiais para o laboratório farmacêutico americano, cuja sede fica em Indianápolis, nos seis anos após seu lançamento, e alcançar US$ 14,4 bilhões em vendas anuais em 2032, de acordo com as estimativas médias de analistas.
“A Roche deixou passar um megassucesso”, disse David Risinger, analista especializado em biofarmacêutica no banco de investimento Leerink Partners.
A forma como a Roche perdeu a oportunidade com orforglipron e como, cinco anos depois, com a aquisição da Carmot Therapeutics, finalmente reentrou na disputa por tratamentos de perda de peso evidencia os desafios de desenvolver medicamentos nesse segmento e a atual corrida dos grandes laboratórios farmacêuticos para voltar ao campo.
As empresas têm um histórico de deixar passar medicamentos em estágio inicial que acabam se tornando extremamente lucrativos, observou Louise Chen, analista da firma de serviços financeiros Cantor Fitzgerald.
Em um exemplo recente, no fim de 2022, a Pfizer licenciou parcialmente um medicamento experimental para doenças intestinais para a empresa de biotecnologia Roivant Sciences de forma gratuita. Em menos de um ano, a Roivant vendeu o medicamento para a Roche por US$ 7 bilhões.
A decisão da Eli Lilly de apostar no orforglipron e financiar seu desenvolvimento mostra como os maiores nomes na área de tratamentos contra diabete baseados em insulina “tinham uma vantagem em entender o metabolismo e a perda de peso”, segundo uma fonte próxima às discussões de licenciamento em 2018.
“Ou você tem o foco e a expertise dentro da empresa ou não tem; os medicamentos não vão cair na sua mesa e se tornar um sucesso.”
Recentemente, a Roche reentrou no segmento de perda de peso com a compra da empresa de medicamentos antiobesidade Carmot Therapeutics por um valor que pode chegar a US$ 3,1 bilhões em 2023.
Desde então, divulgou dados preliminares tanto de um tratamento injetável quanto de um comprimido de perda de peso para tentar desafiar as posições de liderança da Novo Nordisk e da Eli Lilly, cujos injetáveis contra obesidade — Wegovy e Zepbound — já geram bilhões em vendas.
As empresas agora competem para desenvolver um comprimido para perda de peso que seria mais fácil de ser administrado e de ter o uso disseminado como o próximo passo para competir nesse mercado de US$ 130 bilhões anuais.
Os comprimidos para perda de peso ativam receptores hormonais intestinais (como o GLP-1) similares aos ativados pelos medicamentos injetáveis existentes, o que ajuda a suprimir o apetite. Analistas acreditam que a Eli Lilly está à frente nessa corrida, em grande parte graças ao orforglipron.
O comprimido deve ser lançado em 2026 e prevê-se que será o único medicamento GLP-1 de molécula pequena — um tipo de medicamento baseado em uma fórmula química simples, facilmente reproduzível como um comprimido — disponível por pelo menos dois anos, o que daria à Eli Lilly a chance de “dominar o mundo” com o produto, acrescentou Risinger.
A Eli Lilly já vem investindo na ampliação da capacidade de fabricação para atender à possível enorme demanda por seus comprimidos de perda de peso. Em um ensaio clínico de fase intermediária, o orforglipron chegou a reduzir o peso dos participantes em 14,6%.
O comprimido para perda de peso da farmacêutica rival Novo Nordisk, a semaglutida oral, tem uma fabricação mais complexa, o que provavelmente dificultará a distribuição.
Os resultados iniciais de um comprimido para perda de peso de molécula pequena da Roche, divulgados em julho, mostraram uma redução de 6,1% no peso em comparação a um placebo, o que deixou os investidores empolgados.
Os medicamentos da Roche para perda de peso, porém, não devem ser lançados antes de 2028. Calcula-se que a Roche conseguirá apenas US$ 4 bilhões em vendas com seu produto injetável e com seu comprimido para perda de peso até 2032, de acordo com projeções de analistas.
No entanto, as patentes podem infringir as de medicamentos rivais, de acordo com um documento apresentado pela Carmot Therapeutics às autoridades de regulamentação antes de ser adquirida.
A equipe de desenvolvimento de negócios da Roche avaliou a versão inicial do orforglipron em 2018, mas concluiu que “não era uma prioridade”, de acordo com uma fonte próxima às discussões.
A Roche havia vendido um medicamento anterior contra a obesidade— o Orlistat — nos anos 2000, pois causava efeitos colaterais gastrointestinais.
Depois que um medicamento GLP-1 conhecido como taspoglutida fracassou na fase final de ensaios clínicos em 2010, a Roche reduziu seus investimentos em tratamentos contra a diabete e obesidade, concentrando-se em sua área de medicamentos anticâncer.
De acordo com Gareth Powell, chefe da área de saúde na firma britânica de investimentos Polar Capital e financiadora da empresa Zealand Pharma que também atua no segmento de perda de peso, “naquela época não havia o mesmo entusiasmo pela perda de peso que existe agora”. “Você tem que respeitar [a Roche] por aparentemente admitir que estavam errados e voltar a ir atrás disso.”
Segundo a Roche, “a pesquisa e desenvolvimento em saúde está sempre associada a riscos, priorização e tomada de decisões sólidas sobre onde concentrar os investimentos para que possam ter o maior impacto potencial nos pacientes”.
“As decisões de portfólio seguem esses princípios. Em 2018, nem a aplicação mais ampla dos [GLP-1s] estava clara nem o conhecimento científico era avançado como é hoje.”
A Eli Lilly e a Chugai não quiseram comentar o assunto.
A Roche também teve grandes sucessos com sua parceria com a Chugai: um remédio para tratar a hemofilia de US$ 4,5 bilhões por ano, o Hemlibra, hoje um dos principais medicamentos da Roche, foi licenciado pela farmacêutica japonesa.
A Chugai, na qual a Roche detém quase 60% de participação, ainda deve se beneficiar do sucesso do orforglipron, já que pode receber até US$ 390 milhões, condicionados à superação de marcos regulatórios e de vendas.
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Fonte: Valor Econômico