As debêntures incentivadas estão tomando o posto de “queridinhas” dos investidores na renda fixa privada.
Esses produtos são títulos de dívidas de empresas cuja captação está atrelada a projetos de infraestrutura. Por esse motivo, são isentas de tributação – daí o “incentivadas” do nome. Naturalmente, esse é o atributo é o principal chamariz da classe. Por outro lado, as ofertas de letras de crédito imobiliário (LCI) e agrícola (LCA) vão minguando, consequência da alteração das regras pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em fevereiro.
Em 2024, as debêntures incentivadas alcançaram seu ponto de virada. Além de impor limites a títulos concorrentes, faz parte da estratégia governamental estimular o financiamento a setores de infraestrutura. Por isso, o ritmo de emissões e captações na classe deve acelerar nos próximos anos.
“Há um potencial trilionário para investimentos, porque existe um déficit de financiamento desses projetos. Somente os bancos não conseguem atender a necessidade de crédito do setor. Então, a tendência é o mercado de capitais ganhar relevância como fonte de recursos dessa indústria”, explica Marcelo Michaluá, diretor-presidente (CEO) da RB Capital.
De acordo com dados levantados pela B3 a pedido do Valor Investe, os volumes registrados na bolsa de novas emissões de LCIs caíram 59% entre janeiro e junho – de R$ 30,7 bilhões para R$ 12,6 bilhões. Nas LCAs, recuo de 47,7% – de R$ 44,7 bilhões para R$ 23,4 bilhões.
As debêntures incentivadas vão no sentido inverso da gangorra. Dados da Anbima, associação que representa entidades do mercado financeiro, mostram que os volumes captados cresceram 641,5% neste começo de ano – de R$ 2,6 bilhões em janeiro para R$ 19,6 bilhões junho. O último montante registrado é o maior para um só mês desde o início da série histórica, em 2018.
“Neste momento, as empresas passaram a entender o mercado de capitais como uma fonte eficaz de financiamento dos projetos de infraestrutura. Por isso, aumentaram as perspectivas para emissões de debêntures incentivadas”, aponta o CEO da RB Capital.
O histórico crescimento dos estoques de LCIs e LCAs desde 2020 foi interrompido em fevereiro deste ano, no início do período de “seca” das emissões. Em paralelo, as ofertas de debêntures incentivadas aceleraram.
Somados, os estoques nas LCIs e LCAs caíram de R$ 762 bilhões no fim de janeiro deste ano, antes de a resolução do CMN entrar em vigor, para R$ 749 bilhões no fim de maio, última atualização do censo do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Ou seja, o volume total de capital alocado nesses papéis recuou 1,7% nesse período.
Já o estoque das debêntures incentivadas cresceu 19,4%, de R$ 209,7 bilhões para R$ 250,4 bilhões, segundo a Anbima. No fim de junho, o montante alocado na classe alcançou R$ 266,7 bilhões.
O fenômeno se espalha por todo o mercado. Beto Saadia, economista e diretor da Nomos, destaca que as captações dos fundos focados em debêntures incentivadas batem sucessivos recordes desde fevereiro. De acordo com a Anbima, investidores aportaram R$ 53,2 bilhões a mais do que sacaram dos fundos de renda fixa de infraestrutura no acumulado do ano até maio.
O número de fundos do tipo subiu de 459 em janeiro para 698 em maio, e a quantidade de contas nesse segmento saiu de 291,5 mil para mais de 524 mil, aumento de 80%.
“A popularidade desses fundos está associada ao fato de serem um meio para que mesmo o investidor pouco familiarizado com as debêntures incentivadas possa se expor a elas”, diz Saadia.
E esse interesse foi despertado porque as restrições impostas pelo CMN para elegibilidade de lastros e o alongamento dos prazos de vencimentos nas LCIs e LCAs estrangularam suas emissões. Conforme esses títulos vencem e há menos oferta no mercado, investidores têm dificuldade de renovar alocações na classe.
“Essa nova demanda fomenta a oferta, o que deve fazer com que os volumes de alocação e as emissões na classe aumentem”, diz Michaluá. O executivo da RB Capital conta que o seu fundo de debêntures de infraestrutura triplicou o montante de ativos sob gestão desde fevereiro.
As letras de créditos e as debêntures incentivadas compartilham preferência no gosto de investidores por serem papéis de renda fixa privada que se beneficiam da isenção de imposto de renda. Mas as semelhanças param aí.
As LCIs e LCAs, como títulos de dívidas bancárias, representam o risco associado ao balanço do banco que emitiu aquele papel. Já a debênture incentivada tem seu risco ligado ao projeto que a captação vai financiar.
As letras de crédito também costumam ser instrumentos de curto prazo, atualmente com vencimentos mínimos de nove meses para LCAs, e de 12 meses para as LCIs.
Já as debêntures incentivadas são papéis de longa duração. O prazo médio de vencimento dos títulos da classe emitidos entre janeiro e junho é superior a 11 anos, de acordo com dados da Anbima. Por isso, pagam taxas maiores.
Nada impede, no entanto, que o investidor se desfaça das debêntures incentivadas a qualquer momento. A classe girou R$ 120,4 bilhões no mercado secundário entre janeiro e junho. Os 15 títulos mais líquidos da classe movimentaram, em média, R$ 2 bilhões e negociaram 2 milhões de papéis nesse segmento.
“As debêntures incentivadas de emissores com notas de crédito altas têm alto fluxo de negociação. A classe está entre as mais líquidas do mercado secundário, mas ainda fica à mercê da demanda de investidores. Não se comparam, neste sentido, com LCIs e LCAs, que podem ter liquidez diária garantida pela operação de tesouraria do banco”, pondera Michaluá.
Para Odilon Costa, chefe de renda fixa da SWM, o investidor precisa ter dois pontos em mente ao avaliar debêntures incentivadas: conjuntura econômica e análise fundamentalista.
“Com os juros reais elevados no país, é mais interessante comprar títulos atrelados ao IPCA de vencimentos no curto e médio prazos. São instrumentos que protegem a carteira do efeito da inflação e mitigam o risco de piora do cenário fiscal. Além disso, esses ativos são menos impactados pela flutuação do mercado”, defende Costa.
No aspecto fundamentalista, o investidor deve estar atento ao risco de crédito oferecido pelo emissor e pelo projeto que será financiado pelo papel. Então, deve avaliar qual é a remuneração paga acima do título público comparável (indexado à inflação e com prazo de vencimento próximo ao da debênture incentivada).
“Os títulos públicos pós-fixados estão pagando a taxa do IPCA mais 6%, de maneira geral, o que vira um retorno perto de IPCA mais 4,2% após a tributação. Já as debêntures incentivadas de baixo risco estão pagando IPCA mais 6,4% a 6,6%. Como são isentas, em termos líquidos, a diferença de rentabilidade pode ser mais interessante”, detalha Costa.
Hora de entrar na classe?
No fim, a resposta depende, como sempre, do perfil de cada investidor, se mais ou menos conservador. A partir dessa resposta, é preciso avaliar se o prêmio oferecido faz sentido em relação ao risco. E, nunca é demais dizer, não só em ações é preciso diversificar para evitar sustos. Também na renda fixa deve ser assim.
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