Contra o dramático pano de fundo da cordilheira de Teton, algo que muitos consideravam impossível pareceu próximo para os principais banqueiros centrais do mundo que viajaram ao estado do Wyoming, nos Estados Unidos, para o simpósio de Jackson Hole.
Após enfrentarem o pior choque inflacionário em quatro décadas, aqueles que participaram da conferência anual da distrital de Kansas City do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) neste fim de semana estavam esperançosos que eles iriam superar as chances desfavoráveis e conquistar um “pouso suave” para a economia global.
Andrew Bailey, o presidente do Banco da Inglaterra (BoE), e sua contraparte do Fed, Jerome Powell, responderam aos temores de que o crescimento precisaria ser sacrificado para alcançar as suas metas de inflação. À medida que começam a cortar os custos de empréstimo, ambos sinalizaram que ainda estão no caminho de evitar uma recessão.
Os economistas na audiência ecoaram esse otimismo. “Ninguém sabe ao certo o que vai acontecer nos próximos meses, mas os dados indicam que haverá desemprego baixo e força [da economia] contínuos”, disse Heather Boushey, um membro do Conselho de Assessores Econômicos do governo do presidente americano, Joe Biden.
Há dois anos, os prognósticos eram sombrios. Esperava-se que o aumento agressivo das taxas de juros para acabar com o pior surto de inflação nas economias avançadas desde a década de 1980 desencadeasse uma recessão dolorosa que custaria o emprego de milhões de pessoas.
À época, os formuladores de política monetária alertaram que aquele era o cenário econômico mais desafiador que teriam de navegar em memória recente. Mas os últimos 12 meses foram cruciais.
A inflação caiu drasticamente no segundo semestre de 2023, afastando-se bastante dos picos de 2022, e agora parece estar no caminho certo para atingir as metas de 2% dos bancos centrais. Em alguns casos, como no Reino Unido, ela já atingiu essa meta. Durante todo esse tempo, os mercados de trabalho permaneceram em uma base sólida.
Ainda assim, as autoridades estão cientes dos desafios futuros, principalmente no que diz respeito ao ritmo correto dos cortes de juros.
Os mercados se moveram para refletir as expectativas de custos de empréstimos mais baixos, ajudando a reduzir as taxas de juros cobradas sobre hipotecas e outros produtos financeiros. Mas os bancos centrais ainda precisam confirmar essas medidas.
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Um surto de turbulência no mercado no início de agosto, após dados fracos sobre o emprego nos Estados Unidos e uma virada surpreendentemente conservadora do Banco do Japão (BoJ), destacou a angústia dos investidores sobre as perspectivas econômicas.
A liquidação de ações no início de agosto foi uma “amostra inicial” de um possível “evento de aversão a risco”, especialmente se a moderação contínua do crescimento der lugar a uma desaceleração mais séria, alertou Pierre-Olivier Gourinchas, economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), em uma entrevista ao Financial Times.
“Veremos alguma volatilidade, porque o mercado precisa se ajustar a uma nova fase do ciclo de desinflação, que é a normalização da política monetária.”
Gourinchas endossou a mudança de direção dos bancos centrais, dizendo que era a medida “certa”. “Em princípio, essa flexibilização pode ser boa para o crescimento global, pois ajudará a estabilizar a atividade”, disse ele. Ele acrescentou que as economias dos mercados emergentes, em particular, se beneficiariam de um dólar mais fraco – uma provável consequência das taxas de juros mais baixas dos EUA.
O Banco Central Europeu (BCE), o BoE e o Banco do Canadá (BoC) já abaixaram os seus juros neste verão (no hemisfério norte) e é esperado que eles voltem a reduzi-los nos próximos meses.
O Fed deve se juntar a eles em setembro, conforme Powell sinalizou na sexta-feira. Essa reunião acontece apenas seis semanas antes das eleições presidenciais nos Estados Unidos, cujo resultado deve ter ampla influência sobre o rumo da maior economia global.
O fato de ter levado tanto tempo para o Fed e outros bancos centrais começarem a fazer cortes mostra a extensão do problema da inflação que os tem perseguido nos últimos três anos.
Inicialmente vista como uma provação “transitória” e de curta duração, a inflação rapidamente se transformou em um problema explosivo e persistente para os consumidores de todo o mundo. O caminho de volta para 2% tem sido acidentado, agravado pelas guerras na Ucrânia e no Oriente Médio. Recentemente, no início do ano, um ressurgimento inesperado das pressões sobre os preços abalou as autoridades dos EUA.
Há muito tempo, os bancos centrais têm se fixado no risco de que a redução das taxas de juros muito cedo deixaria a inflação presa acima da meta – ou, pior ainda, aumentaria novamente à medida que as expectativas de aumento de preços se tornassem inerentes. Eles ainda não estão prontos para dar um fim à pior onda de pressões inflacionárias em uma geração.
Bailey, na sexta-feira, reiterou que tomaria uma abordagem cautelosa no processo de cortes de juros, reforçando as expectativas de que o BoE deve manter a sua Taxa Bancária em setembro antes de reduzi-la novamente em novembro.
No sábado, o economista-chefe do BCE, Philip Lane, alertou que a meta de inflação “ainda não está garantida”. As autoridades dos EUA também apoiam o corte gradual das taxas. Mas eles também deixaram a porta entreaberta para medidas mais agressivas, se necessário.
Após subirem os juros muito tarde para conter a inflação, os banqueiros centrais reconhecem os riscos de mover as taxas muito lentamente nesta fase do ciclo econômico.
“Estou preocupado com o fato de estarmos mais apertados do que nunca durante todo esse ciclo”, disse Austan Goolsbee, presidente do Fed de Chicago, ao Financial Times, observando que as taxas de juros ajustadas pela inflação aumentaram à medida que as pressões sobre os preços diminuíram, embora os custos nominais de empréstimos nos EUA tenham sido os mesmos por mais de um ano.
“Você só quer ser tão rígido por um motivo – se teme um superaquecimento – e o cenário atual não parece ser de superaquecimento”, disse Goolsbee
Embora Susan Collins, presidente do Fed de Boston, acreditasse que havia um “caminho claro” para atingir a meta de inflação de 2% sem uma “desaceleração desnecessária”, ela reconheceu que os riscos para a maior economia do mundo poderiam se materializar. “Sou realista com relação a isso”, disse. “A humildade não é algo ruim para nós.”
Fonte: Valor Econômico

