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O governo deve implementar medidas sugeridas pela indústria e varejo, em reunião realizada com entidades setoriais no fim de novembro, para tentar reduzir a inflação. As ações podem afetar taxas de cartões de benefício alimentação e até levar os supermercados a venderem medicamentos, algo proibido hoje, como antecipou ontem o Valor.
Mas o impacto nos preços desse pacote de iniciativas, de forma isolada, é duvidoso, dizem os próprios interlocutores das empresas e associações junto ao Planalto.
“Inflação cairá com corte de gastos. Essas ações só ajudam a complementar a agenda [do governo]”, diz um vice-presidente de uma atacadista que esteve na reunião em que as medidas foram discutidas, no fim de novembro, como apurou o Valor.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse ontem que serão feitas reuniões com os ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário e da Fazenda para buscar “conjunto de intervenções que sinalizem para o barateamento dos alimentos”. A ideia é que as iniciativas sejam implementadas no primeiro semestre.
Após a declaração, a Casa Civil publicou nota ajustando o termo usado e esclareceu que não haverá intervenção em preços, mas adoção de medidas, em debate junto aos fabricantes e varejistas, para reduzir preços
O Valor antecipou ontem que, reunião ocorrida no dia 21 de novembro, com cerca de 20 pessoas, entre elas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, oito ministros e três secretários, foi apresentado um conjunto de sugestões de indústrias e redes para melhorar a eficiência e a produtividade do setor. E os reflexos dessas medidas podem diminuir custo dos alimentos e reduzir preços ao consumidor, disseram entidades à Lula.
Na prática, trata-se de um antigo conjunto de solicitações que, pelo menos, há uma década está na mesa do setor. As associações não conseguiram tirar as pautas da gaveta, em diversas interlocuções com ministros e presidentes, e agora, isso pode avançar pela necessidade de o governo mostrar que está agindo frente à alta da inflação, disseram interlocutores a par das conversas.
Segundo a Abras, que representa o varejo alimentar, a proposta envolve, por exemplo, reestruturar o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) para permitir o fim da cobrança de altas taxas, pagas pelas lojas, sobre a venda de produtos por meio de cartões de benefícios de alimentação e refeição-convênio.
“Chega-se a pagar 10% de taxa sobre a venda, mesmo em redes grandes. Uma cobrança menor poderia ser revertida em margens melhores e em repasse a preços.” Para que isso avance, no entanto, teriam que negociar com as emissoras de cartão, que no passado já criticaram a proposta.
As sugestões envolvem ainda a venda de remédios sem necessidade de receita nos supermercados, o que pode reduzir os seus preços em 35%, diz a nota da entidade. A ampliação da cesta de produtos à venda nas lojas ainda poderia melhorar a lucratividade do setor e levar a um repasse ao mercado.
Esse é um dos temas mais controversos entre as medidas pela reação das farmácias à sugestão, que ontem criticaram duramente a possibilidade.
Outra sugestão refere-se à modernização do sistema de prazos de validade dos produtos e à redução do prazo de reembolso dos cartões de crédito, que também dependeria de uma negociação com as companhias do setor.
No caso da validade de produtos, desde 2021, pelo menos, empresas buscam uma flexibilização da norma, intitulada “best before”. Ela flexibiliza a regra de validade definida pelo Código do Consumidor – algo que as redes sociais ontem estavam chamando de venda de produtos da “xepa”.
As entidades querem que o consumo de produto não perecíveis possa ocorrer apenas preferencialmente até determinada data, definida na embalagem. Com isso, caberá ao consumidor avaliar se leva a mercadoria ou não. Isso reduz desperdícios e custos com produtos vencidos nas lojas.
Para Costa, o preço dos alimentos subiu porque as chuvas comprometeram muitos locais de produção. A expectativa do governo, segundo ele, é que a safra seja muito melhor agora, o que vai contribuir para barateamento dos alimentos.
“A exportação e o consumo também pressionam o preço dos alimentos. O comerciante vai testando para ver se a sociedade consegue pagar esse aumento. Isso nós vamos monitorar e acompanhar daqui pra frente [elevação de preços]. Não adianta o salário subir se os preços sobem na mesma proporção”, afirmou.
Numa reunião ministerial realizada na segunda-feira (20), Lula cobrou de seus ministros um programa para baixar o preço dos alimentos no país e pediu rapidez.
O ministro da Casa Civil ainda voltou a dizer ontem que, apesar do debate junto a varejo e indústria, há um compromisso de Lula com o equilíbrio fiscal. “Se não há equilíbrio fiscal, quem paga contas mais caras são os mais pobres.”
Na práticas, nas tratativas entre governo, empresas e associações, os setores alegaram que não era o caso de simplesmente reduzir margens, porque o setor tem rentabilidade baixa. De cada R$ 100 vendidos, a margem líquida varia de R$ 2 a R$ 4, segundo balanços públicos. Mas seria preciso buscar medidas que cortem seus custos de operação, e repassar o efeito ao mercado.
A questão é que isso não é uma tarefa fácil, dizem as próprias empresas, sob condição de anonimato. As ações não são garantia de preços mais baratos nas gôndolas. Varejistas de alimentos – boa parte delas com ações em bolsa, como GPA, Carrefour, Grupo Mateus, Assaí – tem seus acionistas a quem devem dar resultados, e eventuais ações que melhorem produtividade não têm impacto tão amplo ou imediato em todo o setor.
E mesmo que entendam que eventuais medidas podem tornar o negócio mais eficiente e rentável, e reduzir preços, uma operação de varejo é um negócio complexo.
Há diferentes variáveis afetando a operação ao mesmo tempo – de acordos comerciais globais, volumes de safra à necessidade de atingir determinados níveis de dividendos aos acionistas, sob pena de perderem investidores caso estratégias não se mostrem acertadas
“O que derruba governos é a inflação de alimentos”, lembrou ontem um empresário de varejo, que esteve no encontro com Lula.
Caso as medidas realmente avancem, via projeto de lei, indústrias e redes podem esperar um embate de setores contrários às medidas.
Segundo a Abrafarma, associação das farmácias, os medicamentos sem prescrição são uma importante fonte de receita para o setor da farmácia, representando cerca de 30% das vendas, e o impacto econômico da medida seria “desastroso”.
“É falacioso o argumento de que os supermercados venderiam medicamentos com preços até 35% mais baixos. Nós monitoramos preços de mais de mil itens comuns a farmácias e supermercados, e estes estabelecimentos vendem mais caro em 50% das vezes?”, afirmou Sergio Mena Barreto, presidente da Abrafarma.
Fonte: Valor Econômico