Por Chun Han Wong, Valor — Dow Jones Newswires
17/09/2023 14h16 · Atualizado
A lentidão da economia chinesa está levando governos regionais em dificuldades financeiras a procurar formas pouco convencionais de arrecadação. Suas forças policiais têm se mostrado uma das maiores fontes de dinheiro.
Polícias e outras agências da lei regionais pela a China têm aplicado multas maiores e mais frequentes por infrações de trânsito, violações de normas comerciais e de segurança e outras pequenas contravenções, como forma de abastecer os cofres públicos regionais, de acordo com a imprensa estatal.
Em alguns casos, as forças policiais de governos locais investigaram casos com poucas ligações óbvias a suas próprias jurisdições, indo atrás de suspeitos a centenas de quilômetros de distância, no que advogados e a mídia estatal dizem ser jogadas para confiscar ganhos supostamente ilícitos.
No início do ano, policiais de uma região fronteiriça no nordeste da China dirigiram cerca de mil quilômetros até Pequim para deter os fundadores de uma startup de streaming de vídeo que eles acusaram de participar de esquemas ilegais de marketing de rede [baseado no recrutamento de vendedores]. Por sua vez, a firma, chamada Xueli Xingqiu, mas também conhecida como Future Learning, acusa os investigadores de terem inventado acusações e ultrapassado sua jurisdição, em uma jogada para confiscar ativos da startup.
Em outro caso, os fundadores de uma bolsa de criptomoedas chinesa acusaram a polícia da cidade de Wuxi, leste do país, de ultrapassar sua jurisdição ao abrir uma investigação penal contra a startup, também por suposto uso de técnicas ilegais de marketing de rede.
Pequim tem denunciado as tentativas de elevar a arrecadação por meio do rigor no confisco de ativos e na cobrança de multas. Descreve os métodos como “aplicação da lei em busca de lucro”. O fenômeno é antigo, mas ganhou novo ímpeto diante da lentidão da economia da China para recuperar-se da pandemia de covid-19 e do estouro da bolha imobiliária do país, o que levou a principal agência supervisora dos mercados financeiros da China a anunciar neste mês uma ofensiva fiscalizadora contra o uso indevido de poderes regulatórios para encher os cofres públicos.
O custo da adoção de medidas como a covid-zero por Pequim amplificou as dificuldades financeiras de muitos governos regionais, ao mesmo tempo em que a forte queda na venda de terras os privou de uma fonte crucial de arrecadação. Dados do Ministério das Finanças mostram que a arrecadação total referente a terras obtida pelos governos regionais chineses em 2022 caiu 23% em relação ao ano anterior.
Desesperados, esses governos têm buscado maneiras de elevar a arrecadação. Muitos intensificaram a fiscalização para gerar arrecadação por meio de multas, taxas e apreensões de ativos.
Em maio, por exemplo, houve grande indignação pública depois de um veículo da mídia estatal chinesa noticiar que autoridades na Província de Henan vinham aplicando, de forma reiterada, multas atipicamente pesadas a caminhoneiros por exceder o limite de peso. Um motorista disse ter recebido 58 multas em um total de US$ 38 mil em apenas dois anos.
“Após três anos de pandemia, as contas [públicas] estão sem dinheiro”, disse, em vídeo, um funcionário de fiscalização rodoviária na reportagem. “Isso se chama elevar a aplicação da lei ao padrão — as multas que devem ser aplicadas têm de ser aplicadas.”
Autoridades da província negaram posteriormente ter definido cotas para as multas.
O Ministério das Finanças da China permite que os ativos apreendidos por órgãos de segurança pública em seu trabalho — a não ser em casos de contrabando — sejam transferidos para os cofres públicos da mesma esfera de governo da agência em questão. O governo federal estipula restrições sobre como as agências regionais de segurança pública devem lidar em casos que envolvem mais de uma jurisdição, mas autoridades e advogados dizem que a polícia às vezes está disposta a contornar essas regras em situações que possibilitam recompensas financeiras ou políticas grandes o suficiente.
Pequim tenta frear o fenômeno. Em 2021, repreendeu a cidade Bazhou, norte do país, por ordenar aos funcionários que cobrissem os déficits fiscais com multas, taxas e outras receitas não tributárias. Em dois meses, a campanha arrecadou mais de US$ 9 milhões em multas e ativos confiscados.
Representantes da Future Learning, a startup de streaming de vídeo, dizem que a investigação contra a firma mostra que os esforços para dissuadir a polícia de tentar elevar a arrecadação têm sido insuficientes, diante do desespero financeiro dos governos regionais. Fundada em 2021, a empresa de Pequim produzia vídeos curtos com resumos de livros populares.
Os usuários podiam assisti-los grátis acompanhados de anúncios ou pagando cerca de US$ 27 ao ano na modalidade sem anúncios. A startup dava incentivos em dinheiro, com base em percentagens das assinaturas de novos clientes, a representantes de venda que ajudassem a recrutar usuários.
Em 2022, autoridades reguladoras do distrito de Chaoyang, em Pequim, investigaram as reclamações de que a empresa estava envolvida em marketing ilegal, mas não abriram nenhum processo, argumentando não terem encontrado evidência de irregularidade, segundo representantes da firma.
Autoridades de Xilingol, uma vasta região de pastagens habitada por pastores nômades na Mongólia Interior, norte da China, pensaram diferente. Agentes da polícia de Xilingol viajaram para Pequim no início de fevereiro para fazer uma batida na empresa, de acordo com um relato publicado pela corporação em uma rede de relacionamento social on-line.
A polícia prendeu o fundador Ren Bo e três outros executivos e os levou à capital de Xilingol, Xilinhot, segundo Fu Mian, esposa de Ren. As autoridades também derrubaram o aplicativo da Future Learning e congelaram mais de 6 milhões de yuans, o equivalente a cerca de US$ 830 mil, de seus ativos, segundo a polícia e representantes da empresa.
A Future Learning não é a única startup a ter entrado no alvo de policiais de outras cidades. A Hubdex, uma bolsa de criptomoedas, teve uma experiência similar em 2021, quando a polícia de Wuxi, na Província de Jiangsu, leste do país, enviou agentes a várias cidades pela China — incluindo Pequim e Guangzhou — para prender o fundador da Hubdex e outros funcionários.
Os promotores acusaram formalmente o fundador e cinco outras pessoas de terem adquirido ativos por meios fraudulentos, segundo o relatório de acusações ao qual “The Wall Street Journal” teve acesso. O fundador nega irregularidades e acusa a polícia de Wuxi de ter aprendido e lidado irregularmente com os bens dos suspeitos de forma intencional, o que inclui o sumiço de bitcoins. O caso foi a julgamento em julho e o veredicto ainda não foi proferido, segundo a esposa do fundador.
Não foi possível contatar os seis réus. A polícia de Wuxi, assim como a promotoria distrital local e o tribunal encarregado do caso Hubdex, não responderam a perguntas sobre o tema.
Alguns advogados e parlamentares chineses defendem reformas amplas para resolver o problema. No segundo trimestre, um parlamentar propôs que todas as multas e bens apreendidos fossem transferidos ao Tesouro federal.
Ren, da Future Learning, continua preso na Mongólia Interior. Em seu relato dos primeiros dias sob custódia, Ren disse ter ficado perto de ceder à pressão das ameaças policiais. “Mas pensei com cuidado e cheguei a uma conclusão terrível: a polícia que cuida do caso pode ter vindo preparada para buscar o lucro.”
Fonte: Valor Econômico

