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O pedido de recuperação judicial bilionário da Agrogalaxy, varejista de insumos agrícolas, foi responsável por uma onda de aversão a risco que abateu os Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais, conhecidos como Fiagros. O primeiro impacto foi uma queda generalizada das cotas, o que fez com que nove a cada dez fundos registrassem desvalorização – há casos de recuo acima de 35% no ano. Na média ponderada, a depreciação chega a 9%.
Agora, em uma espécie de freio de arrumação, os gestores aumentaram a seletividade e estão evitando as emissões de empresas alavancadas, sobretudo do setor de insumos. Os ativos que já estavam em carteira e que são vistos como potencial problema à frente, por sua vez, vêm sendo revistos, com os fundos negociando flexibilização de “covenants”, que são as cláusulas do empréstimo que estabelecem algumas regras, como limite de alavancagem.
Hoje, segundo estudo feito pela plataforma Bloxs, a pedido do Valor, cerca de 70% dos fundos estão com “waiver” (dispensa de cumprimento de exigências contratuais no empréstimo), com atraso ou com desenquadramento de garantias.
Por conta da maior seletividade, um exemplo foi a suspensão da emissão de certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) da Solubio, empresa que pertence ao fundo de private equity (aquele que compra participação em empresas) Aqua Capital, mesmo controlador da Agrogalaxy. A operação estava em “roadshow” para levantar R$ 200 milhões, mas a oportunidade de captação se fechou após a recuperação judicial. “O mercado de CRA travou para empresas mais endividadas”, diz um gestor de Fiagro que pediu para não ser identificado. Esses títulos são ativos comprados por Fiagros.
Essa fonte ressalta, porém, que há ofertas de CRA “rodando normalmente”. Entre as poucas operações que estão indo para a rua nos próximos dias, destacam-se Seara (R$ 1,9 bilhão), Frigol (de proteína, com R$ 160 milhões) e B8 (biodiesel, com R$ 200 milhões) – ou seja, empresas maiores e consolidadas. Já a emissão de R$ 300 milhões da Agropastoril Jotabasso, tida como uma das maiores empresas de semente de soja do país, começou há duas semanas e encerrou na última sexta-feira apenas no valor-base, sem demanda por lote adicional.
O ponto é que grande parte dos Fiagros é composta por CRAs de produtores rurais ou de cooperativas, revendedores de insumos e frigoríficos, ou seja, nomes distantes dos já conhecidos pelo mercado, tal como as grandes corporações do agro de capital aberto. O próprio advento desse fundo teve apor trás a lógica de levar o capital para nomes antes de fora do mercado de capitais.
De acordo com o estudo da Bloxs, seis Fiagros têm papéis de dívida da Agrogalaxy, a maior exposição entre os outros CRAs de empresas que pediram proteção à Justiça contra seus credores. Ao entrar com uma RJ de R$ 3,7 bilhões, a companhia tinha R$ 700 milhões em CRAs emitidos.
No levantamento da Bloxs, foram considerados 27 Fiagros listados na B3Cotação de B3, capturando os mais líquidos. Eles possuem cerca de R$ 10 bilhões de patrimônio líquido. Como as posições inadimplidas desses fundos somam aproximadamente de R$ 179 milhões, há 1,8% do patrimônio dos Fiagros enfrentando alguma situação de calote.
A fatia ainda é pouco representativa, mas há muitos casos em que os CRAs estão conseguindo flexibilização, ou seja, os gestores estão optando em não acelerar a dívida, por entenderem se tratar de uma crise pontual. Com isso, esses casos não são considerados inadimplência e, por isso, não compõem o dado.
Ainda na semana passada, mais uma empresa do agro entrou em recuperação judicial, o Portal Agro – um fundo apenas tinha exposição ao papel, mas foi uma nova RJ a chamar a atenção. Há outros casos no ano de recuperação judicial no setor. Ao CRA do Grupo Castilhos há três Fiagros expostos, ao do Grupo Mitre (referente ao Elisa Agro) e Três Irmãos, são dois em cada; a Schekel e Piva, um fundo comprado em cada, ainda de acordo com a Bloxs.
Isso não quer dizer que a exposição não tenha sido maior, visto que muitos Fiagros venderam os papéis problemáticos no mercado, especialmente para fundos especializados em situações especiais, conhecido como “special sits”, que vêm tendo forte crescimento no país.
A crise no agronegócio é explicada por uma série de fatores. Preço em queda das commodities, alta de juros, aumento do valor dos fertilizantes desde a eclosão na guerra na Ucrânia e questões climáticas funcionaram como uma tempestade perfeita contra o setor. E, no pano de fundo, os produtores rurais, no geral, estão ainda mais alavancados.
Guilherme Sharovsky, responsável pelo estudo da Bloxs, afirma que, nos últimos meses, alguns emissores conseguiram renegociar com seus credores – e saíram, com isso, da lista de inadimplência. Outro gestor de Fiagro, que também preferiu falar na condição de anonimato, afirma que a indústria tem sido ao longo dos últimos meses mais proativa em buscar negociações, exatamente por conta do ciclo de mais desafios do agronegócio.
“Estamos vendo alguma flexibilização em todos os casos, já que nesse período houve uma grande variância de receita, Ebitda e dívida das empresas”, comentou. Um dos casos foi novamente o da Solubio, que conseguiu um “waiver” com esses credores. Segundo ele, isso denota um maior amadurecimento da indústria.
Mesmo assim, a queda do valor das cotas tem ocorrido. Um dos gestores consultados comenta que o investidor não faz distinção de qual teve problema e acaba saindo dos fundos em geral. Ele diz ainda que existe maior volatilidade no valor das cotas nos produtos com alta exposição a pessoas físicas. Sharovsky, por sua vez, afirma que os números mostram pouco impacto no patrimônio, mas a queda do valor das cotas em bolsa reflete um cenário mais drástico. “Essa precificação não é racional”, afirma.
Segundo dados da B3Cotação de B3, hoje o patrimônio líquido total da indústria é de R$ 11,8 bilhões, considerando o último dado divulgado, em agosto. Ao todo são 548,4 mil investidores, sendo que a vasta maioria é de pessoas físicas – 547 mil -, em grande parte atraídas pela isenção de Imposto de Renda.
Sharovsky afirma, por outro lado, que é natural que o caso da Agrogalaxy tenha chamado atenção, levando a uma fuga de pessoas físicas do papel. De acordo com ele, as carteiras do Fiagro são muito diversificadas, não só em nomes, mas em regiões e setores e que a queda vista dos fundos hoje é maior do que as projeções de perdas.
A Agrogalaxy, segundo ele, não era vista como um caso de risco, até mesmo por ser uma empresa listada. Dentre os Fiagros que tinham o seu papel, os fundos não eram “high yield”, com um maior risco embutido. Com isso, os investidores mais conservadores venderam suas posições. “Vai demorar um pouco até que o investidor selecione os fundos que deram problema e o mercado se estabilize”, avalia um dos gestores.
Marianne Moraes, gestora de fundos de crédito privado na Inter Asset, vê o caso como um teste importante para a classe. “Faz parte do processo de amadurecimento, porque ainda existe desfuncionalidade em relação ao conhecimento do investimento.”
A Inter Asset, diz Moraes, mudou sua forma de avaliação das emissões e agora olha não só garantias oferecidas, mas também capacidade de repagamento. Ela frisa, porém, que o governo tem cada vez menos capacidade de investir nesses setores que exigem recursos de longo prazo, caso da infraestrutura, ou constante, no caso do agro. “O Brasil está muito bem posicionado nesse segmento e vai demandar muito investimento, mas consciente, com conhecimento das especificidades do setor”, afirma Moraes.
O sócio de mercado de capitais do VBSO Advogados, José Alves Ribeiro Júnior, aponta que os casos, apesar de grandes, são pontuais, mas existe uma aversão agora porque o investidor pessoa física ainda tem a percepção de que a renda fixa é livre de risco. Ele lembra que desde a lei que regulamentou os Fiagros – e permitiu fundos que emulam fundos de direitos creditórios (FIDC), imobiliários e de participação – os que mais têm crescido são os que compram “papel”, ou seja, os CRAs. E esses papéis, por se tratarem de crédito privado, observam um aumento de casos de inadimplência a depender do ciclo econômico.
A Elisa Agro afirmou, em nota, que direcionou todos os esforços para solucionar as dívidas antes de recorrer à RJ. Solubio e Agrogalaxy não comentaram. Três Irmãos, Portal Agro, Castilhos, Schekel, Piva e Jotabasso não retornaram ao contato do Valor.
Fonte: Valor Econômico

