Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
29/05/2023 05h00 Atualizado há 5 horas
O desempenho “bastante robusto” dos indicadores de atividade, combinado à revisão para cima na safra agrícola, desencadeou uma elevação significativa na projeção de crescimento do Citi para o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2023, de 0,3% para 1%.
O Citi espera alta de 1,1% para o PIB do primeiro trimestre, na comparação com os três meses imediatamente anteriores. “Isso puxou bastante nossa projeção, porque o ponto de partida fica bem melhor”, afirma Leonardo Porto, economista-chefe do Citi Brasil.
“Todo mundo já sabia que a agropecuária seria forte, mas vai ser mais forte ainda por causa das revisões para cima de safra”, diz. Isso, segundo ele, é um “efeito temporário de crescimento”. Mas mesmo os dados sobre a atividade em fevereiro e, principalmente, março sem considerar o agro surpreenderam de forma generalizada para cima, segundo o economista.
Porto destaca que o setor de serviços deve crescer 0,2% no primeiro trimestre, na margem, o que é praticamente a mesma taxa vista no quarto trimestre de 2022. “A gente tinha na conta que o processo de desaceleração dos serviços, que vem acontecendo sistematicamente, não seria interrompido, mas, aparentemente, foi”, afirma.
O mercado de trabalho também parou de piorar, observa Porto. “Ele vinha enfraquecendo desde o terceiro trimestre do ano passado e no primeiro trimestre deste ano estagnou. A taxa de desemprego parou de subir.”
Quanto dessa pujança da atividade “contamina” demais trimestres precisa ser analisado, segundo o economista. “O que temos visto é uma resistência do canal de consumo das famílias, sobretudo de serviços. Nosso time global tem colocado isso para os diversos países, e a razão pode ser o que estamos chamando de ‘euforia pós-pandemia’”, afirma Porto.
O Citi global calculou, para grandes economias, um “excesso de poupança” da pandêmico da ordem de 5% a 6% do PIB – Estados Unidos com 6%, Reino Unido e zona do euro com 8% e Japão com quase 10%, por exemplo. A equipe do Citi Brasil estimou para o país algo em torno de três pontos percentuais do PIB de “excesso de poupança” entre 2020 e 2022.
“A questão é se a gente vai consumir isso. Segundo o time global do Citi, a economia americana já começou a gastar, cerca de 40%, mas Reino Unido, zona do euro, Japão e Brasil ainda não conseguiram consumir”, afirma.
Por ora, o Citi Brasil revisou levemente sua projeção de PIB no segundo trimestre, para ligeira queda de 0,1%. “Grosso modo, ainda achamos que o primeiro trimestre vai consolidar quase todo o crescimento do ano”, diz Porto.
Ele manteve sua projeção de inflação para o Brasil em 5,5% ao fim deste ano, abaixo do consenso (5,8% no último boletim Focus), mas reconhece que os riscos de um processo de desinflação mais gradual são crescentes, por causa da atividade resiliente.
Há, segundo o economista, um descolamento da inflação de itens comercializáveis. “Em moeda corrente, o real, o IC-Br [Índice de Commodities – Brasil], do Banco Central, está caindo quase 13% em 12 meses; o IPA [índice de preços ao produtor] está caindo quase 5%; mas o IPCA de comercializáveis está subindo perto de 6%. Ou seja, há um problema no canal de transmissão do atacado para o varejo”, explica Porto.
Uma hipótese, segundo ele, é que a própria atividade mais forte esteja levando a isso, já que, diante de uma demanda aquecida, as empresas podem sustentar preços mais altos e recompor margens. “Além disso, a inflação de não-comercializáveis é altamente dependente do estado da economia e eu estou falando que o PIB vai ser mais forte”, acrescenta.
O cenário, diz Porto, impõe cautela à política monetária. Apesar de não ter alterado sua projeção de Selic em 12,25% ao fim deste ano, com cortes apenas a partir do quarto trimestre, o Citi reconhece que também neste caso os riscos de um ciclo de flexibilização ainda mais posterior aumentaram.
Uma reancoragem das expectativas de inflação, a depender do que acontecer com as metas após a reunião de junho do Conselho Monetário Nacional (CMN), pode ajudar a política monetária, pondera Porto.
Além do debate sobre as metas, após a esperada aprovação da nova regra fiscal, na avaliação dos Citi, os investidores devem voltar suas atenções para as fontes adicionais de receita capazes de sinalizar sustentabilidade do resultado primário e da dívida pública. “Nas nossas contas, um primário zerado em 2024 depende de receitas extras em torno de um ponto percentual do PIB”, estima Porto.
No sentido contrário, no entanto, o governo anunciou isenção tributária temporária para o setor automotivo. “Parece que haverá algum tipo de renúncia fiscal, o que afeta a trajetória de arrecadação. Por mais que isso possa trazer uma venda de carros mais forte, geralmente, não se compensa”, afirma.
Além disso, diz Porto, a medida é um estímulo fiscal, o que, no fim, pode aumentar a renda disponível das famílias, pressionar a inflação e, eventualmente, fazer com que o BC precise segurar a Selic por mais tempo. Sem entrar no mérito se deve ou não ser feito, pode ter um impacto de queda da inflação no curto prazo, mas que, no médio-longo prazo, cria mais resistência para a inflação cair.”
Fonte: Valor Econômico

