“Fábricas de moléculas” impulsionam o campo da biologia sintética e aumentam as esperanças para o desenvolvimento de medicamentos e outros produtos
Por Michael Peel e Clive Cookson, Financial Times — Londres
Cientistas romperam um “impasse evolutivo” ao utilizar a engenharia genética para criar micróbios com potencial para desenvolver uma vasta gama de novos produtos, que vão desde medicamentos até detergentes e plásticos para uso doméstico.
Os pesquisadores do Medical Research Council Laboratory of Molecular Biology (Laboratório de Biologia Molecular do Conselho de Pesquisa Médica), em Cambridge, utilizaram elementos químicos básicos que não ocorrem no código genético de organismos vivos para reprogramar células bacterianas e torná-las fábricas miniaturizadas com capacidade de sintetizar novas substâncias.
Esse trabalho é o avanço mais recente no campo da biologia sintética, em que tecnologias que vão da inteligência artificial à edição genética são usadas para explorar o desenvolvimento de novos materiais.
“Ninguém jamais foi capaz de construir esses tipos de moléculas e mudar sua sequência genética da forma como conseguimos fazer”, disse Jason Chin, o líder do projeto, que tem a expectativa de que sua maior aplicação comercial seja em produtos farmacêuticos, em um futuro próximo. “Agora teremos uma fase de descobertas que se basearão em ter esta tecnologia – e ver o que ela pode realizar.”
A ideia das chamadas fábricas de moléculas é usar o poder do mecanismo básico de sustentação da vida, no qual as células fabricam produtos bioquímicos constantemente. A pesquisa reprograma partes redundantes do código genético para instruir a célula a sintetizar novos materiais, ao mesmo tempo em que ainda lhe permite produzir todas as proteínas de que necessita para continuar viva.
As últimas pesquisas, publicadas na revista “Nature”, na quarta-feira, baseiam-se em trabalhos anteriores do grupo de Chin para romper o que o artigo chama de “impasse evolutivo”.
Antes, a funcionalidade dos micróbios modificados era limitada porque seu DNA só podia ser reprogramado para produzir um pequeno número de aminoácidos – os elementos básicos de formação das proteínas.
Todas as proteínas naturais são formadas a partir de unidades chamadas de L-alfaaminoácidos. O grande avanço da equipe de Chin foi modificar a bactéria Escherichia coli (E. coli), encontrada normalmente no intestino dos seres humanos, de forma que seus genes produzissem outros elementos básicos “não canônicos”, como beta-aminoácidos e beta-hidroxiácidos, o que poderia estimular o desenvolvimento de uma vasta gama de novos polímeros.
Entre os polímeros, que são compostos por cadeias de elementos químicos básicos semelhantes, há materiais utilizados de maneira bastante generalizada, como o policloreto de vinila (o PVC), o Teflon e o Kevlar, assim como moléculas biológicas e enzimas.
Cientistas disseram que no longo prazo a tecnologia também tem um potencial considerável para a produção de novas substâncias em escala para medicamentos como antibióticos.
Para Ben Davis, professor de biologia química da Universidade de Oxford, o trabalho do grupo de Cambridge começou a “abrir uma porta para o uso quase ilimitado da reprogramação” no campo da biologia.
“Tenho a forte impressão de que isso é apenas a ponta do iceberg do que eles vão descobrir”, acrescentou Davis, que não esteve envolvido na pesquisa.
O Medical Research Council apresentou um pedido de registro de patente com base no trabalho mais recente da equipe. O mais provável é que a propriedade da patente fique com a Constructive Bio, uma empresa formada a partir do Laboratory of Molecular Biology em 2022, com um financiamento inicial de US$ 15 milhões, destinada a comercializar os resultados das pesquisas da equipe de Chin.
Fonte: Valor Econômico