Essa frase abriu o discurso de Jerome Powell, presidente do Fed, no evento anual de Jackson Hole. Mais direto, impossível. O mundo esperava, desde o fim do ano passado, essa indicação de queda de juros nos EUA. A inflação americana teimava em circundar os 3% ao ano (agora em ritmo decrescente), acima do objetivo informal de 2% ao ano. Além disso, a atividade continuava pressionada, com taxa de desemprego próxima a 4%. Pairavam sempre as dúvidas. Quando o aquecimento irá parar de impactar sobretudo a inflação de serviços? Teremos um “pouso forçado”, “suave” ou um “não pouso” da economia?
Mas os mercados são ciclotímicos, passam da euforia à depressão (e vice-versa) rapidamente. O medo da recessão emergiu com um “payroll” mais fraco, indicadores econômicos (os ISMs como exemplo) para baixo e resultados trimestrais piores (sobretudo de empresas de tecnologia), trazendo um começo de pânico aos investidores, sobretudo a partir da constatação de que Europa e China não contribuem como antes para o crescimento mundial. A pergunta: Será que o Fed ficou “atrás da curva” e a economia do EUA enfrentará um tombo?
Dados recentes, porém, reduziram um pouco esse temor. Depois das declarações de Powell, o mercado passou a precificar 75% de chances de um corte de 0,25 ponto percentual e 25% para uma redução de 0,5 ponto na próxima reunião. Pouco provável que o Fed seja tão agressivo, deve decidir por 0,25 ponto de queda. O Banco Central Europeu e o da Inglaterra também devem continuar o afrouxamento.
Interessante que, enquanto se questiona a autonomia do Banco Central no Brasil, o Fed irá reduzir juros seis semanas antes da eleição presidencial nos EUA. É o ciclo econômico se negando a se ajustar ao ciclo político. Como seria isso interpretado por aqui?
No Brasil, o IPCA, em todas as janelas de tempo, está correndo acima da meta: corrente de 12 meses atingindo 4,5% (inflação de serviços como destaque negativo); expectativa no Focus para 2024 em 4,26%; para 2025 em 3,92%; e para 2026 em 3,60%. No último Relatório de Inflação, o modelo do BC indicava IPCA de 3,2% ao ano no horizonte relevante (com a Selic mantida constante em 10,5% ao ano).
Não bastassem a inflação corrente elevada e a desancoragem das expectativas, a atividade vem surpreendendo para cima, com o mercado de trabalho firme (Caged criando 200 mil empregos por mês e taxa de desemprego em 6,2%), estímulo fiscal com programas de transferência de renda, pagamento de precatórios e melhora em crédito. Tudo isso leva a projeção do PIB a já rodear 3% ao ano em 2024 (alta importante pelo quarto ano consecutivo).
Inflação fora da meta em qualquer horizonte, economia aquecida e riscos assimétricos. No livro-texto do sistema de metas, tal quadro receita uma alta de juros. Para completar, discursos recentes de membros do BC, de que “os juros terão que subir, se assim for necessário”, completam o quadro de preparação para um aperto de política monetária. Seria contraproducente a teoria de que o “BC fala grosso para não ter que fazer”. Essa estratégia poderia virar um tiro pela culatra no futuro.
Leio muitos economistas escreverem que “não é uma questão de se ganhar credibilidade”. Discordo. Estamos em um país em que a política fiscal, se não é deletéria, caracteriza-se pela péssima qualidade dos gastos. Sobra a política monetária, e qualquer desconfiança gera pressão no real, o que só realimenta a inflação. O próprio BC reconheceu um “pass-through” no câmbio de 9%. Além disso, ficou na memória aquele placar de 5 x 4 no Copom de maio.
A indicação do nome de Gabriel Galípolo para a presidência do BC e o “timing” foram corretos. Resta o Copom fazer o seu trabalho. Isso certamente derrubará os juros longos, que é a variável que mais importa para a atividade econômica.
Quem acredita em um processo de valorização do real se esquece que as operações de “carry trade” usando o iene japonês foram maciçamente realizadas nas últimas décadas. É otimista achar que o processo de reversão já se encerrou em apenas seis meses. Trata-se de uma pressão constante. O espasmo de apreciação recente ocorreu exatamente pela confiança na elevação da Selic. Se o BC não subir o juro já, a situação do câmbio tende a piorar novamente, mesmo com intervenções.
O argumento político – “subir juros seria ruim para o governo” – cai por terra com a constatação de que, com o IPCA controlado, a Selic poderia voltar a cair no meio de 2025, beneficiando o ciclo de eleição de 2026.
“Chegou a hora de ajustar a política monetária” – a frase de Powell serve para o Brasil também. A meta de inflação determinada pelo Conselho Monetário Nacional é de 3% ao ano. Não existe centro da meta, existe meta. Cabe ao BC usar os instrumentos que controla para cumpri-la. O Copom deve iniciar um curto ciclo de aperto, subindo a Selic em 0,25 ponto. Isso será benéfico para os mercados e para o Brasil, com o real e a bolsa reagindo positivamente.
Alexandre Póvoa é estrategista da Meta Asset Management
E-mail: alexandre.povoa@metaam.com.br
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Fonte: Valor Econômico

