/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/d/D/5YaDF9SZSigTJTO8DsKg/arte20bra-101-boletim-a7.jpg)
O primeiro trimestre do ano trouxe boas notícias sobre a economia. Mas elas não devem durar muito tempo, alerta o Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Na edição de junho, o boletim considera para o segundo trimestre efeitos negativos do desastre no Rio Grande do Sul, apesar de esperar rápida recuperação devido aos pacotes governamentais. A projeção é de crescimento de 0,5% do PIB no segundo trimestre, ante o primeiro. E de alta de 2% na comparação com o mesmo trimestre de 2023.
Somam-se a esses efeitos a perda de fôlego da confiança do consumidor e de empresários, uma inflação resiliente e expectativas cada vez mais desancoradas.
Na introdução do documento, Armando Castelar e Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro, afirmam que o cenário de curto prazo tem se mostrado relativamente benigno, por causa de indicadores de atividade, inflação e contas externas.
“O resultado do PIB para o primeiro trimestre confirmou um começo de ano forte para a atividade econômica, com elevado crescimento da demanda doméstica e contribuição negativa da demanda externa”, afirma.
“O aumento expressivo da renda disponível das famílias explica em grande medida esse resultado das contas nacionais, devido não apenas ao mercado de trabalho resiliente, mas também às diversas políticas de transferência de renda.”
O FGV Ibre acrescenta que, no período, houve crescimento bastante positivo do investimento, de 3,7%. Mas chama atenção para a sustentabilidade da recuperação do investimento.
“Os dados referentes ao mês de abril apontam para alguma desaceleração da atividade à frente”, afirma o documento, ao acrescentar a diluição do impacto do pagamento de precatórios e os efeitos negativos da tragédia no Rio Grande do Sul.
“A questão é que há aspectos positivos da economia brasileira que não estão sendo tão aproveitados. Temos a recuperação do investimento, mas com cautela”, diz Matos. “E a expectativa é que maio seja ruim no que diz respeito à atividade.”
A seção sobre expectativa de empresários e consumidores mostra que em maio a confiança do consumidor caiu quatro pontos, refletindo a influência das enchentes no Sul do país.
A confiança empresarial ficou praticamente estável, com queda de 0,2 ponto, diante dos efeitos das enchentes concentrados em algumas atividades.
“A tendência de retomada da confiança observada até o mês anterior está, agora, posta em dúvida, não apenas pelo ocorrido no Sul, mas também pela incerteza macroeconômica, principalmente quanto à questão fiscal, que tem voltado a crescer”, alerta o boletim, ao frisar que dados prévios de junho sugerem novas quedas.
Segundo os economistas Aloisio Campelo e Rodolpho Tobler, os resultados de maio deixaram dúvidas quanto à tendência de recuperação da confiança que vinha sendo observada até o mês anterior.
“Os impactos das chuvas no Sul seguraram o ímpeto de crescimento desses índices e tornaram mais incerta sua evolução para os próximos meses”, escrevem.
As chuvas também impactaram a inflação, levando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) a 0,46% em maio, acima das expectativas de mercado. A alta foi puxada pelo aumento de 0,66% nos preços dos alimentos.
De um lado, dados preliminares indicam que a tragédia no Sul continuará a influenciar o IPCA nos próximos meses. Do outro, a projeção mediana do relatório Focus continua subindo e aponta para alta de 4% nos preços ao consumidor neste ano.
Diante desses e outros sinais, o Boletim Macro questiona se o cenário positivo que tivemos no primeiro trimestre se sustenta no curto e médio prazo.
“A resposta parece ser não, a julgar pela evolução recente do preço dos ativos brasileiros, assim como pela saída de capitais do país, como refletido no saldo negativo do movimento de câmbio no segmento financeiro”, afirma o texto.
“Em especial, a escalada da taxa de câmbio para valores em torno de R$ 5,40 por dólar, junto com o expressivo deslocamento da curva de juros para cima, é sinal claro de preocupação com a trajetória à frente da economia brasileira.”
O FGV Ibre observa que, em parte, isso reflete o cenário externo de dólar forte, com os Estados Unidos se mantendo como grande polo de atração de capitais diante de taxas de juros mantidas em patamar alto pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e atividade econômica resiliente.
Além disso, alerta, esse movimento foi amplificado por questões fiscais e políticas domésticas.
“Estamos em um momento que para se ter qualquer solidez no aspecto positivo tem de haver sustentabilidade fiscal”, afirma Matos. “Estamos perdendo a oportunidade de manter o cenário [positivo] da atividade econômica aliado ao controle da inflação.”
Na seção sobre política monetária, José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV Ibre, afirma que a estratégia governo de “aumentar gastos públicos e correr atrás de receita não se sustenta”. “Precisa ser alterada”, defende o economista.
Senna acrescenta a necessidade de apoiar a postura mais contracionista do Banco Central para que a inflação – e suas expectativas – caiam.
O movimento de juros reais de mercado subindo há um tempo mostra que houve certa leniência do mercado em relação ao governo, mas isso acabou, na visão de Matos.
“Havia o benefício da dúvida, mas agora o perdemos e o cenário é o contrário. Há muito ceticismo em relação ao governo e [uma sensação de] perda de oportunidade”, diz.
“O governo achou que estava com o jogo ganho, que já havia feito um gol, mas há vários tempos nesse jogo. A primeira fase foi conseguir aumentar a arrecadação. E, como diz o economista Manoel Pires, o ajuste fiscal não pode ser muito rápido porque é impossível, a sociedade não aceita, nem muito lento de modo que ninguém consiga visualizar em termos prospectivos.”
No boletim, Pires, que é pesquisador associado do FGV Ibre e coordena o Observatório de Política Fiscal e o Núcleo de Política Econômica, afirma que a meta fiscal estabelecida para 2024 pelo governo parece cada vez mais difícil.
“Há grande dependência de receitas ainda muito incertas, e a tragédia do Rio Grande do Sul deve causar uma perda de arrecadação não desprezível”, escreve. “A falta de medidas viáveis para colocar um freio na trajetória insustentável dos gastos públicos inviabiliza que um cenário mais benigno se concretize.”
“Os heterodoxos acham que dá para ter déficit e reduzir os juros na marra. Mas, quando se desvia da rota [de consolidação fiscal], o custo depois é muito alto, os preços dos ativos mudam, os juros também, e a inflação se mostra muito mais persistente”, argumenta Matos.
“Todo esse discurso [do governo] de avaliação de gastos começa a reverberar. [Mas, por ora,] estamos pagando uma conta excessiva, perdendo oportunidades. Não dá para imaginar um cenário otimista sem uma mudança de verdade da trajetória fiscal.”
Fonte: Valor Econômico

