Por Gabriel Roca, Valor — São Paulo
19/09/2023 17h47 Atualizado há 16 horas
Ainda que o BNP Paribas espere uma leve recessão nos Estados Unidos no início do ano que vem, a probabilidade de a maior economia do mundo se manter aquecida – hipótese chamada de “no landing” pelo mercado – não é baixa e tampouco pode ser descartada. No caso da concretização deste cenário alternativo, a manutenção de juros mais elevados em solo americano traria efeitos importantes para os países da América Latina, em especial sobre a capacidade dos bancos centrais da região de estenderem seus ciclos de afrouxamento monetário para além das marcas de um dígito.
A visão foi compartilhada pelo chefe de pesquisa para América Latina do BNP Paribas, Gustavo Arruda, na divulgação do cenário trimestral da instituição francesa. “O ‘no landing’ é provável, ainda que não seja o cenário-base. Se acabar se concretizando, os juros teriam que se manter mais altos nos Estados Unidos já que, se atividade não desacelera e a inflação continuar pressionada pela atividade econômica, o juro não cai também”, afirma.
Neste caso, segundo Arruda, a discussão nos países da América Latina passaria a ser qual é o tamanho do orçamento dos cortes de juros para os bancos centrais da região. “Quão mais baixo eu consigo ter o juros, em reais, se o juro americano está por volta dos 5% em dólares? Esse debate vai ser bastante importante nos próximos trimestres”, aponta o economista.
Na visão de Arruda, o termômetro de equilíbrio desta equação se dará por meio das moedas. “O equilíbrio vai ser o câmbio. Se os BCs cortarem demais, pode ser que vejamos as moedas perdendo valor. Já vimos alguns exemplos, como o Chile, que cortou 100 pontos-base e depois precisou ajustar o ritmo para 75 pontos-base”, afirma.
Para o economista, se a economia americana não desacelerar e o juro neutro – a taxa que não estimula e nem freia a atividade econômica – se provar mais alto nos Estados Unidos, é provável que as taxas nos mercados emergentes também precisem ser mais elevadas. “O juro neutro nos países emergentes precisa ser o juro neutro dos países desenvolvidos e mais um prêmio. Para que o investidor estrangeiro traga recursos para uma economia emergente, ele precisa ser recompensado pelo risco. Pagando um prêmio parecido, a tendência é manter esse dinheiro em casa”, aponta.
Segundo Arruda, as preocupações relacionadas à escalada nos juros dos Estados Unidos, inclusive, devem se sobrepor no curto prazo à possibilidade de desaceleração econômica da China. “Pensando no cenário global, acreditamos que, nos próximos 3 a 6 meses, o Brasil deve ser mais impactado pelo canal financeiro, via elevação dos juros nos Estados Unidos, do que pelo canal comercial com a China”, diz.
Mesmo que a possibilidade de um “no landing” esteja no radar do BNP Paribas, o cenário-base do banco é o de uma leve recessão nos EUA no início do ano que vem, que deve custar aproximadamente 0,5 p.p do PIB americano. Caso o cenário se confirme, os cortes nos Estados Unidos poderiam começar no primeiro ou no segundo trimestre de 2024, mas, devido à convergência lenta da inflação à meta, os juros só devem retornar ao território neutro no fim de 2024 ou início de 2025.
Assim, os bancos centrais da América Latina ganhariam um pouco mais de tranquilidade para dar prosseguimento aos seus ciclos de afrouxamento monetário. No Brasil, a projeção do BNP Paribas é que a Selic alcance os 8,5% entre junho e agosto e que a taxa fique estacionada neste patamar até o fim do ano. “Dado o que está acontecendo no mundo, por outro lado, esse 8,5% podem se provar baixos demais, e poderemos ver o juro subindo novamente em 2025”, afirma.
De qualquer maneira, não será um 2024 fácil para economias emergentes. Com a projeção de leve recessão dos Estados Unidos no início do ano, de uma estagnação na economia da zona do euro e um crescimento mais fraco na China, os três grandes motores da atividade global não corroboram para um quadro favorável para economias emergentes.
Fonte: Valor Econômico

