Internações na faixa etária no SUS foram de 1,7 caso por 100 mil habitantes em 2000 para 4,8, em 2022, diz levantamento; aumento de obesidade é um dos fatores apontados
- O Estado de S. Paulo.
- 13 Jan 2025
- VICTÓRIA RIBEIRO
Internações no SUS nessa faixa etária passaram de 1,7 caso por 100 mil habitantes, em 2000, para 4,8 em 2022.
Foi em uma tarde de sexta-feira, na piscina da academia, que o coração de Ricardo Bailoni, então com 36 anos, parou. Até ali, não havia sinal claro de que algo estivesse errado, a não ser um cansaço persistente ao longo da semana – que foi facilmente associado à rotina de trabalho. “Eu estava esperando a professora passar os exercícios e, de repente, apaguei. Quando abri os olhos, estava em uma maca, a caminho da ambulância, e alguém me disse: ‘Você enfartou’”, recorda.
Segundo Bailoni, o enfarte não foi fatal porque a academia possuía os equipamentos necessários e profissionais treinados para lidar com emergências como aquela. “Logo que apaguei, me tiraram da piscina, secaram, e utilizaram um desfibrilador. Foi questão de minutos. Precisei de dois choques para voltar”, detalha.
Desde o ocorrido, Bailoni, que é analista de sistemas, é acompanhado pelo cardiologista Fabrício Assami, do Hospital Santa Paula, em São Paulo. Conforme o médico, o enfarte ocorre quando uma parte do coração “morre” devido ao bloqueio de fluxo sanguíneo, geralmente ocasionado pelo acúmulo de placas de gordura nas artérias. No caso do analista, hoje com 47 anos, esse bloqueio aconteceu na artéria descendente anterior, responsável por bombear a maior parte de sangue ao coração.
Por essa região ter sido comprometida, Bailoni utiliza hoje um desfibrilador implantado ao coração para impedir outros eventos cardiovasculares. O aparelho é responsável por captar irregularidades e aplicar choques automaticamente para restabelecer o ritmo cardíaco. Tudo isso, diz o analista, não só envolve impactos físicos, mas psicológicos. “Quando você vê a morte de perto, é difícil superar o medo de que aconteça novamente.”
É consenso entre especialistas que o enfarte é mais comum em pessoas acima dos 40 anos. Mas também é crescente a percepção de que casos têm sido mais frequentes abaixo dessa faixa etária. Os números confirmam: um levantamento do Estadão, com base em dados do Ministério da Saúde, mostra que internações de pessoas abaixo de 40 anos em decorrência de enfarte passaram de 1,7 caso por 100 mil habitantes em 2000 para 4,8 em 2022 – alta de 184%.
Observando as internações de pessoas entre 35 e 39 anos, o aumento foi de 93,5%, passando de 9,3 casos por 100 mil habitantes para 18. Em idades ainda mais atípicas, o aumento também foi observado: em jovens entre 25 e 29 anos, por exemplo, a quantidade mais que triplicou, passando de 1,43 casos por 100 mil habitantes para quase 5 casos por 100 mil.
O levantamento só considera internações no sistema público de saúde. Embora os usuários exclusivamente dependentes do SUS sejam cerca de 75% da população, a cardiologista do HCor, Suzana Alves, alerta para possível subnotificação. “Mais do que números, estamos observando esse aumento na prática médica diária. Analisar os dados da rede pública já nos permite observar essa tendência, mas é impossível ignorar que o número real deve ser ainda maior, já que uma parcela significativa da população utiliza o sistema de saúde suplementar.”
FATORES. Segundo especialistas, vários fatores explicam o cenário atual, com destaque para a predisposição genética e o aumento da obesidade. A obesidade afetava 34% dos adultos brasileiros em 2024, segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em 2019, diz a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), esse índice era de aproximadamente 20%, o que representa aumento de cerca de 70% em apenas cinco anos. “Quanto maior o nível de obesidade ou sobrepeso, maior o risco de desenvolver hipertensão, colesterol elevado e outras condições associadas. Esses fatores de risco cardiovascular, quando combinados, podem danificar as artérias e favorecer a formação de placas de gordura”, diz Antônio Amorim, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
Os especialistas ainda apontam que vivemos numa era marcada por “armadilhas” no estilo de vida. Nesse contexto, destacam-se estresse, má alimentação e sedentarismo. “A pessoa acorda cedo, enfrenta horas no transporte público até o trabalho, acumula estresse ao longo do dia e, sem tempo, recorre a alimentos ultraprocessados, ricos em sódio e gordura. Isso se soma à falta de exercícios, muitas vezes devido às longas horas passadas no trabalho, criando um ciclo que prejudica a saúde do coração”, afirma Assami.
No caso de Bailoni, o sobrepeso e os hábitos de vida tiveram grande influência no enfarte. “Sempre estive acima do peso, não por comer demais, mas pelo meu metabolismo. Meu trabalho também exige que eu passe o dia todo sentado, sem me movimentar”, conta. “Naquele período, tentei a natação, mas estava sedentário fazia tempo, com uma alimentação ruim, optando por alimentos rápidos como congelados, hambúrgueres…”
COVID- 1 9. Suzana Alves, do HCor, analisou a proporção de internações por enfarte no SUS em relação ao total de hospitalizações por todas as causas. Em 2010, para cada 100 mil internações, 45,2 eram de pessoas com menos de 40 anos que haviam tido enfarte. Esse número subiu para 93,7 em 2022. Até 2019, o aumento das internações por enfarte entre os jovens acompanhava o crescimento nas faixas etárias mais avançadas. No entanto, a partir de 2019, o aumento entre os jovens passou a ser o dobro do registrado entre as pessoas com mais de 40 anos.
Para a cardiologista, esse salto mostra que o cenário pode estar ligado à covid-19. Uma possível explicação para essa relação tem a ver com o fato de que muitas pessoas carregam placas de gordura nas artérias que, em situações normais, seguem estáveis por anos. Porém, diz Suzana, em um quadro inflamatório, como o causado pelo coronavírus, essas placas podem se romper, interrompendo o fluxo sanguíneo e desencadeando um enfarte.
“Situações semelhantes ocorrem em quadros agudos de gripe, herpes, pneumonia e outras doenças inflamatórias. A diferença é que a covid-19 infectou um número muito elevado de pessoas em um curto intervalo de tempo, o que pode ter intensificado a tendência de aumento de enfartes em idades consideradas atípicas.”
O enfarte em jovens tem características distintas e, muitas vezes, é mais grave, diz o cardiologista Marcos Knobel, do Hospital Israelita Albert Einstein. Com o avanço da idade, é comum que os vasos sanguíneos sofram obstruções progressivas por placas de gor
“Eu estava esperando a professora passar os exercícios e, de repente, apaguei. Quando abri os olhos, estava em uma maca, a caminho da ambulância”
Ricardo Bailoni
Analista de sistemas
dura, o que é capaz de proporcionar uma certa proteção, pois, com o tempo, o corpo desenvolve uma rede de vasos sanguíneos alternativos, chamada circulação colateral. “Esses novos caminhos funcionam como um ‘plano B’. Em caso de obstrução, eles garantem que o sangue continue chegando ao coração – algo que os jovens não têm tempo de desenvolver”, diz o médico. •