Estudos se debruçam sobre o potencial do cultivo de cânhamo para a recuperação de solos e captura de carbono
PorAndrea Vialli
A regularização do cultivo de Cannabis sativa no Brasil, além de ampliar o mercado para medicamentos derivados da planta herbácea, poderá trazer benefícios também do ponto de vista ambiental. Estudos realizados a partir de dados de países com cultivo do cânhamo – a variedade com baixo percentual do tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo que causa efeitos psicoativos – apontam para um potencial de captura de gases de efeito estufa (GEE) muito semelhante ao das florestas tropicais. Entre eles, um estudo do pesquisador Darshil Shah, do Centro de Inovação de Materiais Naturais da Universidade de Cambridge, Inglaterra, que estima que o cânhamo cultivado para fins industriais absorve entre 8 e 15 toneladas de dióxido de carbono (CO2) por hectare/ano. Na América Latina, pesquisas que vêm sendo realizadas pelo agrônomo Lorenzo Rolim, responsável pela maior área de produção de cânhamo industrial da região, com quatro mil hectares de cultivo no Paraguai, apontam para um potencial de captura que pode chegar a 25 toneladas de carbono/hectare/ano.
Uma vez regulamentado, o cultivo de cânhamo poderá alcançar 15.080 hectares em quatro anos, o que colocaria o Brasil como um dos principais produtores globais, de acordo com projeção da consultoria Kaya Mind. Nesse cenário, seria possível retirar da atmosfera entre 120 mil e 226 mil toneladas de carbono por ano, a depender das condições climáticas e da avaliação do cultivo em solo brasileiro. “A absorção do carbono ocorre durante o crescimento do cânhamo, que pode atingir até quatro metros de altura em aproximadamente três meses, o que é um período extremamente curto”, diz Luis Quintanilha, CEO da Kanna, startup que une a tecnologia blockchain ao mercado de cânhamo. A empresa criou um token para validar a legalidade e os aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG) do cultivo da cannabis medicinal no Brasil.
Além da absorção de carbono, os benefícios agroecológicos do cultivo de cânhamo incluem a recuperação de solos degradados, além do baixo consumo de defensivos agrícolas e de água para sua produção. No Estado de Kentucky, nos Estados Unidos, as culturas de cânhamo têm sido utilizadas em rotação com milho e soja. O aproveitamento desse potencial depende, contudo, do avanço regulatório no Brasil, que tem sido lento em comparação aos vizinhos – Chile, Colômbia, Paraguai, Uruguai, Equador, Argentina e Peru já têm legislação para o cultivo do cânhamo. No mundo todo, mais de 60 países têm leis sobre o cultivo da cannabis.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite apenas a importação excepcional de insumos à base de cânhamo para fins medicinais, sendo o cultivo realizado apenas com autorização judicial. “Superar essa barreira regulatória é o primeiro passo para que o país possa aumentar o conhecimento técnico sobre a cultura do cânhamo, inclusive sua absorção de carbono e demais benefícios do ponto de vista da sustentabilidade”, afirma Bruno Pegoraro, presidente do Instituto Ficus, que atua pela regulamentação do cultivo de cânhamo no Brasil. Os atributos sustentáveis da cannabis devem ser um dos tópicos a serem estudados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que pleiteia a autorização da Anvisa para cultivar a planta para iniciar um programa de pesquisa. Mais recente Próxima Parcerias pró-descarbonização impulsionam o avanço ambiental
Fonte: Valor Econômico