15 Sep 2023 MARIANA CARNEIRO BIANCA LIMA
Parte da receita será destinada a comitês esportivos, que não serão obrigados a seguir regras para uso de dinheiro.
Por uma iniciativa da Câmara dos Deputados, o Comitê Olímpico Brasileiro, o Paralímpico e os comitês de clubes e confederações desportivas estudantis passarão a receber uma parcela fixa dos impostos federais obtidos com a taxação dos sites de apostas esportivas e cassinos online. Os parlamentares, porém, retiraram do texto da lei um mecanismo que estipulava o controle governamental no uso dessa verba, que é pública.
A taxação dos sites de apostas foi aprovada na noite de quarta-feira na Câmara, e ainda depende de votação no Senado. O projeto regulamenta a atividade, que passará a recolher impostos.
A divisão para uso desses tributos mobilizou deputados e o lobby das entidades do esporte nos últimos dias. Graças à pressão, elas foram incluídas na versão final do texto legislativo, garantindo o recebimento de 1% do total de 18% da arrecadação obtida pelo governo com os sites de apostas.
As entidades beneficiadas, porém, fizeram uma forte campanha para derrubar outro trecho da lei, que estipulava regras para o controle dessa verba, o que gerou um bate-boca entre deputados, inclusive o presidente Arthur Lira (PPAL), durante a votação.
“É o liberou geral. Isso não pode acontecer numa matéria tão importante como essa”, afirmou no microfone do plenário da Câmara o líder do governo, José Guimarães (PTCE). “Eu nunca vi um negócio desses. Se ele for levado à frente, nós vamos vetá-lo.”
Lira também criticou a modificação: “Nós estamos tratando de dinheiro que vai entrar para os cofres públicos. Eu não vou fazer juízo de valor. O plenário tem a sua decisão, mas é muito ruim a possibilidade de não haver fiscalização do dinheiro público destinado”, disse. “É péssimo e passa uma péssima mensagem.”
Pelo texto original do projeto, as entidades deveriam seguir “metas, indicadores e resultados esperados da aplicação dos recursos recebidos”.
LOBBY. O Estadão apurou que o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) liderou o lobby pela retirada das regras de fiscalização, que haviam sido inseridas a pedido da então ministra do Esporte, Ana Moser. Ainda não se sabe se o novo ministro da pasta, André Fufuca (PPMA), encampará a disputa.
O desejo de Moser era monitorar o que esses comitês fazem com a verba pública que já recebem hoje das loterias e que passarão a receber dos sites de apostas. A visão da então ministra era a de que as entidades precisam dialogar com o governo sobre quais projetos são bancados pelos recursos federais.
Em defesa do texto aprovado, o diretor jurídico do COB, Luciano Hostins, disse que as entidades já prestam contas e que o governo não pode dizer em quais atletas ou modalidades deve ser feito o investimento, ainda que seja financiado com verba pública. Segundo ele, o critério usado pelo COB é o da meritocracia, pelo qual as modalidades que têm os melhores resultados recebem uma fatia maior.
“O governo teve essa ideia infeliz de querer dizer onde vamos aplicar o dinheiro. Desculpe-me, mas estamos falando de alto rendimento, e a gente tem de aplicar o recurso conforme o resultado esportivo, conforme o resultado dos atletas. Não é uma política social, que é importante, mas não é ela que vai dizer onde vamos aplicar o recurso”, diz Hostins. “O objetivo institucional do COB e das confederações é o alto rendimento. Quem tem resultado, a gente segue adiante e leva para os jogos. Não tem como levar para os jogos quem não tem índice, quem não se classificou.”
INTERFERÊNCIA. A derrubada da regra de fiscalização foi proposta no plenário da Câmara pelo deputado Felipe Carreras (PSB-PE), alegando aos colegas que haveria uma interferência indevida do governo em entidades que devem ser independentes da política, por determinação do Comitê Olímpico Internacional (COI). “Corre o risco de o Brasil não participar da Olimpíada de Paris, no próximo ano. É um excesso de poder desnecessário, fere a autonomia dos dirigentes das entidades esportivas”, disse o parlamentar.
Ao Estadão, Carreras argumentou que o controle desses recursos é feito pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria-Geral da União e que, caso prosperasse, a nova regra daria poderes excessivos ao Executivo sobre as entidades.
O risco de uma eventual desclassificação para a Olimpíada foi minimizado tanto por membros do governo quanto por parlamentares que tentaram segurar a medida de controle, sem sucesso. Se este fosse o caso, alegam eles, a ideia não teria partido da ex-atleta Ana Moser.
Fonte: O Estado de S. Paulo

