Por Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro, Renan Truffi, Fabio Murakawa, Julia Lindner, Gabriela Pereira e Guilherme Pimenta, Valor — Brasília
06/02/2024 09h45 Atualizado há 12 horas
O clima tenso entre o governo e a cúpula da Câmara dos Deputados teve mais um capítulo nessa terça-feira (6), com o cancelamento de uma reunião de líderes dos partidos da base aliada na Câmara dos Deputados com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se irritou com o fato de o encontro ter sido marcado pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, sem a sua participação, em uma intensificação do processo de fritura do chefe da articulação política. O episódio fez com que aliados dele sugerissem deixar a reunião para depois do Carnaval, na expectativa de que os ânimos se acalmem.
Oficialmente, o encontro foi adiado porque parte dos líderes não foi a Brasília esta semana e outros viajaram após a abertura da sessão de início do ano legislativo. Com o encontro esvaziado, o governo optou por realizar nova reunião entre Haddad e os deputados após o Carnaval e manteve apenas o encontro com os senadores. Nos bastidores, o cancelamento foi solicitado pelos integrantes do Centrão para não passar um ar de normalidade para as relações diante do rompimento de Lira com Padilha.
No dia anterior, durante sessão de abertura do ano legislativo, Lira deu duros recados para o governo: disse que a Câmara não será carimbadora de projetos, exigiu o cumprimento de acordos feitos e defendeu que o Legislativo decida sobre os gastos de uma parte maior do Orçamento. O alvo principal é Padilha, a quem ele acusa de não respeitar acordos com os congressistas para liberação de recursos para suas bases eleitorais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou que R$ 5,6 bilhões sejam utilizados nas “emendas parlamentares de comissão”, que funcionarão de forma parecida com o extinto “orçamento secreto”.
A aliados, Lira reconheceu na terça-feira que pode ter exagerado um pouco no tom e ao usar uma cerimônia pública para fazer a cobrança, mas reiterou que a fala representou o sentimento da maioria da Câmara. No entendimento deles, a cobrança pública deve fazer com que a solução demore mais, para que Lula não pareça estar cedendo “com a faca no pescoço”. O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), disse que haverá a tentativa de que Lula e Lira se encontrem ainda esta semana, mas pessoas próximas do presidente da Câmara afirmaram que o mais provável é que isso só ocorra após a semana do Carnaval por causa de uma viagem de Lula à Etiópia.
A isso somou-se também a proposta do governo, via medida provisória (MP), de revogar o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). Essa política garantiu isenção de impostos para empresas do setor de entretenimento por cinco anos, como auxílio por causa das perdas durante a pandemia, mas Haddad agora diz que há suspeitas de fraudes que fizeram com que a renúncia de receita superasse os R$ 4 bilhões previstos e atingisse R$ 17 bilhões ano passado, segundo a Fazenda. O projeto foi de autoria do Congresso, que quer mais explicações do ministro. Um ato ocorrerá nesta quarta-feira, com centenas de empresários e congressistas, contra a revogação.
Para parlamentares de partidos do Centrão, a solução não deve ser acabar com o benefício, como quer Haddad, e sim aplicar regras mais rígidas para o seu funcionamento com o intuito de garantir que apenas empresas do setor de eventos impactadas pela pandemia sejam contempladas. “Já sugeri uma emenda neste sentido no passado porque eu previa o que eles [governo] estão alegando agora que aconteceu. […] Se gastou mesmo esses R$ 17 bilhões não foi para atender quem realmente precisava ser atendido. Precisa tentar equacionar isso aí”, defendeu o líder do União Brasil, deputado Elmar Nascimento (BA). “Precisa estabelecer regra que exclua quem realmente não foi prejudicado pela pandemia ou teve um prejuízo muito menor, como as locadoras de veículos”, afirmou.
Para distensionar a relação com o Legislativo, Lula resolveu intensificar os acenos a integrantes do Centrão, grupo que é controlado pelo deputado alagoano, mas possui diversas lideranças no Congresso.
Um desses movimentos ocorreu nesta terça-feira, durante inauguração de unidades habitacionais do Minha Casa, Minha Vida em Magé (RJ), na Baixada Fluminense. Lula convidou dois dos nomes do Centrão para subirem ao palanque ao lado dele: os líderes do PP na Câmara, Dr. Luizinho (RJ), e do Solidariedade, Áureo Ribeiro (RJ). Luizinho é visto, inclusive, como uma das alternativas para suceder Lira no comando da Câmara dos Deputados, em eleição prevista para ocorrer no início de 2025, se Nascimento, considerado hoje o favorito de Lira, não se viabilizar.
Na semana passada, Lula já tinha levado de “carona” o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), para acompanhá-lo em agendas políticas no Estado de São Paulo. Eles foram juntos a evento de aniversário de 132 anos do Porto de Santos e, depois, visitaram a fábrica da Volkswagen, em São Bernardo do Campo. Pereira é outro potencial candidato ao cargo.
As tensões entre Câmara e o governo cresceram de tamanho desde o recesso. Líderes do Centrão avaliam que a relação entre Lira e Padilha “chegou ao seu pior momento” e que a estratégia de procurar outros nomes do bloco para conversar pode ajudar o Palácio do Planalto a melhorar o ambiente . A leitura é que Lira está bastante irritado neste momento e que o melhor é aguardar para tentar uma aproximação direta com ele. Está descartada, pelo menos por enquanto, a substituição de Padilha.
Paralelamente, o principal bloco aliado de Lira sofreu uma defecção, com a saída do PSB do grupo liderado por União e PP. Parte do PDT também defende deixar o grupo, o que o igualaria em tamanho ao bloco formado por Republicanos, MDB, PSD e Podemos. “Achamos difícil sustentar uma unidade de bloco nesse nível de tensionamento com o governo”, afirmou o deputado Dorinaldo Malafaia (AP). Outros pedetistas, contudo, rechaçam essa possibilidade. “Está fora da nossa pauta”, negou o líder da bancada, Afonso Motta (RS). Para manter o apoio do partido, voltou a circular a ideia de que o deputado André Figueiredo (PDT-CE) seja nomeado líder da maioria na Câmara no lugar de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Fonte: Valor Econômico

