O uso da biodiversidade como fonte para a criação de produtos e soluções de base biológica ganha cada vez mais espaço no mercado brasileiro. No setor farmacêutico, os medicamentos biológicos movimentaram R$ 48,5 bilhões no ano passado, com alta de 25,9% em relação ao ano anterior, segundo dados do Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No agronegócio, os produtos biológicos agrícolas já movimentam mais de US$ 1,5 bilhão no país, segundo dados da DunhamTrimmer International Bio Intelligence e devem chegar a US$ 3 bilhões em 2030.
Startup do Rio Grande do Sul, a Regenera Moléculas do Mar aposta na biodiversidade oceânica para desenvolver sua plataforma de pesquisa e desenvolvimento, o Banco Regenera. Trata-se de uma coleção com três mil cepas de micro-organismos marinhos, com alto potencial de aplicações no agronegócio, indústria farmacêutica, alimentar, cosméticos, entre outros. “Estamos com um projeto junto à Ecovias Cerrado, que já está chegando à fase de teste de campo, para uso de micro-organismos bioluminescentes na iluminação de rodovias”, conta o sócio-fundador da Regenera, Mário Frota Júnior.
A empresa desenvolve produtos com financiamentos concedidos por grandes indústrias, como Basf, Ambev, Nitro Agro, entre outras. “Estamos trabalhando no desenvolvimento de biopolímeros para a Natura, por exemplo, e em outro projeto, para biolixiviação de metais raros em circuitos eletrônicos de computador”, diz o executivo.
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Entre faturamento direto e recursos de editais de pesquisa, a Regenera gerenciou R$ 70 milhões em projetos nos últimos três anos. Frota Júnior explica que a escolha pelas pesquisas marinhas se deve ao potencial desse bioma. “Além de ter uma área maior para exploração, temos o aspecto evolutivo. Os organismos marinhos são adaptados a altas pressões, baixas temperaturas, salinidade, entre outras variáveis”, afirma. “Além disso, as moléculas ativas produzidas pela vida marinha são naturalmente mais concentradas para que sejam eficazes ao serem diluídas na água.”
“O Brasil tem tudo para ser um polo importante na elaboração de produtos de base biotecnológica”, avalia Marco Antônio Teixeira, CEO da Superbac. “Temos diversidade biológica, base científica e escala para testar as mais diferentes soluções, não apenas para o agronegócio, mas também em diversos processos industriais e em setores como saneamento, por exemplo.”
Com um banco de cinco mil bactérias catalogadas, captadas ao longo de mais de duas décadas, em diversos biomas brasileiros, a empresa conta com três plantas industriais e um dos laboratórios de biotecnologia mais modernos da América Latina. Segundo Teixeira, a Superbac tem um pipeline robusto para lançamento de produtos nos próximos três anos e um catálogo para abastecer pesquisas nas próximas décadas. Entre os projetos está o lançamento de biodefensivos agrícolas com características bivalentes, capazes de combater ao mesmo tempo fungos e nematoides. “São dois problemas graves que identificamos e que atingem várias culturas.”
O mercado brasileiro também é estratégico para a Corteva Agriscience, uma das líderes globais no mercado de biológicos. Segundo Carlos Landerdahl, diretor de marketing para a proteção de cultivos e biológicos da Corteva Agriscience Brasil e Paraguai, os biológicos abrem um novo caminho para encontrar soluções que complementam as tecnologias químicas tradicionais.
Landerdahl conta que a Corteva Agriscience investe US$ 4 milhões por dia, globalmente, em pesquisa e desenvolvimento. O volume inclui todas as soluções da empresa: de sementes a produtos de proteção de cultivos, incluindo os biológicos. A principal inovação é o fixador foliar de nitrogênio Utrisha N, com registro para soja, milho e batata. O produto já foi aplicado em 8 milhões de hectares em todo o mundo, metade deles no Brasil.
“O Utrisha N possui uma cepa única que converte o nitrogênio disponível no ar em nitrogênio amoniacal, melhorando de forma natural sua vitalidade e contribuindo para que a lavoura atinja incremento significativo no seu desenvolvimento e produtividade”, explica Landerdahl.
Com um pipeline global de mais de 30 produtos em desenvolvimento para cultivos extensivos, a Yara Brasil vê os bioinsumos como fundamentais para uma agricultura mais resiliente e de baixo carbono. “Essas inovações têm impulsionado de forma expressiva os nossos negócios”, diz Raphael Martins, diretor de desenvolvimento de mercado da Yara Brasil. A expectativa, diz ele, é que o Brasil represente mais de 50% da margem global da Yara em bioinsumos até 2030. A empresa, acrescenta, investiu cerca de US$ 42 milhões nos últimos dois anos na pesquisa de bioinsumos, em nível global. “Quase metade desse montante foi direcionada ao Brasil, considerado prioritário para o avanço da agenda da empresa nesse segmento.”
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Com uma nova fábrica de biológicos inaugurada em 2025, em Várzea Paulista, a Nitro Agro enxerga o mercado de bioinsumos como um dos pilares mais promissores e estratégicos para o agronegócio nacional. Para o diretor-executivo da empresa, Tiago Mota, os bioinsumos reduzem a dependência de insumos químicos, favorecem o equilíbrio biológico dos solos e aumentam a produtividade de forma natural e duradoura.
Uma das principais apostas do portfólio da Nitro é o Égide Max, biofungicida lançado neste ano, que combina tecnologia de ponta com cepas selecionadas para oferecer controle biológico eficaz contra patógenos de solo e foliares. “Também temos projetos voltados à ampliação da linha de biofungicidas, bioinoculantes e bionematicidas, além de pesquisas para integração entre produtos biológicos e soluções químicas, o chamado manejo híbrido”, diz Mota.
No segmento de biofármacos, a Blau Farmacêutica se destaca por sua atuação regional, com forte presença na América Latina, e pela liderança no segmento hospitalar-farmacêutico. “Temos concentrado esforços no desenvolvimento próprio de anticorpos monoclonais (mAbs), com quatro moléculas em diferentes estágios, que possuem um mercado endereçável total no Brasil próximo de R$ 8 bilhões e de mais de US$ 40 bilhões no mundo”, explica Uilberson Silva, diretor de PD&I da Blau Farmacêutica.
Segundo Silva, a Blau tem capacidade de produzir em território nacional desde o insumo farmacêutico ativo até o medicamento final. “Somos uma das empresas que possuem uma cadeia verticalizada para desenvolvimento e fabricação de seus produtos biotecnológicos estratégicos, com biofármacos recombinantes e medicamentos terminados no país”, diz.
De acordo com o executivo, a estimativa é que, em alguns anos, os medicamentos biotecnológicos representem mais de 50% de todo o mercado de medicamentos mundial. Hoje, a Blau investe 10% da receita líquida em pesquisa, desenvolvimento e inovação e tem duas plantas de IFAs (insumos farmacêuticos ativos) biotecnológicos em Cotia (SP), uma para produção de IFAs a partir de células de mamíferos e outra a partir de células de bactérias com certificado de boas práticas de fabricação emitido pela Anvisa para três IFAs.
“Esses insumos são a alfaepoetina, usada para pacientes com doença renal crônica; o filgrastim e o pegfilgrastim, que são indicados para pacientes em tratamento quimioterápico”, conta Uilberson. “Além disso, temos mais cinco projetos envolvendo proteínas recombinantes em estágios avançados de desenvolvimento nacional.”
Fonte: Valor Econômico