Por Liane Thedim — Do Rio
31/07/2023 05h01 Atualizado há 4 horas
Ernani Teixeira Torres Filho, professor do Instituto de Economia da UFRJ, diz que a guerra comercial com a China está mostrando que os Estados Unidos querem mudar o processo de globalização tal como ele foi implantado no anos 90. “Os americanos propuseram uma globalização inclusiva. Valia tudo, até a China com o Partido Comunista. A ideia era a integração ao mercado financeiro internacional e o fortalecimento do dólar como moeda internacional”.
Agora, afirma, querem que se torne discricionário. “Aos amigos tudo, aos inimigos a lei. Os inimigos terão sanções, mas os EUA hoje não podem prescindir da cadeia de produção chinesa nem do petróleo russo. É um tiro no pé”, acrescenta.
Quando começa a rivalidade entre as potências, abre-se espaço para o Brasil barganhar
Ele ressalta que, mais do que o “nearshoring” (processo de realocação de cadeias de produção em locais próximos à empresa), o mundo está vendo hoje o friendshoring”, ou seja, busca de países que compartilham dos mesmos valores e interesses. E frisa que o Brasil precisa se posicionar rapidamente se quiser se beneficiar dessa nova corrida.
Valor: O Brics pode assumir um novo papel no mundo?
Ernani Teixeira Torres Filho: É uma organização importante como voz política, são economias grandes, com exceção da África do Sul, e dá mais repercussão ao discurso da China. Mas não chega a mudar o jogo maior. A guerra comercial entre Estados Unidos e China é estruturante. A mudança geopolítica e a impossibilidade de substituição do dólar como moeda internacional são permanentes.
Valor: O bloco ainda é importante para o Brasil?
Torres Filho: O Brics formalizou e organizou a forma de pressão contra os países ricos quando foi criado nos anos 2000. Mas, com a mudança na geopolítica mundial, se tornou mais importante estrategicamente para a China. Para o Brasil, no momento em que o mundo deixa de ser unipolar e as potências começam a entrar em rivalidade, abre espaço de barganha. A capacidade de negociar é muito maior num mundo quebrado. Somos um importante fornecedor de matéria-prima e alimentos. Mas nosso espaço de autonomia, de ir contra os interesses de EUA e China, é pequeno. O Brics não é um bloco econômico, é uma articulação política com um banco.
Valor: O Brasil então pode se beneficiar da rivalidade EUA-China?
Torres Filho: Pode se favorecer sim. O Brasil está mais bem preparado para tirar proveito economicamente e politicamente mas não é um player de primeira classe como a China. Por isso, é mais vantajoso manter um jogo de conciliação, de neutralidade, não pode fazer alinhamento pesado. Por outro lado, a China também não pode pressionar demais porque aproxima o Brasil dos EUA.
Valor: Temos chance de sair ganhando também da reorganização das cadeias de produção?
Torres Filho: O processo de saída de empresas da China já começou e é inexorável. Um dos grandes beneficiados por essa mudança, o México não precisa fazer muito por estar do lado dos EUA e por ser totalmente alinhado. Já o Brasil vai querer disputar liderança tecnológica em algum setor? É uma incógnita. Não vai se beneficiar se não houver um projeto de trazer alguma dessas cadeias para cá e usar alguma das vantagens que a gente tem. Mas não vejo governo nem indústria com disposição para pegar esse bonde. Tenho dúvidas se vamos ter estrutura e capacidade para fazer apostas de tentar embicar em alguma tendência de indústria, porque não vejo movimento doméstico nessa direção. Se perdemos esse bonde estaremos integrados ao mundo mas limitados ao mercado de fornecimento de matérias-primas.
Fonte: Valor Econômico

