Por Gabriel Roca e Matheus Prado — De São Paulo
28/09/2022 05h02 Atualizado há 2 horas
O estágio mais avançado do ciclo de política monetária no Brasil, junto com revisões positivas para o crescimento, têm garantido um desempenho relativamente melhor dos ativos locais em relação aos pares globais. Na visão do chefe de economia para Brasil e de estratégia para América Latina do Bank of America (BofA), David Beker, no entanto, o cenário externo bastante desafiador tem contido o fluxo de investimentos estrangeiros para o mercado brasileiro, o que acaba limitando uma performance ainda melhor dos ativos do país.
O ciclo eleitoral é um fator de incerteza, segundo Beker, mas as conversas que o profissional mantém com investidores estrangeiros indicam que, por serem candidatos já conhecidos do mercado, a volatilidade tem sido bastante menor.
“Eu diria que o Brasil é um país que está no radar do investidor global”, afirma.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: A ata da reunião do Copom trouxe alguma mudança em relação ao comunicado da decisão?
David Beker: A ata trouxe uma comunicação dura, em linha com o comunicado, ressaltando os riscos para o cenário e a necessidade de permanecer vigilante para ajudar no processo de coordenação das expectativas de inflação.
Valor: E o sr. avalia a decisão de encerrar o ciclo como acertada?
David Beker: Eu já defendia que o ciclo tinha acabado porque, se a gente está realmente discutindo que precisamos de mais juros – seja pelo fator externo, pelo Fed, ou qualquer outro motivo – 0,25 [ponto] é muito pouco. A gente já construiu um colchão de juros em comparação ao resto do mundo, inclusive no juro real. O Brasil vai ver neste ano a maior desinflação do mundo. A gente vai sair de 12%, que é o pico, para baixo de 6% – minha projeção é de 5,90%.
Valor: Qual a avaliação sobre a comunicação adotada pelo BC?
Beker: Na hora que você decide não subir os juros, a dinâmica do mercado é já começar a embutir os cortes. Na nossa visão, o BC tinha mesmo que entregar um discurso ‘hawkish’. Achei inteligente a história do voto dividido. Porque mostra que mesmo dentro do Copom teve discussão para fazer o aumento de 0,25 [ponto]. Mas, em termos de mercado, é só olhar para o que aconteceu com a curva [no dia após a decisão]. O BC pode falar que eventualmente vai voltar a subir os juros, mas, nesse momento, quando se olha o que está acontecendo com a inflação, o mercado vê que o próximo movimento é de queda.
Em um cenário pessimista, com dúvidas sobre a âncora fiscal, o Ibovespa pode terminar 2023 em 95 mil pontos”
Valor: O juro vai ficar alto por um longo período de tempo?
Beker: Depende da evolução do cenário. Acho que pode cortar no final do primeiro trimestre. Ele vai seguir com uma linguagem ‘hawkish’ [dura], mas o sarrafo para voltar a subir é grande.
Valor: O cenário externo também segue desafiador…
Beker: O mercado, em parte, tinha um otimismo exagerado de que o Fed podia subir muito pouco e ia ser suficiente para a atividade e a inflação desacelerarem. E o Fed basicamente avisou que vai precisar subir mais. Nossos estrategistas globais têm uma visão negativa para exposição a ativos de risco, porque, no limite, a gente ainda não sabe onde o Fed vai parar. A gente acha que [a taxa de juro] não vai chegar em 5%, mas as pessoas seguem reprecificando o cenário externo.
Valor: Os ativos brasileiros têm performado bem em relação aos pares globais. A que se deve esse fato?
Beker: O Brasil tem sido visto de forma positiva em termos relativos. O Banco Central já subiu os juros, a inflação já atingiu o seu pico e estamos revisando as projeções de crescimento para cima, enquanto, na maioria dos países, as revisões de crescimento têm sido feitas para baixo. É uma situação favorável.
Valor: O Brasil têm sido visto como uma alternativa às incertezas globais elevadas?
Beker: Nas conversas que eu vinha tendo com os investidores estrangeiros, o pessoal sempre dizia que o Brasil seria o primeiro lugar para começar a aplicar juros [apostar na queda]. Grande parte das apostas de juros ao redor do mundo ainda são altistas, mesmo que esse movimento já esteja precificado em alguns países. Mas como o Brasil começou cedo, já estava mais perto do fim do ciclo de aperto. Estamos vendo uma enxurrada de fluxo? Não, porque há muita incerteza no cenário. Mas eu diria que o Brasil está no radar.
Valor: Podemos ver uma entrada de fluxo, a despeito da incerteza relacionada ao aperto nos EUA?
Beker: Uma coisa é quando entra dinheiro na classe de ativo emergente e parte desse dinheiro é canalizado para o Brasil. Mas, se não entra dinheiro novo em emergentes, acaba virando um rouba-monte. É mais difícil você ter um fluxo para Brasil se não tiver um fluxo para emergentes. Mesmo assim, acho que tem muita gente esperando para entrar depois das eleições, tanto na renda fixa quanto na renda variável. E isso não é condicionado ao nome X ou Y, mas pelo término do evento. A propensão ao fluxo existe.
Valor: Como a eleição pode impactar essa dinâmica positiva dos ativos locais?
Beker: Tivemos um ciclo eleitoral na América Latina, com eleições no Chile, no Peru, na Colômbia, e os candidatos que ganharam o mercado não conhecia. Essa história do fator surpresa não existe na eleição brasileira, pelo menos pelo que as pesquisas estão mostrando. Agora, para haver uma continuidade do movimento, os detalhes do que vai ser feito importam muito. Quem quer que ganhe, não tem opção e a questão fiscal vai ter que ser encarada. Com isso acontecendo, o que é meu cenário base, o mercado pode continuar andando. Na medida em que o mercado tenha uma percepção melhor sobre a âncora e o fiscal de médio prazo, a parte longa da curva tende a ser favorecida. Política fiscal sustentável permite que o juro continue caindo, as taxas de desconto vão mudando e cria-se um ciclo virtuoso. Mas não dá para segurar o mercado só no gogó.
Valor: Quais são as perspectivas para o câmbio?
Beker: O real fica bem mais ancorado com o juro alto. O padrão de ‘trading’ do real mudou depois que o juro subiu e, conversando com clientes, eles acham que, com esse juro mais alto, o ‘downside’ é menor. Então, mesmo que estivesse ocorrendo pressão em moedas emergentes, o Brasil acaba ficando mais defendido. Os picos de volatilidade que veríamos se o juro fosse 2% seriam bem diferentes.
Valor: O dólar forte globalmente deve seguir pesando?
Beker: O Fed está subindo juros, então é muito difícil o real entrar numa trajetória sustentada de apreciação. Podemos romper os R$ 5? Em um cenário hipotético em que a China reabre e dá sustentação para preços de commodities, sem que haja surpresas por parte do Fed, poderíamos ver a moeda mais forte no curto prazo. Mas nossas projeções são de câmbio acima de R$ 5, chegando a R$ 5,25 no fim deste ano, R$ 5,40 no fim do ano vem. Isso até poderia mudar se fôssemos inundados por um fluxo estrangeiro, mas não parece o caso. A gente está com uma cabeça de um câmbio relativamente estável, mas protegido pelo carrego.
Valor: A projeção da casa para o Ibovespa ao fim de 2022 era de 135 mil pontos? Houve algum ajuste?
Beker: A gente parou de falar da projeção do fim deste ano, estamos com 135 mil no cenário-base para o fim do ano que vem. Mas temos outros dois. Caso haja uma agenda clara de reformas e avanços estruturais, que seria um cenário otimista, imaginamos que a bolsa poderia encerrar o 2023 em 150 mil pontos. Em um cenário pessimista, com dúvidas em relação à âncora fiscal, o índice pode terminar 2023 em 95 mil pontos.

