Por Matheus Prado — De São Paulo
24/05/2023 05h02 Atualizado há 2 horas
A bolsa brasileira pode estar caminhando para o quinto “bull market” (mercado de alta) de sua história recente, diz Sara Delfim, sócia-fundadora da Dahlia Capital, que tem R$ 4 bilhões sob gestão. Para ela, passado o pessimismo exacerbado em relação ao cenário local, desdobramentos nas economias americana e chinesa, igualmente relevantes para os negócios, podem voltar a dar fôlego para a renda variável doméstica, ainda que o cenário possa piorar antes de melhorar.
Com visão menos negativa que boa parte dos seus pares locais em relação às dinâmicas políticas e econômicas internas, Delfim diz que o Brasil mostrou nas últimas semanas que continua a ser um “aluno nota 6”, o que permitiu a retirada de parte dos prêmios de risco dos ativos. Não por acaso, afirma, ações de estatais, que sofreram durante o período eleitoral, têm altas relevantes em 2023, o que mostra certa correção na rota dos investidores: Petrobras PN sobe 20,19% e Banco do Brasil ON avança 31,39%, contra 0,18% de ganhos do Ibovespa no período.
“O Congresso tem moderado as ações do governo até aqui e o texto do novo arcabouço fiscal melhorou. Além disso, os juros estão no pico. Com a inflação rodando a 4%, o juro real está muito elevado e o Banco Central tem espaço para começar a reverter o ciclo de aperto monetário”, diz. “O nível de pessimismo era muito grande, mas o mercado respirou e passou a precificar um cenário um pouco mais construtivo.”
Ademais, Delfim entende que o protagonismo das incertezas locais na narrativa dos agentes não corresponde totalmente à performance dos mercados. Em sua visão, os rumos das duas maiores economias do mundo (EUA e China) têm nível de importância semelhante e podem desencadear um novo ciclo de avanços para a bolsa à frente (os anteriores, segundo ela, foram: 1984-1986; 1994-1998; 2002-2007; 2009-2013).
Delfim cita os ralis iniciados em 2002 e 2016 como exemplos. “No caso de 2002, atribui-se a melhora do mercado à ‘Carta ao povo brasileiro’, divulgada pelo então candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas o S&P 500 fez mínima na mesma semana e passou a subir depois do Federal Reserve (Fed) afrouxar sua política monetária”, lembra a executiva. “Em relação a 2016, fala-se muito sobre a influência do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), só que a China estava estimulando sua economia na mesma altura.”
Nessa linha, de volta a 2023, a gestora enxerga sinais positivos vindos das duas nações que mais influenciam o ambiente de negócios local. Delfim diz que o Fed pode já ter parado de subir juros e, por mais que as taxas se mantenham elevadas por algum tempo, eventualmente começarão a cair, o que ajuda o mercado. E entende que na China, apesar do movimento não ter sido tão rápido quanto o mercado esperava, a reabertura ainda vai reaquecer a economia de maneira um pouco mais homogênea.
“Indicadores como preços de casas e poupança da população estão avançando na China, o que nos faz acreditar que a economia vai ganhar mais força. Nos EUA, existe expectativa sobre uma reversão do ciclo de aperto, mas é possível que haja uma piora antes de o mercado voltar a subir”, afirma. “Para voltar a ficar atrativo, o S&P 500 precisa ter alguma correção, o que não aconteceu nem com a guerra da Ucrânia, nem com a alta dos juros nos EUA e nem com a onda de demissões nas Big Techs. O setor bancário, que já exerceu alguma pressão sobre os ativos recentemente, é um candidato a precisar de intervenção do Fed e provocar essa piora no ambiente de negócios.”
Um dos maiores desafios de gestão é, portanto, acertar o momento de materialização do cenário altista. Delfim afirma que as empresas listadas estavam operacionalmente piores em 2016 e hoje estão mais baratas, o que explica a recuperação relevante das ações mais descontadas da bolsa nas últimas semanas. No entanto, como ainda há incertezas no radar, a carteira da casa está mais diversificada, comprada não apenas em bolsa local e mexicana, mas em commodities, real contra dólar e juros no Brasil.
“Quando o cenário global ficar mais claro com sinalização de cortes de juros, o fluxo para ativos de risco vai voltar e poderemos comprar mais companhias das quais gostamos. Como a bolsa brasileira é a mais barata do mundo, a tendência é que performance supere a dos pares”, diz. “Hoje estamos em um nível de ‘valuation’ semelhante aos dos períodos que antecederam os últimos ciclos de alta. E nos últimos dois, os ganhos foram superiores a 80% em dólares.”
Fonte: Valor Econômico

