Por Alex Ribeiro — De São Paulo
02/06/2022 05h00 Atualizado há 4 horas
Os bancos centrais estão enfrentando muitas dificuldades para combater o maior surto inflacionário em 40 anos, e agora estão sendo cobrados porque estão se engajando também na luta para evitar as mudanças climáticas.
Em um evento do banco central dos bancos centrais, o Banco Internacional de Compensações (BIS, na sigla em inglês), vários dirigentes se disseram dispostos a seguir com essa nova bandeira.
Os críticos dizem que, ao cuidar de muitas coisas diferentes, os banqueiros centrais dedicam menos tempo a fazer o que realmente está no centro do seu mandato: garantir a estabilidade do poder de compra das moedas.
Em anos recentes, alguns bancos centrais ampliaram o seu escopo para áreas fora de seu perímetro original. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano), por exemplo, mudou o mandato para olhar também o desemprego de minorias, o que de certa forma significa combater a desigualdade social.
No último ano, a inflação subiu em várias partes do mundo e muitos colocam uma parte da culpa nos banqueiros centrais, que injetaram um excesso de estímulos monetários durante a pandemia e demoraram a retirá-los. Mais recentemente, o Fed está pesando mais a inflação e menos como anda a taxa de desocupação das minorias.
A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, reconheceu no evento do BIS que os pontos da agenda de mudanças climáticas, como os títulos verdes, não estão exatamente no seu mandato, mas mesmo assim devem ser implementados.
“Sei que não está diretamente no nosso mandato, e não é algo que nós consideramos o nosso objetivo principal”, disse. “Mas, se não tentarmos, não teremos chance de ser bem-sucedidos. Então podem contar comigo.”
Entre os grandes bancos centrais, o BCE é o que tem o foco mais fechado na estabilidade de preços, sem objetivos secundários. Ele foi criado dentro da tradição alemã do Bundesbank, cuja principal tragédia no século passado foi a hiperinflação, que ajudou a criar as condições para a ascensão do nazismo.
O presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, disse que prefere correr o risco de extrapolar o seu mandato original a deixar de fazer algo que é necessário e precisa ser feito. Por aqui, a inflação acumulada em 12 meses superou 12%.
Mas, pelo menos na teoria, as mudanças climáticas cabem no mandato do BC brasileiro, que não cuida apenas da inflação. Seus objetivos primários são a estabilidade monetária e financeira; e, de forma secundária, suavizar as flutuações da atividade econômica. O Brasil vem tratando as mudanças climáticas sobretudo como um assunto de estabilidade financeira, por isso não há um conflito claro com o seu mandato principal.
O argumento é que, se as instituições financeiras não pesarem adequadamente os riscos nessa área, poderão sofrer grandes perdas e fragilizar o sistema bancário. Uma parte são os riscos físicos, como inundações e secas, que tendem a se tornar mais frequentes. Outro risco é investir em algumas atividades econômicas, como combustíveis fósseis, que vão perder valor na medida em que forem sendo substituídas por energias limpas.
Mas há vários críticos que dizem que as mudanças climáticas não representam, necessariamente, um risco para a estabilidade financeira. É o caso do economista John Cochrane, da Universidade de Stanford, que sustenta que historicamente não há relação entre mudanças de tecnologias e crises bancárias.
Mais importante, argumenta, não há dados históricos que estabeleçam a relação entre mudanças climáticas e riscos à estabilidade financeira – um insumo essencial para alimentar os modelos que avaliam os riscos que os bancos estão correndo, para exigir excesso de capital para os cobrir.
Essa falta de dados confiáveis é uma das principais preocupações dos banqueiros centrais presentes no evento do BIS, por isso há um esforço grande para estabelecer padrões confiáveis para a divulgação de informações pelos bancos e também para os ratings das agências de avaliação de risco de crédito.
Fonte: Valor Econômico