Por Chris Giles e Valentina Romei — Financial Times
27/09/2022 05h02 Atualizado há 5 horas
Com os bicos afiados e garras à mostra, os bancos centrais do mundo adotaram a postura do falcão (“hawk”) na semana passada. Apoiados por grandes aumentos nas taxas de juros e na intervenção cambial, eles usaram uma linguagem direta para anunciar seu objetivo singular de derrotar o flagelo da inflação.
Em uma das mudanças mais repentinas na política econômica global em décadas, os banqueiros centrais afirmam já ter se cansado do aumento acelerado dos preços e insistem que estão preparados para agir para restabelecer a estabilidade dos preços, quase a qualquer custo. Mas depois de uma semana de anúncios dramáticos dos bancos centrais de várias partes do mundo, pelo menos alguns economistas começam a se perguntar: será que eles não estão indo longe e rápido demais?
O Federal Reserve (Fed) tem sido de longe o ator mais importante nessa mudança de temperamento. Na quarta-feira, elevou sua principal taxa de juro em 0,75 ponto percentual para uma faixa entre 3% e 3,25%. No começo do ano, essa taxa estava próxima de zero. O Fed sinalizou que o aperto em sua política monetária está longe de acabar, com membros do comitê que define os juros prevendo que as taxas terminarão 2022 entre 4,25% e 4,5% – as maiores desde a crise financeira de 2008-2009.
Neste verão americano, o presidente do Fed, Jerome Powell, falou sobre a fase de alta dos custos dos empréstimos terminar com um “pouso suave” para a economia, sem recessão e uma queda suave nas taxas de inflação. Mas na quarta-feira ele admitiu que isso é improvável. “Precisamos deixar a inflação para trás. Eu gostaria que houvesse uma maneira não dolorosa de fazer isso”, afirmou Powell.
O plano do Fed de reduzir os gastos dos consumidores e empresas numa tentativa de diminuir a inflação interna tem sido repetido em outros países, mesmo com as causas da inflação sendo diferentes. Na Europa, os preços extraordinários do gás natural jogaram a inflação para níveis similares aos dos EUA, mas o núcleo da inflação é significativamente menor. Nas economias emergentes, a desvalorização das moedas em relação ao dólar vem aumentando os preços das importações.
O Riksbank, da Suécia, deu início ao processo na terça-feira, com um aumento de 1 ponto percentual em sua taxa de juro, para 1,75%, o maior aumento em três décadas. Suíça, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos também anunciaram aumentos de 0,75 ponto cada um, o que para a Suíça significou encerrar um período de juros negativos que começou em 2015. O Banco da Inglaterra elevou na quinta sua principal taxa em 0,5 ponto, para 2,25%, a maior taxa desde a crise financeira, com uma promessa de novos aumentos em breve.
Mesmo no Japão, que há muito adotou os juros negativos, as autoridades sentiram que precisam agir para conter a inflação. Seu Ministério das Finanças interveio nos mercados de câmbio para alavancar o iene e limitar o aumento dos preços das importações.
Economistas dos Deutsche Bank notaram que para cada banco central ao redor do mundo que está no momento reduzindo as taxas de juros, há 25 que estão aumentando – uma relação que está bem acima dos níveis normais e que não é vista desde o fim dos anos 90, quando muitos bancos centrais ganharam autonomia para estabelecer suas políticas monetárias.
Nathan Sheets, chefe global de economia internacional do Citigroup e ex-autoridade do Tesouro dos EUA, diz que os bancos centrais estão “se movimentando tão rapidamente nesses aumentos dos juros que realmente não têm tido tempo para avaliar quais serão seus efeitos sobre a economia”.
Os banqueiros centrais vêm relutando em admitir que cometeram erros ao manter os juros tão baixos por tanto tempo, observando que é muito mais fácil fazer essas avaliações em retrospecto do que em tempo real. Mas eles agora querem agir para demonstrar que mesmo que tenham demorado para agir contra a inflação, eles serão suficientemente “enérgicos”, na palavra usada pelo Banco da Inglaterra, para reduzir a inflação.
Powell foi claro que o banco central americano não falhará nessa tarefa. “Vamos continuar até estarmos confiantes de que o trabalho foi feito”, disse. O Riksbank sueco foi, como de praxe, contundente em sua avaliação. “A inflação está alta demais”, afirmou. “A política monetária precisa agora ser apertada ainda mais para trazer a inflação de volta à meta.”
A nova postura sobre a política monetária vem se desenvolvendo em 2022 à medida que o problema da inflação se tornou mais persistente e difícil. Quando muitos BCs se reuniram em Jackson Hole, em agosto, para sua principal conferência anual, o humor mudou decisivamente para uma ação maior, que agora ocorre no mundo todo.
Christian Keller, diretor de análises econômicas do Barclays Investment Bank, diz que “desde Jackson Hole, os banqueiros centrais decidiram que preferem errar adotando posturas mais agressivas”. “Pela primeira vez talvez em décadas, eles ficaram com medo de perder o controle sobre o processo [de inflação]”, afirma Keller, enfatizando como os banqueiros centrais agora afirmam querer evitar cometer os erros da década de 70.
Com a nova atitude, os mercados estão precificando que até junho do ano que vem os juros subirão para 4,6% nos EUA, 2,9% na zona do euro e 5,3% no Reino Unido – projeções que estão entre 1,5 e 2 pontos percentuais maiores do que no começo de agosto.
Ao aumentar os juros, os BCs não estão tentando reduzir as taxas de pico da inflação que foram causadas fora dos EUA, com a disparada dos preços do gás e dos alimentos, mas eles querem se assegurar de que a inflação não permaneça em uma taxa desconfortavelmente mais alta do que suas metas. Isso poderá acontecer se empresas e trabalhadores começaram a esperar uma inflação maior, levando a aumentos nos preços e à demanda por salários maiores.
Sheets diz que, tendo interpretado mal a inflação no ano passado, os BCs preferem agora exagerar. Eles estão equilibrando as possibilidades de uma recessão contra o risco de um episódio de inflação sustentada que minaria sua credibilidade. “Eles sentem que esse é um risco que eles precisam correr.”
Uma complicação adicional é que os modelos que os BCs usam – e que não previam esses aumentos tão rápidos de preços quando a pandemia perdeu força e a guerra na Ucrânia começou – não estão mais funcionando bem em descrever os eventos econômicos.
Nesse mundo desconhecido, Jennifer McKeown, diretora de economia global da Capital Economics, acredita ser difícil afirmar que os bancos centrais estão indo longe demais. “Embora este seja o ciclo de apertos mais agressivos em muitos anos, também é verdade que a inflação nunca esteve tão alta em décadas”, diz ela. “As expectativas de inflação aumentaram e os mercados de trabalho estão apertados, de modo que os bancos centrais estão preocupados, com razão, com a possibilidade de efeitos secundários da alta dos preços da energia sobre os salários e a inflação latente”, afirma.
Mas um número crescente de economistas, liderados por grandes nomes como Maurice Obstfeld, ex-economista-chefe do FMI, acredita que os bancos centrais estão agora sendo excessivos em suas ações para aumentar os juros e que o efeito de todo esse aperto será uma recessão mundial. O Banco Mundial também demonstrou preocupações parecidas. Antoine Bouvet, economista do ING, diz que “os bancos centrais perderam a fé em sua capacidade de prever com exatidão a inflação”.
“Combine isso com o fato de que eles parecem pensar que o custo de um exagero em suas políticas de aperto é menor do que o custo de uma ação insuficiente, e você tem uma receita de aperto excessivo”, explica ele. “Eu caracterizaria essa escolha de política como quase um excesso planejado.”
Segundo Holger Schmieding, economista-chefe do Barenberg, “a política monetária funciona com uma defasagem, de modo que há o risco de o Fed vir a perceber tardiamente que foi longe demais se agora aumentar as taxas de juros para bem mais de 4%”, resultando em recessões desnecessariamente longas e profundas.
Mas, como explicam muitos economistas, ninguém sabe realmente o que é longe demais e o que é insuficiente nesse ambiente. Desse modo, os BCs querem se certificar de que vão erradicar a inflação, permitindo a eles corrigir o curso e reduzir as taxas de juros posteriormente se for necessário.
Krishna Guha, vice-presidente da Evercore ISI, diz que há um “risco sério” de os bancos centrais estarem exagerando no aperto, mas ele afirma que o Fed está certo em preferir errar pelo excesso. “No âmbito global, assim como no dos EUA, provavelmente é melhor exagerar do que fazer pouco, pois o risco seria uma repetição dos anos 70.”
Fonte: Valor Econômico

