Por Alex Ribeiro — De São Paulo
12/08/2022 05h00 Atualizado há 4 horas
O economista Fábio Kanczuk, um dos arquitetos do atual ciclo de aperto monetário, acha que o Banco Central deve ter feito a última alta de juros neste mês e que deixará a Selic estável em 13,75% ao ano na sua próxima reunião.
Mais importante que um eventual aumento residual de juros em setembro, argumenta, é a sinalização de que o ciclo chegou ao fim. Ele, que foi diretor de política econômica do BC até dezembro, prevê nova ação já no começo de 2023, seja para baixar a taxa ou para subi-la.
“O cenário mais provável é que tenha a recessão [no quarto trimestre deste ano], e o Banco Central baixe os juros”, diz Kanczuk, hoje head de macroeconomia da ASA Investments. “No cenário alternativo, não tem recessão, e [o BC] sobe os juros.” As chances desse cenário alternativo aumentaram, sustenta, justamente porque o BC decidiu parar agora.
O economista diz que a expansão fiscal feita pelo governo deverá dificultar medir o pulso da economia no terceiro trimestre. Mas, no período seguinte, ficará mais claro se os juros estão funcionando ou não para conter a atividade e baixar a inflação.
E possível, afirma, que o BC conclua que a dose não foi suficiente, em virtude de um eventual aumento do juro neutro. Ou a recessão apenas esteja demorando. “Pode ser a história dos três ônibus”, disse. “Você está esperando o ônibus, que não chega, mas depois viram a esquina três ônibus ao mesmo tempo.”
Kanczuk reconhece que a estratégia anunciada pelo Banco Central de manter os juros altos por muito tempo para cumprir a meta de inflação no primeiro trimestre de 2024 tem um flanco, que os economistas chamam de inconsistência intertemporal. Mais adiante, o BC seria obrigado a descumprir o sinalizado e baixar os juros, caso contrário a inflação no ano calendário de 2024 ficaria muito baixa. Apesar disso, ele avalia que o BC acertou e reforçou a sua credibilidade.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: O Banco Central vai parar de subir o juro ou sobe mais um pouco em setembro?
Fábio Kanczuk: A resposta curta é que parou de subir. Provavelmente, não subirá em setembro. Mas a questão mais relevante é que o Banco Central vai parar, subindo ou não uma última vez em setembro. Mas vou fazer a resposta longa. Há duas possibilidades econômicas. Uma possibilidade: com a política monetária muito apertada, seria suficiente para causar uma desaceleração bem forte na economia, ouso dizer uma recessão. Teria um enfraquecimento muito grande do mercado de trabalho, a inflação de serviços morre e a inflação volta para a meta. Esse é o cenário básico. O cenário menos provável é que a desaceleração não aconteça, apesar de o juro estar bem apertado. A economia caminha forte, em particular o mercado de trabalho.
Valor: Por que a economia não reagiria ao juro alto?
Kanczuk: Difícil saber. Uma possibilidade é o juro neutro estar bem mais alto. De um lado, tem um fiscal bem complicado pela frente. Qualquer conta que se faça, a relação entre a dívida pública e o PIB fica subindo. O fiscal não está resolvido, o teto de gastos morreu. E talvez o juro neutro internacional esteja muito mais alto. As pessoas trabalham menos, houve uma mudança. Então, na verdade, ainda precisaria de mais juro.
O BC está se obrigando hoje a ter um plano de voo, ainda que seja um plano que tem inconsistência intertemporal”
Valor: Como seria a reação do Banco Central a esses cenários?
Kanczuk: Diria que tem duas possibilidades. Uma é o Banco Central dizer que quer ver a política monetária atuando na atividade econômica e, daí, na inflação. O Banco Central paga para ver, não para de subir o juro. Não precisa ser altas de 0,5 ponto percentual em 0,5 ponto percentual. Aumenta de 0,25 ponto percentual em 0,25 ponto percentual. Esse é um ritmo legal porque, mesmo que as expectativas de inflação e o juro neutro continuem subindo, mantém o aperto. Vai seguindo, até fazer o trabalho necessário, paga para ver.
Valor: E a outra alternativa?
Kanczuk: É parar de subir para olhar. Tem tempo ainda, pode parar para olhar. Numa conta rápida, o juro agora está em uns 7,5%, em termos reais. Nesses 7,5%, o juro vai sumindo no tempo, conforme a expectativa de inflação vai subindo e o juro vai caindo. O mercado botou queda da Selic lá na frente. Conforme você vai andando no tempo, o juro não é mais 13,75% ao ano, vai para 12,5% ou 12%. Vai sumindo. O BC para por aí. Daqui um tempo, constata que veio a recessão. O jogo estará ganho e pode começar a baixar o juro. Outra possibilidade é constatar que a recessão não veio, que o mercado de trabalho segue bombando, que o hiato do PIB ficou positivo. O BC, nessa hipótese, conclui que precisa subir mais o juro.
Valor: E qual foi a escolha do Banco Central?
Kanczuk: O Banco Central fez a opção, para mim, por essa segunda alternativa. Para e olha. Não estou falando que uma alternativa é melhor do que a outra. Cada uma tem vantagens e desvantagens. A opção do BC por parar o ciclo de juros aumenta a probabilidade – como os juros vão sumindo ao longo do tempo – de não ter recessão e eles voltarem a subir. Mas não é errado. De outro lado, diminuiu a probabilidade de exagero. Tem ganhos e custos.
Valor: É possível o Banco Central colocar a inflação na meta no primeiro trimestre de 2024?
Kanczuk: Colocando o juro em 13,75% e deixando parado, é suficiente. Sobra juro ainda para botar a inflação do primeiro trimestre abaixo da meta de inflação ajustada para o horizonte, que é uns 3,18%, considerando uma média entre a meta de 3,25% de 2023 e de 3% de 2024. Com juros parados em 13,75%, dá uma inflação de 3%. Só que o horizonte relevante de política monetária vai andar, e o Banco Central não vai ficar no 13,75%. Vai reduzir o juro. Daí a inflação do primeiro trimestre de 2024 vai ficar acima da meta. Mas isso porque o BC vai baixar os juros. Se ele mantivesse nos 13,75%, dava abaixo da meta.
Valor: Isso não coloca em xeque a estratégia do BC de colocar a inflação na meta no primeiro trimestre de 2024? Existe uma inconsistência intertemporal?
Kanczuk: Existe, e é da natureza da política monetária. Não tem como evitar. É uma consequência direta de você ter uma política monetária com um horizonte mais curto no Brasil, de um ano e meio. Se você pegar o Chile ou a Inglaterra, por exemplo, eles falam que estão trabalhando para a inflação convergir à meta daqui a três anos. Se precisar, vira quatro anos. Daí, não dá para ver inconsistência intertemporal, porque está tão longe o horizonte que a política monetária é suficientemente poderosa para ajustar sem grandes oscilações. Aqui, é uma loucura. Primeiro, mantém o juro em 13,75%, depois tem que reduzir, para cumprir a meta no horizonte que se torna relevante. Não é consistente intertemporalmente. Mantenho o juro em 13,75%, mas, conforme vai andando no tempo, eu vejo que a inflação de 2024 está muito abaixo da meta, e o Banco Central tem que reduzir o juro. Só dá para evitar isso quando o horizonte de política monetária é muito longo. E está muito cedo para o Brasil dizer que vai olhar daqui a três ou quatro anos. Tem que fazer um ano e meio, e fica explícita a inconsistência intertemporal. O Banco Central sabe disso. A comunicação de política monetária é super difícil nessa situação, e há opiniões diferentes sobre como conduzi-la.
Valor: Como assim?
Kanczuk: Como o Banco Central pode dizer que consegue colocar a inflação na meta no primeiro trimestre de 2024 se, daqui a dois trimestres, ele não vai estar mais olhando esse horizonte? Minha leitura é que ele diz isso porque, pelo menos, está se obrigando hoje a ter um plano de voo que é consistente com cumprir a meta no primeiro trimestre de 2024, ainda que seja um plano que tem inconsistência intertemporal. Ele está se obrigando a fazer. Ele poderia, por exemplo, dizer que nem vai se obrigar a olhar o primeiro trimestre de 2024. Poderia dizer que vai olhar três anos à frente. Não é o que o Banco Central está fazendo. A desvantagem dessa estratégia é as pessoas questionarem, dizerem que é claro que o tempo vai andar, e o horizonte vai andar. Tá certo, tem esse lado, mas pelo menos o Banco Central conseguiu desenhar um plano. Poderia não ter desenhado. É duro de comunicar. Se o BC começar a se explicar, dizer que o plano tem uma inconsistência intertemporal, mas faz mesmo assim, ninguém vai entender de forma nenhuma. Mas essa estratégia comunicada pelo BC é um sinal de seriedade, deve ser lida como algo a favor de sua credibilidade.
Valor: E se o BC se obrigasse a manter o juro estável a despeito do que ocorra com a inflação em 2024?
Kanczuk: Se fizesse um “forward guidance”, deixaria de ter inconsistência intertemporal. Coloca num contrato que jura por Deus que não vai tirar o juro de 13,75% por um ano. Põe no papel, diz que, se mudar o juro, vai ser todo mundo demitido. Mas o BC não quer fazer isso porque amarra os braços. Se você não se amarrou, está com a inconsistência intertemporal.
Valor: Se o cenário inflacionário mais favorável ocorrer, quando e com que intensidade o Banco Central poderia baixar o juro?
Kanczuk: No cenário com recessão, o BC já começaria a baixar o juro no primeiro trimestre. Teria recessão no quarto trimestre deste ano, e por volta de março começaria a baixar os juros numa intensidade grande, começa com 0,5 ponto percentual e acelera. No cenário alternativo, que aumentou de probabilidade, mas segue com chance menor do que 50%, ele volta a subir o juro no começo do ano que vem.
Valor: A política fiscal teria impacto no cenário negativo apenas pelo aumento do risco ou também porque está colocando lenha na demanda agregada?
Kanczuk: O lado da demanda agregada pode atrapalhar o trabalho do Banco Central no terceiro trimestre para observar a desaceleração da atividade. Porque tem um estímulo, não vai conseguir sentir a desaceleração da atividade. É um problema de não conseguir observar direto a economia. O problema mais sério é o risco fiscal no ano que vem, que pega no juro neutro.
Valor: No cenário mais provável, como fica o PIB neste ano e no próximo ano? E no cenário alternativo?
Kanczuk: Não dá tempo de afetar neste ano, o quarto trimestre quase não pega no crescimento anual. Então 2022 está meio dado, vai crescer uns 2% em ambos os cenários. No ano que vem, os cenários são bem distintos. No cenário de recessão, que é o mais provável, teremos números como queda de 1% no PIB. No cenário menos provável, você não tem recessão, e o Banco Central volta a subir o juro, e teremos um crescimento de 1%.
Valor: O que acontece no mercado de trabalho, que segue tão forte?
Kanczuk: Não é óbvia a resposta do porquê o mercado de trabalho, tanto Pnad e Caged, está tão pujante. Por que a política monetária não está pegando no mercado de trabalho? Não sei. Já teria que ter dado tempo. Daí você começa a se questionar. Eu propus essa hipótese de juro neutro mais alto, mas não tenho convicção, é apenas uma possibilidade. Pode ser a resposta da história dos três ônibus. Você está esperando o ônibus, que não chega, mas depois viram a esquina três ônibus ao mesmo tempo.
Valor: Como uma expansão dos benefícios sociais no ano que vem pode afetar o cenário de trabalho do BC para baixar a inflação?
Kanczuk: Em nenhum dos governos hoje mais prováveis, Bolsonaro ou Lula, dá para imaginar a não manutenção dos R$ 600. Ambos vão manter os R$ 600. Em ambos os governos isso não cabe no teto de gastos. Então, vai ter que ter a transformação do teto. O teto acabou. Precisa ser criada uma nova estrutura fiscal, um novo regime fiscal. Enquanto você não cria um novo regime fiscal, é muito difícil fazer contas, e as contas vão sugerir que a dívida sobre PIB é explosiva.
Valor: Essa recessão, caso se confirme, seria suficiente para baixar a inflação de serviços?
Kanczuk: Não vejo essa inércia que o mercado, de forma geral, coloca. Não vejo porque olhei as experiências anteriores de desinflação. Olha a desinflação do Ilan [Goldfajn, ex-presidente do BC no governo Temer], por exemplo. Caiu muito. O ônibus pode demorar para chegar, mas quando vem, vem para valer.
Fonte: Valor Econômico

