Novo presidente do Supremo quer simplificar ‘juridiquês’, com o objetivo de aproximar a Corte da sociedade e diminuir ruídos
Por Luísa Martins e Isadora Peron — De Brasília
28/09/2023 05h03 Atualizado há 6 horas
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Uma década depois de ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso atinge, aos 65 anos, o topo da carreira na magistratura e toma posse como presidente da Corte nesta quinta-feira, com o desafio de sanar os pontos de atrito entre o Poder Judiciário e o Congresso Nacional. Seu perfil – mais afeito a conversas políticas do que sua antecessora, ministra Rosa Weber – é considerado positivo na construção desse diálogo.
Como presidente de um STF que segue sob os holofotes, caberá a Barroso administrar a pauta do plenário. Ele ainda não decidiu quais processos serão prioritários na sua gestão. Embora tenha simpatia por matérias progressistas, a tendência é que casos polêmicos, como a descriminalização das drogas e do aborto, fiquem de fora neste primeiro momento – pelo menos até resolver a relação com o Legislativo, que tem reclamado do tribunal por invadir sua competência e legislar em seu lugar.
Barroso tem uma série de ideias para aprimorar o funcionamento administrativo do Supremo. O primeiro deles é um desejo antigo, que já vinha sendo aplicado no âmbito de seu gabinete, mas agora deve ganhar dimensão institucional: simplificar o “juridiquês”. A exemplo do que já costuma fazer quando conclui seus votos, ele pretende, ao fim de cada julgamento, resumir o que foi decidido em linguagem simples, acessível ao público geral. A ideia é aproximar a Corte da sociedade e diminuir eventuais ruídos na era da desinformação.
Advogado por 30 anos antes de ser nomeado (inclusive atuando em casos importantes no próprio STF, como a união homoafetiva e as pesquisas com células-tronco), Barroso também quer dar mais prestígio à categoria. Hoje, as sustentações orais são feitas no dia do julgamento, quando os ministros já formaram seu convencimento – ou seja, acabam sendo mera formalidade. O novo presidente quer fixar pelo menos um mês de intervalo entre as falas dos advogados e a coleta dos votos.
A auxiliares, Barroso tem dito que vai seguir a linha de Rosa nas ações de defesa da democracia, especialmente por assumir o cargo menos de um ano depois dos atos golpistas de 8 de janeiro. Ele também tem forte apreço à pauta da sustentabilidade e não descarta manter consigo a relatoria da ação que monitora a proteção governamental aos povos indígenas. Os demais processos, assim como o acervo da atual presidente, devem ser redistribuídos ao novo ministro, ainda a ser escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O uso da inteligência artificial para aprimorar os sistemas de Justiça também está em estudo. A intenção de Barroso é aplicar a tecnologia na criação de um sistema que concentre decisões anteriores do Poder Judiciário em temas de judicialização recorrente, como pedidos de acesso a medicamentos, por exemplo. A iniciativa pode ajudar os magistrados a dar respostas mais rápidas aos impetrantes, além de potencialmente reduzir o estoque de processos pendentes.
Conforme mostrou o Valor em agosto, o ministro decidiu contratar o atual economista-chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Guilherme Resende, para auxiliar na elaboração de votos, na pauta de julgamentos e na gestão orçamentária do STF. No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro tem manifestado o desejo de buscar soluções mais eficientes para as execuções fiscais e para o pagamento de precatórios.
Barroso vai trazer de volta à direção-geral o advogado Eduardo Toledo, que ocupou o posto nas gestões dos ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia. A secretária-geral será Aline Osório, que o auxiliou na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para o segundo escalão, decidiu manter os atuais responsáveis por áreas estratégicas, como o secretário de segurança, Marcelo Schettini, e a secretária de tecnologia da informação, Natacha Oliveira.
Tendência é que temas mais polêmicos fiquem fora da pauta neste primeiro momento
A solenidade de posse está marcada para as 16h. Na mesma cerimônia, assume a vice-presidência o ministro Edson Fachin. Estão previstos quatro pronunciamentos – em nome do STF, da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), além do discurso do próprio Barroso. São esperadas cerca de 1,2 mil pessoas, entre autoridades, familiares e outros convidados. O presidente Lula deve comparecer.
Natural de Vassouras (RJ), Barroso foi indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2013. É pós-doutor pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde se formou.
Autor de vários livros sobre direito constitucional, também foi procurador do Estado do Rio e assessor jurídico no primeiro governo de Leonel Brizola.
O decano do tribunal, ministro Gilmar Mendes, com quem Barroso já teve atritos no passado, desejou ao ministro um “profícuo e venturoso” biênio no comando da Corte. “Faço votos de que esta seja a tônica de sua gestão: pensamento institucional criativo e abertura dialógica. Louvo que, neste momento da República, o Brasil tenha a seu serviço, em posição de liderança, pessoa com inexcedível conhecimento jurídico e capacidade de refletir com profundidade sobre nosso projeto de nação.”
Ao longo da sessão, os ministros também homenagearam Rosa por sua última sessão plenária antes da aposentadoria – ela completa 75 anos na próxima segunda-feira. “Graças à liderança firme e brilhante de Vossa Excelência em todo o Poder Judiciário, bem como à sua personalidade amável e firme, nossa democracia se tornou mais forte”, disse o ministro Alexandre de Moraes. “A imensa e luminosa presença de Vossa Excelência é orgulho para todos nós”, afirmou Fachin.
Em sua despedida, a ministra fez uma nova defesa da democracia. “A cada ciclo que se fecha, mexem-se as pedras do tabuleiro, mas a instituição sobrepaira, em evolução constante”. Também agradeceu aos colegas pela companhia durante a trajetória: “Erra muito quem nos vê como ilhas e desconhece as pontes de amizade, respeito e companheirismo existentes entre nós.”
Ver também coluna de Maria Cristina Fernandes: De Moraes ao Congresso, os embates de Barroso no STF
Fonte: Valor Econômico