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Para José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV e consultor associado da MCM Consultores, não havia outra alternativa ao Copom que não fosse a manutenção unânime da Selic em 10,5%. A decisão, segundo o ex-diretor do BC, recupera parte da credibilidade da instituição, e foi tomada, em grande medida, pela preocupação com uma possível depreciação adicional do câmbio.
Valor: Acredita que o BC recupera parte da credibilidade que foi colocada em questão?
José Julio Senna: Recupera sim uma boa parte da credibilidade. Agora, com toda a sinceridade, eu entendo que não restava outra opção ao Banco Central. O quadro está bastante preocupante. A única decisão possível era interromper o ciclo de queda e, diante do ruído da última decisão, a unanimidade era, indiscutivelmente, de grande importância. Apesar disso, foi um grande passo na recuperação da credibilidade da autoridade.
Valor: Por quê?
Senna: Desde o início do ano, há um grau de desconforto muito elevado nos participantes do mercado. Não só no Brasil como no exterior. Neste ano vimos as taxas de juros prefixadas subindo, bem como as taxas reais e as inflações ‘implícitas’. O dólar começou o ano em R$ 4,85 e está acima dos R$ 5,40. A análise que cabe fazer não é só do momento atual, mas sobre a evolução dos acontecimentos. Tivemos um bom progresso na inflação, mas ela ainda traz algum grau de preocupação, especialmente na parte de serviços subjacentes. A mesma coisa quando pensamos nas expectativas. Nada disso condiz ou é compatível com a continuidade do processo de redução das taxas de juros.
Valor: Como vê o argumento de que o BC seria muito sensível às pressões de mercado?
Senna: Acho uma pena a discussão ser feita nestes termos. Os participantes do mercado querem o que todos querem, juros baixos, inflação baixa, estabilidade política e crescimento. Quando o mercado está emitindo alertas, não quer dizer que ele esteja externando preferências por juros altos. Como alguém pode torcer por juros mais altos se isso deprecia os ativos, as ações das empresas, os fundos de pensão, os ativos reais e os financeiros? O próprio mercado sai perdendo com juros mais altos. Não há evidências que apontem para o fato de que o mercado trabalha para que os juros sejam mais altos.
Valor: Como interpreta o exercício alternativo do Copom?
Senna: Foi bem oportuno que o BC tenha optado por voltar a divulgar o resultado baseado na hipótese alternativa. Dá uma ideia clara de que, se a Selic ficar mantida em 10,5%, seria possível cumprir a meta. A projeção de 3,1%, com uma meta de 3%, mostra que não há um desvio significativo. Mas também percebemos que não há conforto nesta margem. A mensagem é: mantendo 10,5% eu fico na meta, mas não é uma situação que vá inspirar muito conforto. É um sinal de que, se não houver mudança substancial de cenário, vamos ficar com 10,5% por bastante tempo.
Valor: O BC deveria ter citado a possibilidade de retomar as altas?
Senna: Acredito que não tenha feito para não colocar mais lenha na fogueira. Já é um ambiente pesado do ponto de vista político. Mas ele também não descartou isso de modo explícito. No caso do BC americano, temos visto o Jerome Powell [presidente do Fed] dizendo que essa alternativa não está na mesa. Não foi a mesma coisa que o BC fez e imagino que não seja algo que o Copom desconsidera. A projeção de inflação dele para 2025 já alcançou os 3,4% para o ano que vem, um número ainda mais distante do centro da meta. Com isso, acho que fica meio implícito que uma alta de juros é passível de acontecer.
Valor: Como interpretou as menções à política fiscal?
Senna: Há uma tendência de crescimento das despesas obrigatórias que pode acabar pressionando as despesas discricionárias dentro do arcabouço fiscal em poucos anos. Essa é uma situação que exige uma resposta muito firme do governo e do Congresso. Me preocupa que eu não vejo uma movimentação concreta nessa direção. As discussões terem começado é muito bom, mas elas precisam evoluir para medidas mais concretas. O arcabouço fiscal não é sustentável a longo prazo. Todo o modelo que está em prática agora se resume em aumentar as receitas e isso não é sustentável.
Valor: O câmbio deve ser importante para monitorar a trajetória futura da política monetária?
Senna: O câmbio é uma variável chave e se torna especialmente importante nos momentos de maior tensão dos mercados. Uma depreciação adicional do real é algo que seria muito bom de ser evitado. E o que o BC fez, seguramente, teve isso em mente. A possibilidade de voltar a subir os juros pode ser tornar maior, especialmente, se o câmbio se depreciar ainda mais.
Valor: O cenário é preocupante?
Senna: No meu entendimento, o comportamento do câmbio não é dado pelo fluxo. O Brasil ganhou, liquidamente, R$ 12 bilhões no ano de 2024. E, mesmo assim, o real começou o ano em R$ 4,85 e está em R$ 5,40. Isso derruba qualquer esforço no sentido de imaginar que apreciação da moeda tenha a ver com fluxo. O câmbio é o preço de um ativo e quem compra é um poupador que quer transferir poder de compra do presente para o futuro. Ele é fortemente influenciado pela perspectiva de câmbio no futuro, que, neste momento, aponta para um dólar mais alto. Além disso, os juros nos EUA mais altos adicionam outra pressão e, por fim, ele também é influenciado pelos prêmios de risco internos – muito influenciados pelos riscos fiscais. Então, só há uma maneira de evitar que o câmbio se deprecie nesta situação, que é manter uma política de juros adequada internamente. Isso significava desistir do afrouxamento. Uma parte importante da decisão, muito possivelmente, foi motivada por um cuidado com o câmbio, na medida que, caso haja uma depreciação adicional do real, as projeções de inflação vão ficar ainda piores.
Fonte: Valor Econômico

