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O forte crescimento das emissões e do mercado secundário e a piora do cenário macroeconômico mudaram a cara do crédito privado no país. Estudo da Polo Capital para o Valor mostra que aumentou muito a dispersão dos prêmios de risco, os chamados spreads de crédito, diferença entre a taxa paga pela empresa na operação e o título público de referência ou o CDI. Em dezembro de 2022, antes do escândalo de Americanas e do pedido de recuperação judicial da Light, apenas três emissores negociavam com taxas acima de CDI mais 4% no mercado secundário, sendo que o teto era 8,4% – caso da CVC , em reestruturação de dívida. Hoje, são mais de 14 emissores com taxas que chegam a 35%.
Com isso, a média dos spreads deixou de ser representativa, afirma Nicole Vieira, sócia da Polo. Para se ter uma ideia da diferença, em janeiro de 2022, enquanto a média era de 1,82%, a mediana – indicador que a Polo considera que corresponde mais à realidade – ainda estava bem próxima, de 1,60%. Já em fevereiro do ano passado, auge da turbulência, a média chegou a 4,86% frente a uma mediana de 2,60%. Em agosto, correspondiam a 1,81% e 1,25%, respectivamente. Os cálculos foram feitos com base no índice JGP Idex CDI, que acompanha o segmento.
“O risco de crédito de muitas companhias aumentou por estarem alavancadas, com balanços piores, o que causa uma falsa percepção sobre o mercado com as médias. Hoje o ‘high grade’ [empresas com alta nota de crédito] está até mais fechado do que em 2019, quando houve uma crise em menor grau do que a que vimos em 2023, porque os spreads estavam baixos demais”, comenta Vieira.
Segundo ela, como a indústria sofreu muito depois da fraude da Americanas e agora vive um momento de forte demanda de investidores, há uma busca maior por ativos de menor risco, o que acaba reduzindo ainda mais as taxas e alongando os prazos.
Dados da Ibiuna Investimentos mostram que os papéis com rating triplo “A”, que têm a melhor avaliação, estão com prêmio médio de 0,7% acima do CDI, frente a 0,85% em janeiro de 2020, logo após o ajuste de dezembro de 2019.
“O mercado ratificou emissões com prazo de sete, dez anos”, diz Vivian Lee, codiretora de investimentos e gestora da estratégia de crédito da asset, que cita uma operação recente da Cemig a CDI mais 0,6% para sete anos.
Para ela, além da corrida por menor risco, o forte aumento da liquidez impulsionou a dispersão dos spreads. Ela lembra que em 2019 eram cem emissores com preço acompanhado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), número que atualmente subiu para cerca de mil. No período, o mercado secundário cresceu de um volume mensal de R$ 10 bilhões para R$ 70 bilhões.
“Agora temos um componente de empresas com qualidade diversa, o que pode trazer oportunidade ou problema. Nesse caso, a seletividade do gestor é importante”, ressalta Lee. A executiva lembra que o aumento da liquidez fez os eventos que interferem no preço se refletirem mais rapidamente. “Antes, quando saía um balanço ruim, por exemplo, as cotações pouco reagiam.”
Para Leonardo Ono, gestor de crédito privado da Legacy Capital, a dispersão maior agora não é injustificada. “A falta dela no fim de 2022 é que era”, avalia. “Empresas mais arriscadas e mais resilientes eram avaliadas sem diferença.” Ele diz que desde 2016 uma empresa listada em bolsa não apresentava problemas tão sérios como os da Americanas. “Muitos que estavam no mercado desde 2016 vão perdendo o medo e cometendo excessos nas precificações.” Os eventos de 2023, acrescenta, foram um alerta e mudaram os procedimentos desde então.
De acordo com Ono, ainda assim a demanda forte vem puxando reduções de spreads que não têm fundamento – relatório da área de pesquisa do Banco ABC Brasil mostra que, no ano até setembro, a captação líquida dos fundos de crédito privado (excluindo os de infraestrutura) soma R$ 354 bilhões em 2024, num total de R$ 2,16 trilhões de patrimônio líquido (fundos com ao menos 15% alocados em títulos privados). “O fluxo vai continuar avançando. O desafio agora é que o crescimento na ponta de ativos seja saudável”, diz Lee, da Ibiuna. Vale lembrar que 2023 fechou com resgate líquido de R$ 120 bilhões desses fundos.
“O ano de 2025 pode ser mais desafiador, a gente não sabe o impacto da alta da Selic na atividade”, diz Ono. “Empresas muito endividadas e cíclicas, como as varejistas, não têm fundamento para esperar melhora, mas ainda assim alguns spreads caíram.”
Papéis do Magazine Luiza, por exemplo, que vinham sendo negociados a CDI mais 10% até julho, em agosto caíram a 5%. “O fluxo forte de investimentos potencializa os movimentos e aumenta a volatilidade”, conta Vieira, da Polo. “Compramos uma letra financeira no mercado primário a 2,9% e duas horas depois já havia caído a 2,6%.”
Vieira e Ono destacam que há “dois mundos” no mercado de crédito privado atualmente. O dos fundos com possibilidades de saques no mesmo dia ou em um dia, e os com prazo de resgate a partir de 30 dias. Os muito líquidos precisam alocar em papéis da mais alta nota de crédito e em títulos bancários, além de manter um caixa alto, para fazer frente a possíveis saques. Os com prazo mais longo dificilmente entram nessas emissões até 1% acima do CDI. “Esses podem até render abaixo do CDI porque compram papéis que mal pagam a taxa de administração”, diz o gestor da Legacy.
Os que têm menor liquidez, explica Vieira, migram para operações estruturadas, como fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) e certificados de recebíeis imobiliários (CRIs), que rendem mais, mas num cenário de estresse têm menor chance de saída. E fundos com saques acima de 90 dias compram operações menores de companhias médias. A Polo está trabalhando com um caixa maior que o normal, de 30%, e também vem buscando FIDCs, mas com cautela por terem menor liquidez.
Na Legacy, em que o fundo mais curto permite saques a cada 45 dias, também o caixa está maior e o prazo médio da carteira, mais curto. A fatia de FIDCs subiu da média histórica de 2% a 3% para uma participação de 10% a 15% e a de títulos negociados no mercado internacional foi de zero em novembro a perto de 15%. “Gestores com capacidade de operar bem lá fora geram um ganho que quem só opera debêntures no Brasil não consegue. Os bonds e as operações estruturadas não deixam que nós sejamos reféns dos spreads extremamente baixos do momento.”
A Atena Capital está nos “dois mundos”. Seu fundo Tapyr tem liquidez em um dia e o Atena Yield, em 30. No primeiro, Ligia Porchat, diretora executiva, conta que o caixa está em 40% e, no segundo, em 30%. “Gostaria de estar em 15% a 20%, mas as empresas estão emitindo muito e as taxas não estão fazendo sentido.” Nos dois produtos a gestora tem FIDCs em carteira, sendo 19% no Yield, e também letras financeiras de bancos de primeira linha e debêntures high grade com prazo mais curto. “O mercado é cíclico. É um momento de mais prudência.”
Fonte: Valor Econômico

