O ganho de renda e a expansão do emprego neste ano não estão conseguindo levar a um aumento tão veloz do consumo como no passado, quando as empresas foram capazes de acelerar as vendas rapidamente, e de forma mais constante, após períodos de crise.
Há um mapeamento de fatores sendo feito dentro de varejistas e indústrias para entender porque, apesar da receita superior a 2023, alta mais acelerada ainda não foi totalmente destravada neste ano.
Ontem, esse tema da retomada foi abordado na conferência anual do Santander, em São Paulo, e empresários e executivos afirmam que o endividamento ainda elevado das famílias é o fator número um que explica esse cenário. Somado a isso, a manutenção da taxa de juros (Selic) em patamar elevado e a alta exponencial dos gastos com jogos virtuais e apostas esportivas entram nesse cálculo.
“A essa altura, poderíamos, como setor, estar crescendo mais. O primeiro trimestre foi bom, depois maio piorou, julho também não foi legal, e agosto melhorou. Anda meio irregular”, disse a jornalistas Jorge Faiçal, presidente da Plurix, grupo supermercadista do Pátria Investimentos, com 180 lojas e R$ 10 bilhões em venda anual.
De janeiro a março, o comércio avançou 5,9%, depois, até abril, a alta caiu para 4,9%. Então, atingiu 5,2% no acumulado até maio e, ao fim de junho, o ano crescia um pouco mais, 5,5%.
“O nível de comprometimento de renda da população com dívida ainda tem um impacto. Mas esse tema [das apostas tirando recursos do consumo] também entra, e é o debate principal que está ocorrendo nas associações, como na Abras [associação dos supermercados]. Está todo mundo tentando entender o que está acontecendo”, disse Faiçal, após plenária na 25ª Conferência Anual do Santander.
No GPA, dono da rede Pão de Açúcar, a empresa diz que tem acelerado vendas após a sua reestruturação, mas há um nível de endividamento da população ainda relevante, que pode explicar esse cenário de retomada abaixo do real potencial do setor, afirmou Marcelo Pimentel, presidente do grupo.
Segundo ele, também há uma preocupação maior do varejo com o avanço dos jogos virtuais e apostas esportivas, e esse debate está na Abras e no IDV, o principal instituto do varejo, com cerca de 70 redes associadas. “É preciso avançar na regulação dessas empresas, para atuarem de forma mais transparente, até para entendermos melhor esses impactos”. Ele reforçou que o GPA é mais resiliente a esse movimento, porque os usuários dos jogos, segundo pesquisas, são chefes de família do sexo masculino e das classes C e D, e o GPA é mais focado nas classes A e B.
Segundo pesquisa de 2023 do Instituto Locomotiva, 30% pertencem às camadas C, D e E, e na A e B, são 24%. Dados do Banco Central apontam para movimentação total em torno de R$ 70 bilhões em 2023. O Itaú calcula R$ 23,9 bilhões líquidos em 12 meses, entre gastos e ganhos em prêmios, e pesquisa da PwC, antecipada pelo Valor neste mês, estima de R$ 120 bilhões a R$ 130 bilhões em apostas neste ano, o equivalente a 8% da receita projetada pelo varejo em 2024 (R$ 1,5 trilhão).
O Valor apurou que, no último fim de semana, o avanço das “bets” foi tópico de um almoço com lideranças do IDV. Empresários do setor já se encontraram com o vice-presidente, Geraldo Alckmin, quando se falou sobre esse tema.
Na rede Assaí, a direção fez uma campanha interna para conscientizar funcionários sobre as “armadilhas” nos jogos, e cita a questão do endividamento das famílias, diz o material enviado.
“Há uma preocupação enorme, há funcionários em empresas zerando o contracheque com empréstimos para usar recursos nas bets e nos joguinhos. Há um caminho sendo estudado, que é tratar disso em Brasília, discutir limitações em cartão ou holerite, para impedir um desequilíbrio maior ”, diz um membro do IDV.
Associações do setor têm destacado que as empresas passaram a reforçar mais o trabalho de esclarecimento e campanhas de participação responsável. Além disso, dizem que os investimentos publicitários geram renda ao setor.
No governo, a projeção é que, com a lei que regulamenta os jogos, válida após 2025, a arrecadação irá alcançar cerca de R$ 3 bilhões, por conta da cobrança de 12% de impostos. Isso ajudará o Ministério da Fazenda nos cálculos do ajuste fiscal.
O texto ainda define obrigação de atendimento aos apostadores e ouvidoria, e “ações de promoção ao jogo responsável e prevenção aos transtornos de jogo patológico”. Mas a lei é generalista, e não especifica quais ações seriam obrigatórias.
Ontem, perguntado sobre o tema da retomada econômica e das “bets” em plenária do evento, o CEO do Magazine Luiza, Frederico Trajano, disse que está otimista com o país e afirmou que “aquilo que travava muito a agenda era o juro americano”, mas há sinalização de queda na taxa.
“O juro aqui não ia descer se lá não descesse. E estou otimista com o Magalu. Juros têm uma relevância, porque somos líder em duráveis. Já melhoramos nosso resultado, cresceu 60% do lucro operacional. Precisava, agora, dar uma ajudinha dos juros para as categorias discricionárias poderem crescer”.
Sobre as apostas, diz que é problema de saúde pública por conta dos descontroles nos jogos, e crê que a regulação é fraca. Porém, não vê efeito no curto prazo. “No primeiro semestre, não diria que teve algo que afetou consumo. Não vejo impacto no curto prazo, mas o crescimento [das apostas] será exponencial. Não há regulação, é muito frouxa. E ‘bet’ é um problema de saúde pública. O Hospital das Clínicas está lotado.”
Fonte: Valor Econômico

