Mais de vinte empresas de capital aberto estão envolvidas em processos de recuperação judicial ou extrajudicial, número que tende a crescer em 2025 à medida que mais companhias estão perdendo o fôlego financeiro para o pagamento de dívidas como reflexo do cenário de aumento de juros na economia. O pano de fundo é uma crise financeira corporativa no país, com mais um recorde de “RJs” se esboçando para o ano, conforme especialistas consultados pelo Valor.
Dentre casos mais recentes estão Bombril e Agrogalaxy, mas a lista engloba também casos emblemáticos como a Oi, em seu segundo processo, e a Americanas, que pediu proteção à Justiça tão logo se tornou pública a bilionária fraude contábil. No geral, os processos das empresas de capital aberto se destacam pelo tamanho da dívida envolvida, o que os posiciona entre os maiores do país, mas também pela divulgação mandatória de informações financeiras, o que acaba jogando mais luz sobre os problemas. Fora isso, indicam a situação das empresas menores, que tende a ser mais delicada.
Considerando as 52 empresas que compõe o Ibovespa que já divulgaram seus resultados referentes a 2024, conforme levantamento feito pelo Valor Data, a média de alavancagem foi de 1,47 vez para 1,64 vez.
A sócia do escritório Felsberg, Fabiana Solano, afirma que a crise financeira nas empresas, incluindo aquelas mais robustas, tende ainda a se agravar. “Essa constante alta de juros e instabilidade global acabam gerando reflexos imediatos às companhias”, diz. Segundo a especialista, mesmo que a situação ainda seja mais delicada entre empresas menores, as companhias listadas estão com nível de endividamento importante. “Entre as listadas o momento é de cautela e de atenção também.”
Ainda dentre os processos englobando as listadas, estão a OSX, de Eike Batista, que entrou pela segunda vez com pedido e recuperação judicial, a exemplo da Oi. A empresa do setor de energia Light também atravessa um processo, desde 2023. A empresa do setor têxtil Teka, por sua vez, há mais de dez anos em recuperação judicial, teve seu pedido de falência decretado recentemente. O número só não é maior porque algumas empresas conseguiram reestruturar seus vencimentos em negociações bilaterais, como a Azul e Infracommerce. Já a Aeris, de pás eólicas, e a Viveo, investida da família Bueno (dona da Dasa), também negociam com credores, na intenção de ajustar os vencimentos para se evitar outras medidas.
No geral, as empresas listadas têm acesso mais amplo a linhas de crédito, tanto as bancárias, mas também aos títulos de dívida disponíveis no mercado de capitais, segmento que segue bastante aquecido devido à demanda dos investidores por papéis de renda fixa. Por outro lado, a emissão de ações das empresas listadas está paralisada, espelhando um momento de aversão ao mercado de renda variável e de fuga de capital dos fundos de ações. A única emissão em quatro meses será a da Caixa Seguridade, um caso já bastante esperado e específico, visto que sua motivação para a oferta é exclusivamente ajustar a liquidez de suas ações às regras da B3Cotação de B3.
Pela regra vigente, as empresas listadas que entram em recuperação judicial são excluídas dos índices teóricos da B3Cotação de B3, mas continuam com suas ações negociadas. Essa regra foi incluída após a última reforma do Ibovespa há mais de uma década, que ocorreu na esteira da derrocada do grupo X, que tinha naquele momento diversas empresas entre as mais líquidas da bolsa.
O sócio da área de reestruturação do escritório Lefosse, Roberto Zarour, lembra que, ao contrário das empresas de capital fechado, as listadas precisam também se atentar às regras de divulgação de informações ao mercado, por meio de fatos relevantes e comunicado ao mercado. O equilíbrio é, lembra, seguir as obrigações ao mesmo tempo em que mantém a confidencialidade inerente a determinadas negociações.
Marcelo Ricupero, sócio da área de reestruturação do escritório Mattos Filho, afirma que o aumento do número de casos entre empresas abertas mostra que nenhuma companhia está imune à atual turbulência. “A tendência é de aumento de número de casos”, afirma.
Zarour, do Lefosse, aponta que o número de reestruturação de dívidas nas listadas, que possuem mais governança e acesso a crédito, traz à tona o problema das demais empresas, que de forma geral se endividaram mais no momento de juros mais baixos e foram pegas, no ciclo de alta, no contrapé.
Acredito que em 2026 a situação será ainda pior, há muita empresa equilibrando pratos”
A sócia do escritório Dias Carneiro Advogados, Laura Bumachar, lembra que as empresas se endividaram nos últimos anos e que a conta chegou. “Acredito que em 2026 a situação será ainda pior, há muita empresa equilibrando os pratos. Vai vir uma nova avalanche”, diz. Segundo ela, no escritório tem chegado muitos novos casos, não só de recuperação judicial e extrajudicial, mas também de falência.
Um efeito colateral esperado, conforme a sócia do Felsberg, será um aumento da concentração. Isso porque as empresas mais fortalecidas e com capital vão partir para movimentos de fusão e aquisição, em um cenário em que muitas empresas estão encolhendo como reflexo da sua situação econômica. Ricupero, do Mattos Filho, diz que casos de M&A envolvendo ativos estressados está em alta.
Procurada, a Light apontou que aprovou seu plano de recuperação judicial em maio de 2024. “Num sinal de confiança no futuro da companhia, a demanda dos credores para aderir à modalidade do plano que previa a conversão de dívida em participação acionária na Light foi 50% superior ao limite previsto”, destacou. A Light acrescenta, ainda, que “todas as etapas da RJ vêm sendo cumpridas dentro do que foi estabelecido no plano”.
A Azul reiterou as informações divulgadas ao fim de janeiro, quando concluiu as negociações com credores. Na ocasião, frisou que a “finalização dos acordos, além de proporcionar uma melhoria no fluxo de caixa nos próximos três anos, trará uma desalavancagem de aproximadamente 1,4 vez de maneira pró-forma sobre os números do 3º trimestre de 2024”.
Já a Aeris informou que “as negociações financeiras da companhia são de conhecimento público, conforme divulgado em fatos relevantes já publicados”. Frisou que tais negociações “não envolvem discussões ou pedidos relacionados à recuperação judicial”. A Viveo destacou que no final de 2024 e início de 2025, “renegociou e concluiu com sucesso a mudança da curva de ‘covenants’ das suas dívidas junto aos credores”.
A Teka disse que a decisão de falência com atividade continuada “assegura que a têxtil siga operando, afastando incertezas sobre seu futuro e demonstrando o compromisso com a continuidade das suas atividades”. Destacou, em nota, que é natural que os “acionistas apresentem resistência a essa medida, pois serão os únicos impactados negativamente, ante a perda de valor de suas ações e do controle da companhia”, mas que a prioridade é manter a empresa ativa, garantir a continuidade dos empregos e permitir que os credores tenham a chance de receber seus valores. Disse também que a decisão fortalece o valor dos ativos, o que pode ajudar a atrair interessados na aquisição da companhia.
A Infracommerce, por sua vez, informa que, em acordo com as instituições financeiras credoras e novos investidores, foi colocado “em marcha um plano de reestruturação para readequar a estrutura de capital da companhia e “prover novas fontes de recursos” para financiar seu processo de transformação. Frisou, ainda, que é “importante ressaltar que tal plano foi concebido e está sendo executado fora do âmbito da recuperação judicial ou extrajudicial”.
A Agrogalaxy, Americanas, Oi e OSX não comentaram. A Bombril não respondeu.
Fonte: Valor Econômico

