Por Fabiana Moraes
08/02/2023 05h01 Atualizado há 6 horas
Os últimos meses, conversando com investidores, me fizeram refletir sobre a forma como ativos de crédito são alocados/recomendados nas carteiras dos clientes. Os alocadores definem a estratégia de duas formas: 1) ativos líquidos com baixo risco de crédito e que são considerados como um fundo caixa; e 2) ativos que vão gerar ganhos extraordinários, como “distressed” e “special situations”.
Depois de Americanas, do rebaixamento do rating da Light, da deterioração de crédito da CVC, essas estratégias se tornam ainda mais verdadeiras. Fico só imaginando os comitês de crise das gestoras: manutenção do caixa para futuros resgates e oportunidades de aplicação apenas para ativos com um bom secundário. E os consultores de investimentos, então, devem estar tentando explicar aos clientes que eles podem ter um certo prejuízo com aqueles papéis vendidos com preços baixíssimos, mas justificado pelo baixo risco de crédito e pela boa liquidez no mercado secundário.
Nessas horas, com 25 anos de análise de crédito, seja para carteira dos bancos ou para o mercado de capitais, abaixo a cabeça e penso como foi possível não termos sido capazes de mostrarmos que as opções de crédito são muito mais abrangentes que essas duas direções, e como os riscos estão sendo subestimados.
Hoje darei minha opinião sobre a estratégia número um: ativos líquidos com baixo risco de crédito. Crédito de companhias com bons ratings e que possuem mercado secundário ativo para suas emissões. Vamos refletir juntos: como operações longuíssimas, praticamente com amortizações no vencimento, que pagam um pouco mais que o CDI ou NTN-B, sem garantias e com cláusulas contratuais frágeis, podem ser consideradas de baixo risco? Quando essas assimetrias ficam evidentes? Em um momento como esse que estamos passando.
Poderia citar dezenas de exemplos, mas deixo aqui um pedido: revejam as carteiras de crédito. Não estou nem falando da capacidade creditícia de cada companhia, me refiro às próprias operações em si. Vejam o prazo das operações, os preços e as cláusulas de vencimento antecipado. Em hipótese alguma estou criticando a qualidade de crédito das companhias, estou apenas pedindo uma reflexão sobre o que é considerado baixo risco, e se isso está sendo bem precificado.
Ouso dizer que, na euforia do mercado dos últimos anos, passamos a aceitar condições que, para mim, não fazem o menor sentido. Se uma empresa não consegue cumprir com as condições estipuladas nos contratos, condições essas com as quais ela se comprometeu, no meu entendimento o management deveria chamar os investidores que confiaram seus recursos àquela empresa e explicar a situação. Mas, em algumas emissões, isso só se torna necessário se o investidor reivindicar. Como isso é possível?
Se a emissão estiver concentrada nas gestoras, pode ficar um pouco mais fácil. E quando está pulverizada em milhares de investidores pessoas físicas? Não vence, nada acontece. Sei o quanto é difícil reunir milhares de investidores para as assembleias. Tenho certeza que nenhum investidor quer gerar vencimentos antecipados em massa pela dificuldade operacional de realizar uma assembleia quando uma emissão está muito diluída no mercado. Mas existem cláusulas que são pétreas, que não deveriam nem ter a necessidade de chamar uma assembleia, que vencem de forma automática e, caso a empresa necessite de um “waiver” por qualquer razão, será necessário, sim, um esforço enorme para reunir os investidores antes do evento.
Minha conclusão: investidores compram dívidas recebendo remunerações baixas de companhias que são boas hoje, mas que são vulneráveis às condições políticas, econômicas e à má governança, acreditando que é baixo risco, mas na realidade são operações de renda fixa com risco de equity.
Acredito veementemente que a forma mais eficiente para o financiamento de uma companhia grande, média ou pequena é através do mercado de capitais. Mas, para isso, é necessário que os ativos sejam bem precificados; os riscos, conhecidos; e que os agentes do mercado (gestoras, consultores, bankers, advisors etc.) exijam uma melhor governança nas condições contratuais.
E nós, gestores, não podemos nunca esquecer que, ainda que um papel seja comprado com a estratégia de giro no secundário, alguém estará com ele no vencimento. Que o mercado secundário seja eficiente para gerar liquidez e para trazer o preço dos ativos para a realidade de mercado, mas que jamais seja utilizado como um jogo de batata quente.
Fonte: Valor Econômico

