Por Eduardo Magossi e Gabriel Caldeira — De São Paulo
17/08/2023 05h03 · Atualizado
O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) está diante de uma encruzilhada: pausar o aperto monetário ou continuar com a alta nos juros nos próximos meses. Divulgada ontem, a ata da reunião de 25 e 26 de julho do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) mostrou que os membros estão monitorando com atenção os riscos da inflação ao mesmo tempo em que começam a questionar os perigos de um aperto maior que o necessário para a economia.
A ata revelou que os membros do comitê não se sentem confortáveis em dizer que o ciclo de alta de juros já terminou e que seguirão mais do que nunca dependentes dos dados para tomar uma decisão na reunião de setembro. Isso começa a revelar uma dicotomia na opinião das autoridades: embora a alta de 0,25 ponto percentual em julho tenha sido decidida por unanimidade, dois membros se mostraram contra a alta.
O documento afirma que “com a inflação bem acima da meta de longo prazo e o mercado de trabalho apertado, a maioria dos participantes continuam a ver riscos significativos para a inflação, que podem exigir mais apertos na política monetária”. Porém, alguns membros destacaram a importância de que “as decisões do comitê equilibrem os riscos de inadvertidamente provocar um aperto excessivo contra o custo de uma alta insuficiente nos juros”. “Os membros julgaram que manter o atual grau de restrição neste momento provavelmente resultaria em mais progresso em direção às metas do Comitê, ao mesmo tempo em que permitiria ao Comitê avaliar melhor esse progresso”, explica a ata.
Um movimento de venda de ações e alta das taxas dos Treasuries tomou conta dos mercados em Nova York após a ata. Investidores leram sinais mais conservadores no documento, o que pressionou os ativos, sob a premissa de que os juros poderão ficar mais altos.
Nas bolsas, o Nasdaq foi o que mais sentiu, com baixa de 1,15%. O índice Dow Jones fechou em queda de 0,52%, o S&P 500 recuou 0,76%. Já na renda fixa, o rendimento da T-note de dez anos encerrou em alta, a 4,256%, enquanto o do T-bond de 30 anos subiu para 4,356%. O fechamento de ontem foi o maior retorno do título de dez anos desde outubro de 2007. Já o rendimento do título de 30 anos alcançou o maior fechamento desde 2011.
“A ata abre caminho para a atuação do presidente do Fed, Jerome Powell, no simpósio de Jackson Hole, na próxima semana, onde a expectativa é a de que ele continue a ressaltar que o Fed será totalmente dependente de dados, deixando que a decisão de setembro seja tomada em cima da hora”, afirma a economista-chefe para os EUA do Morgan Stanley, Ellen Zentner. Ela cita que o documento explicitamente ressalta a importância de todos os dados que serão divulgados até lá para a decisão: “Decisões de política em reuniões futuras devem depender da totalidade dos dados e suas implicações para cenário econômico, inflação e equilíbrio de riscos”.
Para Zentner, embora a ata não confirme uma posição para a próxima reunião, a expectativa é a de que não haverá mais altas este ano no ciclo de aperto monetário. Alguns economistas acreditam que haverá uma pausa em setembro mas uma alta pode ocorrer na reunião de novembro.
“Esperamos que o Fed entregue uma alta final de 0,25 ponto em novembro” — Veronica Clark
Os dirigentes do Fed ainda identificam um grau elevado de incerteza acerca das perspectivas para a economia. Nesse contexto, as decisões futuras sobre a política monetária devem continuar dependentes da totalidade dos dados econômicos e “de seus impactos sobre as perspectivas econômicas e de inflação, bem como o balanço de riscos do Fed”.
Embora vejam a atividade econômica como forte, sob “expansão a ritmo moderado”, alguns dirigentes do Fed citaram riscos que podem reduzir o crescimento em breve. Entre eles, o efeito cumulativo do aperto monetário, que seria agravado caso as condições mais restritivas para a concessão de crédito dos bancos impactem mais a atividade que o esperado. No geral, o Fomc continua a acreditar que uma taxa maior de desemprego e um período de crescimento abaixo da tendência serão necessários nos EUA para que a inflação retorne à meta de 2% de forma sustentável.
Os membros do Fed também concordaram que o mercado de trabalho dos EUA continuou muito apertado, mas com sinais de melhor equilíbrio. Segundo a ata, o desemprego deve aumentar nos próximos meses. Eles notaram evidências de que “a demanda por mão de obra está diminuindo – com queda nas vagas de emprego, taxas menores de demissões, mais trabalho em meio período, crescimento mais lento nas horas trabalhadas, pedidos de seguro-desemprego mais altos e moderação de crescimento salarial”.
Na visão de Veronica Clark, economista do Citi, a maioria dos participantes do Fomc ainda veem risco significativo de alta da inflação, o que requer mais aperto, “consistente com as projeções feitas pelo Fed em junho, que apontavam para mais uma alta”. “Esperamos que o Fed pule a alta de juros de setembro, mas entregue uma alta final de 0,25 ponto em novembro”, disse.
Para André Cordeiro, economista-sênior do Inter, na ata os membros não enxergam necessidade de interromper a política contracionista com a retirada de liquidez do mercado, através da diminuição do balanço de ativos do Fed. “Nossa expectativa continua de um pulo [no aperto] em setembro, condicionado ao payroll e ao CPI”, diz, que espera alta em novembro.
Kieran Clancy, economista-sênior para EUA da Pantheon Macroeconomics, destaca trechos da ata que sugerem “amplo consenso de que muitos dos fatores que primeiro impulsionaram a inflação estão agora se revertendo”. “O payroll de agosto é uma incógnita”, diz, preocupado com a possibilidade do mercado de trabalho forte fazer com que o Fed volte a subir os juros em setembro. Para ele, a divisão entre os membros mais conservadores e aqueles mais preocupados com um aumento excessivo dos juros tem ficado mais evidente, mas o lado “hawkish” (duro) ainda é maioria. (Colaboraram Igor Sodré e Letícia Simionato)
Fonte: Valor Econômico

