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O apelo à engenhosidade é o material de trabalho de Paulo Savaget em “Saia pela tangente – As estratégias de empresas ousadas para contornar problemas complexos”. O pesquisador brasileiro, professor associado da Universidade de Oxford, no Reino Unido, defende que é possível driblar obstáculos que parecem intransponíveis com a ajuda de quatro visões de gestão que ele chama de tangentes e obter resultados acima da média, mesmo em cenários pouco otimistas. “Sair pela tangente” é uma forma de lidar com entraves complicados, usando caminhos improváveis.
Para provar a tese, o estudioso, que contou com o apoio de bolsas de pesquisa e premiações de instituições como a Fundação Gates, a Universidade de Cambridge e o banco Santander, viajou durante três anos por nove países. No roteiro, se debruçou em dezenas de casos de empreendedores, que abraçaram abordagens incomuns para desatar nós em setores como saúde, educação e saneamento.
As descobertas apontaram para quatro tangentes, que Savaget batiza com expressões simples como “carona”, “brecha”, “rotatória” e “túnel”. Na primeira, baseada no uso de relacionamentos existentes a fim de alcançar objetivos de curto prazo, uma das trajetórias mais interessantes é a da ONG Colalife, dos britânicos Jane e Simon Berry, que encontraram uma maneira eficiente de distribuir medicamentos nos rincões da Zâmbia.
Diante da escassez de unidades de atendimento e de uma logística apropriada para garantir remédios à população, eles “pegaram carona” nos fornecedores de Coca-Cola na região. Desenvolveram kits de saúde que eram encaixados nos engradados dos refrigerantes. Em um ano, as entregas passaram de 1% para 46% do total de comunidades envolvidas no projeto.
No método “brecha”, o também especialista em inovação perfila o trabalho de entidades que identificaram meios de desafiar o status quo. Aqui, o segredo é prestar atenção às entrelinhas das leis. É o caso da organização Woman on Waves, que oferece serviços de aborto seguro para residentes de países onde a intervenção é ilegal.
As pessoas que optam por encerrar a gestação embarcam em um navio com bandeira da Holanda, que permite o procedimento, navegam para águas internacionais e, acompanhadas por profissionais de saúde, podem fazer abortos seguros e legais, explica Savaget, no livro. A Woman on Waves existe desde 1999 e é considerada uma das catalisadoras da legalização do aborto em Portugal, em 2007.
Já a tangente “rotatória” não costuma resolver, de imediato, situações “cabeludas”, mas interrompe comportamentos cristalizados, ajuda a ganhar tempo no desenho de opções e indica uma direção a tomar. O padrão é explicado por meio do hábito de parte da população indiana de fazer xixi nas ruas. Savaget conta que, mesmo com mais banheiros públicos e multas para os infratores, o imbróglio parecia não ter fim.
Como reação, os donos das casas atingidas apelaram para a religiosidade local. Pintaram representações de deuses nas paredes das vielas, na altura dos joelhos dos passantes, destaca. A ação não interrompeu totalmente o costume, mas espantou os transgressores para outras paragens. “Urinar em uma imagem de divindade é considerado uma blasfêmia e alguns proprietários disseram que os incidentes diminuíram 90%, depois da instalação das iconografias hindus”, relata.
Por fim, a quarta tangente, “túnel”, se concentra no reaproveitamento dos recursos à mão. “Não desvalorize o poder de um remendo, especialmente quando a tomada de decisão precisa ser rápida”, ensina. Uma das histórias que ilustram a abordagem é a do empreendedor social mineiro Tião Rocha.
O fundador da ONG Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), que atua há 40 anos com educação popular, encampa projetos culturais e de desenvolvimento comunitário em cidades pelo Brasil. Na visão dele, não é preciso esperar pela construção de uma escola para a aprendizagem fluir — até a sombra de uma árvore pode servir como sala de aula.
“Tangentes como essa podem não resolver limitações estruturais, mas geram alternativas que aliviam problemas e ampliam os limites do que é possível fazer com o que está disponível”, diz Savaget, que reitera que as condutas analisadas podem ser absorvidas por grandes companhias.
Além do amplo recorte sobre experiências exitosas no campo social, a investigação captura a atenção do leitor ao descrever movimentos registrados no Brasil, como as tentativas de demarcação de terras do povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul (tangente “rotatória”); ou quando o então governador do Maranhão, Flávio Dino, hoje ministro no Supremo Tribunal Federal (STF), consegue descomplicar a importação de respiradores na pandemia (“brecha”).
Estaremos melhores quando deixarmos de nos fixar em soluções ideais e nos concentrarmos em abordar os reveses com imaginação, afirma o autor.
Fonte: Valor Econômico