O PIB brasileiro registrou bom desempenho no início de 2024. O principal indicador da atividade econômica, que considera a soma dos bens e serviços finais produzidos no período, cresceu 0,8% no 1º trimestre de 2024 em comparação ao 4º trimestre de 2023. Esse resultado veio um pouco acima da mediana das expectativas de mercado e sucedeu dois trimestres em torno da estabilidade.
A expansão do consumo das famílias (1,5%) e do investimento (4,1%) no trimestre passado merecem destaque. O primeiro componente mostra tendência de alta desde meados de 2021, e a aceleração registrada no início de 2024 refletiu: (i) a forte geração de empregos e elevação dos rendimentos do trabalho, incluindo a contribuição do aumento real do salário-mínimo; (ii) as transferências fiscais em níveis elevados; (iii) os pagamentos extraordinários de precatórios; e (iv) a melhoria, embora gradual, das condições de crédito. Por sua vez, a alta do investimento decorreu de fatores como a recuperação da produção de caminhões, com a adequação dos agentes às novas normas de emissões do Proconve 8, e o maior dinamismo em segmentos do mercado imobiliário.
Observaremos, mais uma vez, crescimento do PIB acima das projeções iniciais? Afinal, entre 2021 e 2023, as expectativas para o PIB subiram bastante após um bom pontapé no começo do ano.
Desta vez, as previsões não devem mudar substancialmente (ao menos nas próximas semanas). Ou seja, o cenário base para crescimento econômico em 2024 — como no Boletim Focus do Banco Central — deve continuar ao redor de 2%, após expansão próxima a 3% nos últimos dois anos. Em torno desta projeção, entretanto, enxergamos riscos relevantes para ambos os lados.
Infelizmente, temos que incluir nas análises os efeitos da tragédia natural e humanitária no Rio Grande do Sul. Em que pese a elevada incerteza sobre as estimativas de impacto deste choque adverso, exercícios preliminares sugerem redução em cerca de 1 p.p. no crescimento interanual do PIB no 2º trimestre, de aproximadamente 2% para 1%. Devemos observar algum “efeito rebote” na segunda metade do ano, na esteira das necessárias medidas de apoio emergencial (transferências do governo, disponibilidade de crédito a condições facilitadas etc.) e dos primeiros esforços de reconstrução da infraestrutura gaúcha. Ainda assim, o impacto líquido sobre o PIB nacional de 2024 deve ser negativo em 0,2 p.p.– 0,3 p.p.
Ainda do lado baixista, a atenção se volta às condições financeiras mais apertadas, especialmente com as taxas de juros altas por mais tempo. O ambiente internacional ainda é marcado por muitas dúvidas sobre o início da flexibilização monetária em economias avançadas, sobretudo nos Estados Unidos, e tensões geopolíticas persistem. Neste contexto de maior percepção de risco global, os ativos financeiros das economias emergentes são mais penalizados. No campo doméstico, as preocupações fiscais continuam e, recentemente, as expectativas de inflação começaram a subir, se afastando ainda mais da meta de 3%. Tais fatores reduzem o espaço para cortes na taxa básica de juros, que não deve atingir patamar de “dígito único” no curto prazo.
Do lado altista, por sua vez, a dinâmica recente do mercado de trabalho assume o protagonismo. De acordo com os dados da Pnad, do IBGE, a taxa de desemprego brasileira atingiu 7,5% no trimestre móvel até abril. Considerando estimativas mensais e sem efeitos sazonais, o indicador está próximo a 7%, o menor nível em quase dez anos. Ademais, os rendimentos reais vêm crescendo desde o 3º trimestre do ano passado, o que evidencia um mercado de trabalho aquecido. A chamada massa de renda ampliada disponível às famílias — inclui salários, benefícios previdenciários, transferências de proteção social, entre outros — crescerá, no mínimo, 5% acima da inflação em 2024. Assim, o consumo pode seguir firme a despeito da política monetária em terreno contracionista.
Além desses fatores conjunturais, existe um importante debate sobre a capacidade de crescimento da economia brasileira ao longo do tempo — que os economistas chamam de crescimento potencial. A aprovação de reformas estruturais, a modernização de marcos regulatórios setoriais, o aprofundamento do mercado de capitais, a melhoria na constituição de garantias para crédito etc. teriam impulsionado a produtividade da economia, contribuindo para as surpresas positivas recentes com indicadores de atividade. Por exemplo, a flexibilização das relações trabalhistas deve ter colaborado para a recuperação sólida do emprego após o choque da pandemia. Segundo dados do Caged do MTE, as contratações e demissões (com proeminência das voluntárias) estão nas máximas históricas.
Isto posto, as principais medidas de produtividade não parecem ter melhorado substancialmente. No âmbito setorial, apenas atividades ligadas à produção de commodities apresentaram ganhos consistentes — ver, por exemplo, os estudos do Observatório da Produtividade Regis Bonelli/FGV Ibre. Além disso, a taxa de investimento continua baixa, ao redor de 16,5% do PIB. Assim, a maioria das estimativas para o crescimento anual do PIB potencial seguem em torno de 2%. Avanços de caráter estrutural podem ajudar a explicar as surpresas recentes, mas isso está longe de “fechar a conta”. Outros vetores, sobretudo os impulsos fiscais massivos dos últimos anos, no Brasil e no mundo, exercem papel fundamental. E discussões acerca da sustentabilidade deste tipo de contribuição têm clara legitimidade.
Rodolfo Margato é economista da XP
04/06/2024 14:27:47
Fonte: Valor Econômico

