O relatório de avaliação bimestral das contas públicas e a entrevista coletiva subsequente com membros da equipe econômica trouxeram mais dúvidas para analistas, mas mantiveram a percepção de que a execução do orçamento deste ano é difícil e ainda levantaram o questionamento de se o congelamento de R$ 15 bilhões em despesas discricionárias (não obrigatórias) pode ser, na prática, menor. Para economistas, uma mudança na meta de resultado primário de 2024 – que contempla déficit zerado ou, no máximo, de R$ 28,8 bilhões (0,25% do PIB) – não está descartada.
Apesar da sinalização de um “volume não desprezível” de despesas discricionárias contingenciadas e bloqueadas, o relatório “não trouxe o conforto esperado”, diz Jeferson Bittencourt, chefe de macroeconomia do ASA e ex-secretário do Tesouro Nacional.
Pelo lado da despesa, economistas dizem que o ajuste de R$ 6,4 bilhões para cima na projeção de gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) foi expressivo e, agora, a previsão está mais realista.
Por outro lado, o acréscimo de mais R$ 5,3 bilhões na despesa geral da Previdência foi visto como insuficiente. “O relatório bimestral aponta um cenário mais realista, mas os gastos previdenciários seguem subestimados”, escrevem, em comentário, Felipe Salto, Josué Pellegrini e Gabriel Garrote, economistas da Warren Investimentos.
A projeção de gastos com benefícios previdenciários subiu para R$ 923,1 bilhões, mas a estimativa da XP, por exemplo, é de R$ 933,3 bilhões.
A revisão parece tímida “principalmente considerando que não foi explicitado qual tem sido a efetividade das medidas de revisão de gastos previdenciários que constam nas projeções desde a PLOA [Projeto de Lei Orçamentária Anual], economizando até R$ 9 bilhões”, afirma Bittencourt.
Para alguns economistas, chamou a atenção, inclusive, a aparente incorporação desse “pente fino” na conta, porque a equipe econômica afirmou, na semana passada, que ele não estaria no cálculo das despesas obrigatórias ajustadas.
Pelo lado das receitas, o contingenciamento de R$ 3,8 bilhões já indicava que o ajuste, no sentido de reconhecer frustrações, seria mais modesto, diz Bittencourt. Mas as projeções de arrecadação para o ano com mudanças no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), transações tributárias e renovação de concessão de ferrovias “dão a entender que, nos próximos bimestrais, ou mesmo antes, a discussão da mudança da meta pode voltar à mesa”, afirma.
A projeção de arrecadação com o Carf, por exemplo, foi revista de R$ 55,6 bilhões para R$ 37,7 bilhões, o que, na avaliação dos economistas, ainda é um valor alto.
Além da diferença nas projeções, Matheus Ribeiro, economista da consultoria BRCG, nota que o governo esclareceu que essa receita vai sofrer um efeito de postergação. “Então, é possível que parte da receita que o governo estava contando com o Carf para esse ano passe para o ano que vem”, diz.
Segundo Robinson Barreirinhas, secretário da Receita Federal, a frustração de R$ 17,9 bilhões com o Carf foi compensada com outras receitas, mas os membros da equipe econômica não foram claros, na avaliação de analistas, sobre quais foram exatamente as rubricas compensatórias.
Economistas também expressam dúvida sobre uma afirmação do secretário de Orçamento Federal substituto, Clayton Montes. Questionado se o bloqueio anunciado de R$ 11,2 bilhões já estava contido nas projeções do terceiro relatório bimestral, ele disse que sim e que, para efeito de cálculo, era preciso somar a queda de R$ 8,3 bilhões nas despesas discricionárias com a “folga” de R$ 2,5 bilhões que ainda existia para o crescimento dos gastos totais.
O problema, segundo economistas, é que essa soma não dá os R$ 11,2 bilhões, mas R$ 10,8 bilhões – o que até pode ser explicado pela diferença entre visão orçamentária e financeira – e, mais grave, que utilizar a “folga” na conta significaria que o corte de despesas de fato seria inferior ao anunciado.
Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, o fato de, agora, o governo trabalhar com o limite inferior da meta de primário e com um empoçamento de despesas para o cumprimento do arcabouço, “mostra a dificuldade na execução de um orçamento que tem sido criticado pela sua superestimação, o que reduz a transparência na apresentação das contas públicas, com impacto direto na credibilidade do arcabouço”, afirma.
“O governo não dobrou a aposta, mas insiste em um cenário otimista”, escrevem João Maurício Rosal, Homero Guizzo e Luís Gustavo Bettoni, da Terra Investimentos. “O mais provável é que o próximo passo seja uma revisão formal da meta”, afirmam.
Fernando Montero, economista-chefe da Tullet Prebon, lembra que a programação orçamentária de julho é a que serve de base para a construção do PLOA de 2025, que será enviado ao Congresso até o fim de agosto. “Quanto mais fortes forem as despesas obrigatórias e menores as discricionárias do ano em curso, mais difícil é acomodar essas contas no ano seguinte”, diz em relatório, acrescentando que o mesmo vale para uma base de receitas reduzida.
Fonte: Valor Econômico

