É muito improvável, porém, que o Copom coloque ainda mais em evidência o risco fiscal. Desde maio de 2022, o comitê tem mantido o balanço de riscos para a inflação simétrico, ou seja, com igual peso para os fatores que podem fazer a inflação se acelerar mais que o esperado ou cair.
Manteve esse entendimento num período em que surgiram perigos fiscais importantes, tanto na expansão de gastos de Bolsonaro nas eleições quanto no pacote de gastos de R$ 200 milhões acima do limite de despesa adotado por Lula no início do seu governo. Essa não é uma discussão fácil dentro do comitê, não só pelas diferentes visões sobre a política fiscal, mas também pelas divergências dentro do colegiado sobre quando e quanto o Copom deve ou não se pronunciar sobre o assunto.
A prática adotada em fins do ano passado foi falar sobre o fiscal apenas quando há uma influência direta sobre a inflação. O modelo segue mais ou menos os procedimentos do código de conduta do Banco da Inglaterra (o BC inglês), que não entra nas minúcias sobre o que deve ou não deve ser feito na política fiscal — que, afinal de contas, é uma atribuição dos governos eleitos.
Os documentos oficiais do BC adotaram um tom neutro, mas o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, tem uma postura mais vocal em seus pronunciamentos públicos. Às vezes, elogia medidas tomadas pelo governo, pedindo compreensão do mercado para a dificuldade histórica de fazer um ajuste estrutural do lado do gasto. Em outros momentos, chega a prescrever as medidas necessárias para equacionar a questão, defendendo, como foi feito recentemente, que seja feita uma reforma administrativa.
Em agosto, parte dos analistas estranhou a retirada da política fiscal do balanço de riscos para a inflação e passou a dizer que a autoridade monetária ignorou o assunto. Não é bem assim. Tecnicamente, o Banco Central incorpora a difícil situação fiscal dentro do seu cenário econômico básico. Isso significa que o Banco Central projeta uma inflação mais alta, exigindo uma dose maior de juro, justamente porque o mercado financeiro não acredita que a meta de zerar o déficit primário vai ser cumprida em 2024.
E quais são os riscos em torno desse cenário básico? Em sua reunião de agosto, o Copom via riscos fiscais equilibrados para a inflação, tanto de alta como de baixa, mas não importantes o suficiente para serem incorporados ao balanço de riscos. Se o governo chegar mais perto de sua meta fiscal, o cenário pode melhorar; se a arrecadação decepcionar além do esperado, o déficit primário pode ser pior do que o esperado.
De lá para cá, a principal novidade foi o encaminhamento da proposta de Orçamento para o Congresso. As coisas pioraram? Alguns especialistas têm dito que sim. O BC vai ter uma visão agregada das opiniões no questionário que os analistas respondem antes de cada reunião do Copom.
Se esse questionário disser que, na visão do mercado, o risco fiscal piorou, o Copom não necessariamente precisa ter a mesma opinião. Aconteceu várias vezes de o mercado ver piora, mas o Banco Central não pesou isso negativamente no seu balanço de riscos.
O Copom olha mais do que o questionário para avaliar o risco fiscal. Um fato que deve ser pesado é que, apesar de todo o barulho em torno da piora fiscal, as projeções do mercado financeiro para o déficit primário ficaram mais ou menos estáveis no boletim Focus e no Prisma Fiscal, no intervalo entre 0,7% e 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB). As projeções para a dívida bruta até melhoraram um pouco, em parte porque o crescimento da economia foi mais forte do que o esperado.
No fundo, está todo mundo esperando a execução dos planos fiscais do governo para decidir se, de fato, vai haver uma piora nos indicadores de solvência do setor público. Se, diante das cobranças de setores do mercado, o Copom decidir voltar a citar explicitamente a política fiscal no seu balanço de riscos, provavelmente não deverá alterar o equilíbrio entre fatores que podem fazer a inflação subir ou ficar mais baixa que o esperado.
Fonte: Valor Econômico

